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As minorias querem se tornar maioria

Ao ganhar espaço com o partido democrata, as minorias modificam o cenário político dos EUA e colocam pressão sobre o governo de Donald Trump.

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Por Estado da Arte
Atualização:

por Renata Velloso

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Quando questionada sobre qual seria o número ideal de mulheres na suprema corte dos Estados Unidos a juíza Ruth Bader Ginsburg, segunda mulher na história a ser indicada para esta corte, não hesitou: "nove", respondeu. "Ou seja, todas", completou a juíza, afirmando que "as pessoas estranham quando eu digo isso, mas não estranhavam o fato de termos passado quase duzentos anos com apenas homens ocupando essa posição".

Tudo indica que esse tom petulante da juíza, que é uma das maiores inspirações das feministas nos EUA, será adotado por parcela importante do novo legislativo que assumiu no início deste ano.

A verdade é que as chamadas minorias, que muitas vezes compõe numericamente a maioria - como é o caso das mulheres, estão sub-representadas nas esferas de poder. Isso vale não apenas para o poder político mas também para o poder econômico.

Basta dizer que há menos mulheres ocupando a presidência das grandes empresas dos EUA do que homens chamados "John" nesta função. Tudo bem que John é um nome comum no país. Ainda assim, a diferença é revoltante.

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A subrrepresentação é uma realidade não apenas entre as mulheres, mas também entre outras populações minoritárias: negros, latinos e asiáticos são outros grupos que têm uma representação menor no poder legislativo dos Estados Unidos do que seu percentual populacional. Em contrapartida, o grupo de homens brancos, que compõe cerca de 38% da população, ocupa hoje 60% da Câmara dos deputados e 71% do Senado.

Mas essa realidade está mudando. Na última eleição legislativa nos Estados Unidos foi eleito um número recorde de mulheres. Elas ocupam agora 102 cadeiras na Câmara dos Deputados e 25 no Senado. Esses números representam cerca de um quarto do total de vagas. Pode parecer pouco se compararmos com o número de mulheres na população, mas se lembrarmos que na virada do século XX para o XXI esse percentual era de apenas 12%, concluímos que dobramos a representação feminina em menos de vinte anos.

Isso significa que em menos de duas décadas duplicamos um número que levou mais de dois séculos para ser conquistado.

Esse dado fica ainda mais surpreendente se levarmos em conta que ele foi atingido apesar dos republicanos terem reduzido quase pela metade (de 25 para 13) seu número de representantes femininas.

Já os negros, conquistaram 12.4% das vagas entre os deputados na última eleição, quase atingindo o número que representaria seu percentual populacional no país, de 13%. No Senado, porém, continuam com apenas 3% das vagas. Os latinos, por sua vez, que representam 16% da população dos EUA, tem 11.3% das cadeiras dos deputados e 4% do Senado, o que comprova ser uma casa mais conservadora e resistente a mudanças.

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O avanço não é apenas numérico, mas também qualitativo, e pode causar problemas ao presidente Trump. No momento, o presidente americano enfrenta pelo menos 17 investigações a seu respeito e já teve vários de seus colaboradores próximos condenados ou confessando culpa. Apenas para citar alguns dos mais proeminentes, o seu advogado pessoal durante a campanha, Michael Cohen, foi condenado a três anos de prisão, entre outros crimes, por ter comprado o silêncio de mulheres durante a campanha presidencial que elegeu seu então cliente. Já Paul Manafort, chefe da campanha de Trump, foi condenado a oito anos de prisão por, entre outras coisas, ter mentido repetidamente para procuradores federais.

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A situação de Trump ficou ainda mais complicada após as últimas eleições. No pleito realizado em Novembro do ano passado, o partido democrata, grande responsável por essa nova diversidade do legislativo, conquistou a maioria da câmara dos deputados. Essa vantagem garantiu aos democratas o direito de indicar o Speaker of the House, uma espécie de presidente da Câmara com superpoderes, uma vez que fala em nome da maioria da casa. Para a função, os democratas indicaram uma mulher, a combativa Nancy Pelosi.

Pelosi lidera um total de 38% de mulheres deputadas democratas (contra apenas 12.7% de mulheres republicadas) e demonstrou que nem ela, nem suas colegas de partido estão interessadas em dar moleza ao presidente.

Líder da oposição durante a maior paralisação que o governo federal dos Estados Unidos já sofreu, com duração de 35 dias, Pelosi jogou duro: desconvidou o presidente para o importante discurso State of the Union, que acontece tradicionalmente todo final de janeiro na câmara dos deputados, negando-se, assim, a negociar verba para construção do muro na fronteira com o México, uma das principais promessas da campanha presidencial.

Ao final, Trump, que sentiu sua popularidade cair para cerca de 34% durante a paralisação, se viu obrigado a reabrir o governo sem levar nada na negociação.

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Mas parece que o pesadelo do presidente está só no começo. Pelosi, antes considerada radical demais, talvez seja a voz moderada da nova legislatura. Para dar apenas um exemplo. a primeira deputada palestina-americana (e uma das duas primeiras mulheres muçulmanas a serem eleitas ao congresso dos EUA), a democrata Rashida Tlaib, foi bem menos sutil e declarou horas depois de ser empossada: "we are going to impeach this motherf*cker". Precisa traduzir?

Difícil que essa previsão da deputada se concretize. Assim como no Brasil, é o Senado que dá a última palavra sobre o processos de impeachment nos EUA, e os republicanos conseguiram não só manter a maioria como ampliaram a sua vantagem no Senado nas últimas eleições. Mas que a vida, e a reeleição, ficará mais complicada para o presidente Trump, isso não resta dúvida.

Renata Velloso é formada em Administração Pública pela EAESP-FGV e Medicina pela Unicamp, trabalha com projetos de inovação na área de saúde no Vale do Silício na Califórnia, é colaboradora do Terraço Econômico e autora do livro de empreendedorismo para jovens e adolescentes "Criando Unicórnios".

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