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A eleição de Donald Trump e a oposição ao desespero

Por Eduardo Wolf
Atualização:

Por Juliana de Albuquerque

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No dia nove de novembro de 2016, despertamos com Donald Trump eleito presidente dos Estados Unidos. Não bastasse a gravidade dessa notícia, as reações individuais ao resultado das eleições norte-americanas deixaram muito a desejar. Espalhados pelos quatro cantos do mundo, os meus amigos entraram em histeria coletiva como se aquele resultado jamais pudesse ter sido previsto. Como se, às vésperas de 2017, vivêssemos o Apocalipse.

Diante de tanta afetação não me restou outra alternativa senão recusar o desespero como opção. Além de histéricas e despropositadas, muitas das reações foram desrespeitosas em relação ao processo democrático, às liberdades individuais e ao direito de manifestação.

Ao testemunhar tanto as reações à vitória de Trump como as reações ao Brexit, eu percebi que há algo de fundamentalmente equivocado conosco e que o argumento liberal para preservação da democracia corre sérios riscos de se tornar excludente e autoritário.

O que será que todas essas reações apaixonadas dizem sobre nós e sobre a maneira de nos relacionarmos com o mundo? Foi pensando nessa questão que eu resolvi voltar a minha atenção aos autores que me informam, ao exemplo de Freud, Nietzsche e Hannah Arendt, sempre na oposição ao desespero.

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Assim, neste momento de renovação e incerteza da política internacional, em que cada vez mais nos deparamos com escolhas políticas guiadas pelo ressentimento, qual deve ser a reação daqueles que se prestam a fazer oposição? Será que a solução para o nosso problema é essencialmente política e econômica ou será que ela é, também, emocional?

Em O Mal-Estar na Civilização, Freud descreve como lançamos mão de medidas paliativas para conseguir suportar as pressões da vida. Dentre essas medidas, ele cita, por exemplo, a apreciação e a criação artística, o consumo de substâncias tóxicas e os prazeres substitutivos.

Embora Freud acredite que cada uma dessas medidas seja importante para a manutenção da nossa sobrevivência, ele também nos adverte que o preço da conservação daquilo em que acreditamos dever ser, revela, igualmente, tanto o nosso desamparo diante do mundo quanto a nossa ignorância sobre nós mesmos.

Indefesos diante da vida, sempre lutamos para que, apesar das mudanças, as coisas permaneçam como as conhecemos ou as concebemos. Afinal, pergunta-nos Freud: "Há, porventura, algo mais natural do que persistirmos na busca da felicidade do modo como a encontramos pela primeira vez?"[1]

É claro que não. No entanto, essa estratégia revela-se problemática porque, invariavelmente, o nosso primeiro encontro com a felicidade sempre se traduz numa primeira experiência de dependência. Quando crianças, a satisfação que obtemos ao receber os cuidados dos nossos pais coloca-nos numa situação bastante precária diante do mundo. Percebemos que, sem a intervenção dos mais velhos, não temos como satisfazer os nossos próprios desejos.

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Aprendemos que não há como obter qualquer prazer sem antes agradar aos outros e, deste aprendizado, surgem sentimentos de lealdade que, mais tarde, em vez de nos fortalecer e validar as nossas escolhas, irão sabotar a nossa busca por independência, autodomínio e autoconhecimento.

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Assim, o que Freud soube identificar, e o fez melhor do que ninguém, é que a nossa luta por conservação muitas vezes resulta num movimento de fuga de nós mesmos. Isto quer dizer que, embora o homem tenha sido capaz de grandes avanços, seja no campo das artes e das humanidades, seja no campo das ciências, ele ainda não se sente confortável no papel de senhor do próprio destino.

O desconforto do homem na Civilização não é outra coisa senão a expressão do medo que ele sente de si próprio. Nós sentimos medo daquilo que nós não conhecemos ou daquilo que não podemos controlar.

De fato, o homem parece ter medo de si próprio porque, como nos explica Nietzsche, "Qualquer que seja o grau que alguém possa atingir no conhecimento de si, nada pode ser mais incompleto que a imagem que se faz dos instintos que constituem seu ser."[2]

Assim como Freud, Nietzsche pertence a uma tradição de pensamento que busca a sua inspiração na literatura clássica alemã e no exemplo do indivíduo autônomo deixado por Goethe. Ambos acreditam que as nossas emoções condicionam a razão. Consequentemente, tanto para Nietzsche como para Freud, a conquista da nossa autonomia individual inicia-se com a análise e a educação das emoções.

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As reações à política da nossa época são exemplos de como falhamos em educar as nossas próprias emoções e, consequentemente, do medo que sentimos de assumir o risco pelo exercício da nossa própria liberdade. Para o homem incapaz de autodomínio, a liberdade torna-se um pesadelo. Inseguro de si e descrente da sua capacidade de enfrentar os próprios problemas, esse homem acaba recorrendo a lealdades político-ideológicas que refletem a sua posição de desamparo diante da vida: menoridade.

Independente do nosso posicionamento, quer estejam as nossas opiniões à direita ou a esquerda do espectro ideológico, todas as nossas lealdades políticas precisam ser revistas em relação às nossas motivações pessoais. Alguém que, por exemplo, se sente indefeso e incapaz de prover a sua própria segurança é, também, alguém que sente raiva e, consequentemente, o seu posicionamento político será guiado pela violência e pelo ressentimento.

O racismo e o isolacionismo dos discursos de direita, a radicalização do politicamente correto, os discursos liberais sobre as minorias e a ênfase de um conceito vazio de empoderamento não são outra coisa senão expressões de descontrole.

Estivéssemos mais atentos a nós mesmos, certamente não teríamos nos surpreendido com o Brexit, ou com a chegada de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos. A cegueira com a qual nos posicionamos politicamente não representa outra coisa senão uma atitude de impotência e ressentimento diante de uma vida que desconhecemos e somos incapazes de nos assenhorear. O racismo e o isolacionismo dos discursos de direita, a radicalização do politicamente correto, os discursos liberais sobre as minorias e a ênfase de um conceito vazio de empoderamento não são outra coisa senão expressões de descontrole.

Ora, a violência é típica da hegemonia do descontrole e, conforme escreve Hannah Arendt, embora poder e violência apareçam sempre em conjunto, permanecem fenômenos distintos: "a violência sempre pode destruir o poder; o cano de uma arma..." e, no caso em tela, o discurso do ressentimento dos homens e mulheres que, independente das suas conquistas individuais, ainda se sentem desassistidos ou preteridos: "... emerge o comando mais efetivo, resultando na mais perfeita e instantânea obediência. O que nunca emergirá disto, é o poder."[3]

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Embora não tenhamos como fazer uma previsão de quais serão as exatas consequências históricas de Trump e do Brexit, podemos dizer que, olhando em retrospecto, o nosso despreparo para enfrentar os eventos e os progressos científicos e culturais das últimas décadas coloca-nos na infeliz situação em que nos encontramos.

Antes disso irromper, já em 1998, Richard Rorty advertiu os seus leitores de que algo estava prestes a acontecer. Para ele, foi possível perceber a insatisfação das populações dos menores centros urbanos distantes dos grandes polos culturais e científicos dos Estados Unidos.

Segundo Rorty, essa gente mantinha a opinião de que o sistema havia falhado; de que advogados, burocratas e acadêmicos se haviam atribuído o direito de ditar as regras do jogo e, por isso, ele não ficaria surpreso se todo ressentimento dos americanos de pouca educação finalmente encontrasse expressão.[4]

Hoje essa previsão tornou-se realidade. Cabe-nos, agora, depois do choque inicial da notícia, recobrar a sobriedade e o autocontrole. Reexaminar, a partir das nossas motivações pessoais, os nossos posicionamentos ideológicos e assumir responsabilidade pelas nossas próprias carências. Caso seja possível uma oposição ao desespero, devemos finalmente admitir que não cabe ao discurso político arvorar-se de resolver o desajuste das nossas emoções. Esta resolução é uma tarefa árdua, dificílima, porém, exclusivamente nossa: absorver-se para não se ser absorvido.

[1] Freud, Sigmund. O Mal-Estar na Civilização. In S. Freud. Edição standard brasileira das obras psicológicas completes de Sigmund Freud. Vol. 21, p. 89.

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[2] Nietzsche, Friedrich. Aurora, Livro II, Seção 119.

[3] Arendt, Hannah. Sobre a Violência, p.70.

[4] Rorty, Richard. "Achieving our Country". In The New Yorker, "Obama Reckons with a Trump Presidency," https://goo.gl/y86WMC.

 

Juliana de Albuquerque é doutoranda em literatura e filosofia alemã pela University College Cork, Irlanda.