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Economistas, Desenvolvimento Econômico e o tal do PIB

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Por Estado da Arte
Atualização:

Por Daniela Goya Tocchetto

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Essa semana eu estava relendo o livro "O Espetáculo do Crescimento", do economista William Easterly. Nesse livro, Easterly descreve de forma lúcida e acessível as principais teorias desenvolvidas para explicar o crescimento econômico de países ao longo do tempo. O foco do livro é mostrar como essas teorias falharam na prescrição de receitas efetivas de crescimento para os chamados países em desenvolvimento. Durante as últimas cinco décadas do século XX, essas receitas foram testadas e re-testadas na prática e os resultados demonstraram o fracasso de iniciativas baseadas nessas teorias. A lição que tiramos desses fracassos, de acordo com Easterly, não é ingênua: desses fracassos podemos inferir não o insucesso da ciência econômica como um todo, mas sim uma falha na aplicação de princípios econômicos no desenho de políticas públicas.

Antes de prosseguir, cabe ressaltar que o objetivo dos economistas que foram responsáveis por esse fracasso é indiscutivelmente nobre. Nas palavras do próprio autor:

"Ao prosseguir na minha carreira como autointitulado especialista em países pobres, as diferenças presentes nas vidas de pobres e ricos constituem a minha motivação. Nós, especialistas, não damos atenção para a evolução do PIB dos países por acreditarmos que o crescimento do PIB tem qualquer tipo de valor intrínseco. Nós nos importamos com esse indicador porque uma economia que cresce é capaz de prover melhor qualidade de vida para aqueles em situações de maior vulnerabilidade econômica. Nós nos importamos porque essas pessoas, quando expostas a um aumento de renda, podem comprar mais comida e mais medicamentos para seus bebês." (p. 3, 2002, tradução própria).

 

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E esse objetivo segue o mesmo para nós economistas: fazer com que todas as pessoas tenham acesso a uma vida melhor, com alimentação, saúde, educação, etc. Eu compartilho plenamente desse objetivo, e acredito que as evidências coletadas por economistas nas últimas décadas são fundamentais para a elaboração de políticas públicas realistas. De fato, crescimento econômico é parte fundamental da equação para conseguirmos melhorar a qualidade de vida de um maior número de pessoas.

Mas o que me chama a atenção cada vez que leio o texto de um economista sobre esse assunto é o grau de alienamento que ainda existe nessa área. A impressão é a de que existe uma resistência a conversar com outras áreas do conhecimento e a incorporar resultados que têm enorme potencial de melhorar a capacidade explicativa das teorias econômicas e, por consequência, a eficácia de políticas públicas. Ainda que consigamos perceber determinados espaços dentro da economia onde existe maior permeabilidade a novas interpretações (e penso aqui no trabalho do Amartya Sen e de todos aqueles que seguem desenvolvendo sua abordagem), parece que algumas ideias seguem arraigadas às entranhas da maioria dos economistas.

Uma dessas ideias arraigadas é a ubiquidade do PIB enquanto métrica de crescimento econômico e o argumento subjacente de que o link entre renda e qualidade de vida é tão óbvio que merece pouca discussão. O que impressiona é o fato de que existe uma literatura tão grande já estabelecida demonstrando a fraqueza desse link que chega a dar uma sensação até um pouco desesperadora de "quando vamos parar de focar exclusivamente nesse indicador?" Sim, temos já indicadores alternativos, e temos o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) como exemplo de um progresso imenso nesse sentido. Mas os modelos macroeconômicos não explicam o IDH, e não buscam fórmulas para fazer o IDH crescer--ainda é apenas o tal do PIB.

Um exemplo proeminente de como esse assunto já foi debatido de forma exaustiva pode ser visto através da criação da Comissão para Mensuração da Performance Econômica e do Progresso Social. Essa comissão foi criada em 2008 pelo então presidente francês Sarkozy e teve como membros ilustres os economistas Joseph E. Stiglitz, Amartya Sen e Jean Paul Fitoussi. Em setembro de 2009 foi publicado o relatório oficial dessa comissão e, ainda que esse seja um sinal de movimento na direção certa, oito anos depois ainda não percebemos alterações no debate público relativo à mensuração de metas econômicas.

Como enfatizou Stiglitz no relatório, nós desenhamos políticas públicas para atingir determinados tipos de resultados que são mensurados através de indicadores. Se os indicadores de resultados são inadequados, as ações que serão implementadas por essas políticas serão também inadequadas. Se o indicador mais importante de crescimento econômico continuar sendo um indicador de renda, tal como o PIB, as ações que vamos implementar em termos de políticas públicas serão exclusivamente voltadas para o aumento da renda per capita dos países. No entanto, se renda não é a única dimensão da qualidade de vida das pessoas, isso significa que estaremos caminhando numa direção altamente sub-ótima.

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Acho que esse texto é uma tentativa (mais uma dentre já tantas!) de disseminar esse ponto: se queremos que as pessoas tenham uma maior qualidade de vida, precisamos de políticas que vão muito além do exclusivo crescimento do PIB dos países.

Daniela Goya-Tocchetto é economista e professora adjunta de Filosofia no Charleston College (EUA)

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