PUBLICIDADE

EXCLUSIVO PARA ASSINANTES
Foto do(a) coluna

Cultura, comportamento, noite e gente em São Paulo

'Temos todas as condições de vencer a crise', diz Abílio Diniz sobre os rumos da economia

Por Sonia Racy
Atualização:

Abílio Diniz. Foto: Iara Morselli/Estadão

Por causa da pandemia, Abílio Diniz tem feito mais lives que muito artista popular por aí - "não tenho a mesma facilidade das novas gerações, mas me viro", diz. O empresário vem reunindo na internet personalidades de todos os campos do conhecimento nacional em conversas sempre otimistas quanto a tudo o que estamos passando e também nosso futuro como sociedade no pós-covid.

PUBLICIDADE

No total, até o fechamento desta edição, foram 54 bate-papos, com gente do calibre do filósofo Mário Sergio Cortella, o presidente do BC Roberto Campos Neto, o superministro Paulo Guedes e o padre Fábio de Melo. "Acho que estamos aprendendo muito com esse triste episódio global. Precisamos investir em uma sociedade mais solidária, na qual entendamos mais as dores dos outros, e também nos doarmos mais para diminuirmos o gap social no Brasil", sintetiza.

No meio desse aprendizado, a morte de um cliente negro nas dependências de um Carrefour em Porto Alegre, vítima dos seguranças da loja, tirou sua paz: "Aquilo foi algo indesculpável", salienta. "Fiquei indignado. Como acionista referência do Carrefour, aqui e lá fora, tenho me empenhado em fazer da companhia uma referência mundial no combate ao racismo."

Outra missão a que tem se dedicado é a de mostrar, matematicamente, que o Brasil pode sair da pandemia melhor do que entrou: "Temos todas as condições para vencer a crise". De sua casa, no Jardim Europa, em São Paulo, Abílio conversou com a coluna, por videoconferência. A seguir, os melhores momentos da entrevista.

Você já fez mais de 50 lives durante a pandemia. Foi missão autoimposta? Até agora já foram 54 lives. E tive de recusar outras tantas. Me dá uma satisfação imensa saber que tanta gente quis me ouvir e quis que eu falasse com elas. Foi importante também saber que eu podia ajudar nesta pandemia. Graças a essas lives, pudemos destinar uma verba muito grande para auxiliar os mais vulneráveis, os que mais estão passando por dificuldades neste momento. Em uma das nossas ações, criamos um fundo e um comitê de organização para gerenciar o dinheiro.

Publicidade

Quanto até agora? Cerca de R$ 50 milhões de maneira direta.

São lives sempre com um teor mais otimista, não? Costumo dizer que todos temos os nossos medos. O que eu tenho recomendado nas minhas lives? Que as pessoas distingam os medos reais e os medos imaginários. Porque os reais são mais do que suficientes neste momento e é absolutamente normal que as pessoas sintam esses medos.

Como escolheu os participantes das lives? Aprendeu muito nesse tempo? Não só nas lives. Este foi um ano de aprendizado para todos aqueles que gostam de aprender. Meu propósito é muito simples: ser feliz, aprender e compartilhar. De todas as coisas ruins, de todas as dificuldades, de tudo aquilo que está acontecendo à nossa volta, temos de tirar um aprendizado. Foi um ano em que aprendi muito. O critério de escolha dos participantes foi, na maior parte das vezes, a quantidade de pedidos que eu recebia dos internautas. Mas também escolhi algumas pessoas. A Glória Maria, por exemplo, porque acho que é um ícone da comunicação, uma pessoa incrível. O padre Fábio de Melo também fui eu que convidei.

Como está sendo sua experiência no meio digital? Não tenho a mesma capacidade do Miguel e da Rafa (filhos menores do empresário), mas me viro bem. Tenho trabalhando muito via plataforma Zoom - aliás, todo mundo na Península. Fizemos questão de melhorar a conexão na casa de muitos dos nossos colaboradores, procuramos dar condições para que ficassem confortáveis no home office. E uma coisa interessante: vários estudos confirmam que a produtividade não caiu durante a pandemia. Não apenas no Brasil, mas de modo geral, no mundo. E por que não caiu? Porque as pessoas crescem mais na dificuldade do que na felicidade. O crescimento tem mais chance de acontecer na adversidade do que nos momentos de alegria.

Foi o que vimos acontecer nos últimos meses? As pessoas tiveram de se virar, as empresas tiveram de encontrar maneiras de sobreviver, cortaram custos, diminuíram despesas, colocaram pessoas trabalhando em home office, se adaptaram à pandemia. Tudo isso leva a uma eficiência e a uma produtividade muito grandes. Individualmente, as pessoas tiveram de se adaptar ao digital, de ter resiliência, força de vontade, determinação, disciplina. Espero que, quando sairmos desta pandemia, desta crise, haja ganhos de produtividade no mundo inteiro, e principalmente aqui no Brasil, porque estamos precisando.

Publicidade

Como membro do conselho de administração do Carrefour, como vê os protocolos anti-covid adotados pela companhia? Pelo nível de infectados, pelo nível de dificuldades que tivemos, até pelo número de mortos, acho que o Carrefour se saiu muito bem. Nós fizemos protocolos realmente exemplares nas lojas, na sede, no centro de distribuição. Onde mais tivemos dificuldades foi na Itália, porque lá a crise pegou com muita força. Mas, em outros países, nos saímos muito bem. Vamos atravessar essa pandemia com um nível de aprendizado muito importante para a companhia.

CONTiNUA APÓS PUBLICIDADE

Algum aprendizado, pessoal ou profissional, extraído deste confinamento? Sempre fui uma pessoa otimista. Sempre procurei, naquela metáfora famosa, ver o copo mais cheio do que vazio. Pude ficar mais tempo em casa, convivi mais com a Geyze, minha mulher, a Rafa e o Miguel, que moram comigo. Consegui tirar vantagem desse carinho familiar, apreciar o quão importante é ter uma família unida, uma família que dá carinho aos outros.

A pandemia explicitou o nosso gap social, a desigualdade. Acha que as pessoas estão querendo ajudar mais e que isso veio para ficar? Vou falar por mim. Eu já tinha uma noção muito clara, desde os tempos em que estive no governo, na década de 1980 [Abílio fez parte do Conselho Monetário Nacional por quase uma década, a convite do ministro do Planejamento à época, Mario Henrique Simonsen]. Sempre lutei por crescimento com distribuição de renda. Sempre foi meu mantra. Briguei várias vezes com o Delfim [Netto, que substituiu Simonsen no Ministério], porque ele dizia que o bolo precisava crescer para só depois ser distribuído. Tem de crescer distribuindo renda - sempre tive essa preocupação.

E como você tem feito isso? Cada um de nós tem de fazer isso, individualmente, da maneira que puder. Nós, por exemplo, ajudamos diversas organizações. É preciso se doar, se dispor a fazer coisas em benefício dos vulneráveis, das pessoas carentes. Esse é o caminho. Você não vai sozinho reformar o mundo e fazer coisas espetaculares, mas pode ajudar, ter voz, para que as pessoas, enfim, se movimentem para ajudar. É preciso ter solidariedade. Minha grande expectativa é que, no pós-pandemia, a gente tenha um mundo muito mais solidário.

Acha que a economia do País reagirá no pós-Covid? Segundo projeções da FGV, o PIB do Brasil vai cair 4,4% este ano. Já o PIB da França (e eu conheço muito a economia de lá) vai cair, aproximadamente, entre 9% e 9,5%. Esse é um ponto que precisamos olhar: nossa recuperação está sendo muito rápida. Os meses de outubro, novembro e mesmo dezembro vêm mostrando uma reação da economia, apesar de todas as restrições e do medo. Quando o governo começou a pagar o auxílio emergencial, fez uma distribuição de renda para os mais necessitados absolutamente extraordinária. Tenho certeza de que uma quantidade imensa de gente nunca havia visto R$ 600 de uma vez na vida. A gente não se dá conta da importância dessa ação - e não apenas do ponto de vista da economia, mas socialmente. Outro ponto: quando eu estava no CMN, lá na década de 80, nunca poderia imaginar que, um dia, nesta encarnação, eu ia ver, no Brasil, uma taxa de juros negativa. Isso é mérito de quem? Do Espírito Santo? Não, é mérito nosso. Temos tido, nos últimos anos, uma condução da política monetária realmente importante, muito séria. O Espírito Santo pode até ajudar, mas não nesta seara.

Publicidade

Você acha que o auxílio emergencial deve ser estendido? Há espaço fiscal para isso? É evidente que temos uma grande limitação das contas públicas, mas acho que o governo está empenhado nisso, tanto o Ministério da Economia quanto o presidente têm dito que a gente não vai romper o teto fiscal, que vamos manter a austeridade fiscal tanto quanto possível. Para você ter ideia, na França, o déficit fiscal deste ano é monumental, quase 9% do PIB. O Brasil enfrenta muitas dificuldades, mas o mundo todo também. Sempre defendi que deveríamos ter algum tipo de auxílio. Mas, para isso, é preciso cortar subsídios, renúncias fiscais, tem de enxugar a máquina. Aí podemos pensar em uma renda mínima para os brasileiros. Algo como estender um pouco mais o Bolsa Família para transformá-lo em algo mais humanitário.

O ano de 2021 vai ser melhor? Vamos sair da crise? Temos todas as condições para sair da crise - com base no que estamos vendo hoje. Passadas as eleições para Câmara e Senado, que acontecem em janeiro, acredito que o governo, via Ministério da Economia, vai colocar as reformas em campo e aprová-las. E também vai aprovar as privatizações que precisam ser feitas. A agenda liberal tem tudo para sair do papel e ser, finalmente, implementada. Acredito muito nisso e que 2021, apesar da pandemia (que ainda vai nos incomodar, pelo menos, durante o primeiro semestre), será um ano muito bom para o Brasil. E para o mundo.

Essa é a sua mensagem de Natal? É, sim! Que tenhamos todos um ano de 2021 em que a pandemia vai desaparecer aos poucos, a economia vai voltar a crescer e as pessoas serão mais felizes.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.