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Cultura, comportamento, noite e gente em São Paulo

'Temos que cuidar de muitas fomes no Brasil', diz o chef Rodrigo Oliveira, que junto a Adriana Salay criou ação contra a fome durante a pandemia

Por Sonia Racy
Atualização:

Adriana Salay e Rodrigo Oliveira. Foto: Felipe Abreu

O casal conta os desdobramentos da ação 'Quebrada Alimentada', que os dois iniciaram no começo da pandemia para alimentar os moradores da Vila Medeiros

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Adriana e Rodrigo são um casal mão na massa. Ela é historiadora formada pela USP, ele é chef proprietário do Mocotó, premiado restaurante de comida sertaneja situado na Vila Medeiros, bairro periférico de São Paulo, fundado por seu pai, José de Almeida, em 1973.

Logo no início da pandemia e com um cenário aterrorizante de fome assolando o País, os dois arregaçaram as mangas e criaram a ação social "Quebrada Alimentada" - na qual alimentam, diariamente, 400 famílias que vivem no entorno do restaurante, com marmitas e cestas básicas.

Mas essa ação é só mais uma entre muitas que a dupla desempenha na área social. "O Mocotó é um agente transformador da região há muito tempo", contou Adriana, ao lado do marido, em entrevista via FaceTime à repórter Sofia Patsch. Confira a seguir.

Como está o projeto "Quebrada Alimentada", quase dois anos depois do começo da pandemia? Rodrigo: Vamos ter que mudar esse formato, 400 famílias é insustentável, não somos uma ONG. O que deu muito certo foi a parceria que fizemos com as UBSs da região - uma das nossas maiores dificuldades era o mapeamento das famílias. Já as UBSs, por sua vez, estão com outras dificuldades, as famílias chegam em vulnerabilidade e não têm o que fazer, porque o encaminhamento pra programas sociais tá um pouco paralisado nesse cenário do governo atual. Adriana: Um caminho é fortalecer essa parceria com as UBSs. Atendemos a perfis diferentes de famílias, as marmitas atendem mais idosos, famílias que não são tão numerosas e que conseguem ir todos os dias pegar a refeição. E população de rua, que não tem como preparar a refeição. Já, o projeto de cestas básicas atende a um perfil de famílias com crianças em casa, que preferem cozinhar seu próprio alimento, não população de rua.

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A ideia é continuar com o projeto, mesmo depois que a pandemia acabar? Adriana: O Rodrigo sempre diz que foi uma ação, não um projeto. Começamos a fazer sem planejamento, sem nada, entendemos que era um momento de crise e começamos a nos mexer. Hoje, digo que foi uma reação, porque existia uma conjuntura muito ruim, como se mantém até hoje. As pesquisas continuam mostrando esse cenário muito ruim da fome no Brasil. Vamos seguir até onde a gente tiver forças. Rodrigo: A Adriana tocou em um ponto importante, que é o de contribuir minimamente pra trazer alguma soberania pra essa comunidade, pra esse entorno. Que muito tem a ver com o projeto anterior ao "Quebrada Alimentada", esse sim um projeto que visava transformar o espaço adjunto ao Mocotó, onde funcionou o Esquina Mocotó, num espaço de encontros pra comunidade, de eventos. Nossa ideia era trazer uma série de discussões e atividades que enriquecessem culturalmente e dessem ferramentas de transformação para as pessoas. Vejo que esse pode ser um caminho para o "Quebrada Alimentada", cuidar de outras fomes, a fome de cultura, a fome de lazer, a fome de perspectiva, de esperança.

Então pretendem voltar com esse projeto dentro do "Quebrada Alimentada"? Rodrigo: Na verdade já voltamos, estamos oferecendo bolsas de estudo. Como comentei, a ideia é alimentar e nutrir a pessoa como um todo. Além das bolsas, estamos oferecendo passes de academia, que estimulam também as pessoas a praticar atividade física. Afinal, mente sã em corpo são. Adriana: Em 2018 medimos o IDH do Mocotó e o IDH da Vila Medeiros e descobrimos que o salário médio do restaurante é o mesmo salário médio de Pinheiros, que é quase o dobro do salário médio da Vila Medeiros. Esse fato tem uma consequência importante no bairro periférico, porque na época, e acredito que se mantenha até hoje, 65% das pessoas que trabalhavam no Mocotó eram residentes da Vila Medeiros, ganhando um salário médio que era o dobro da região.

Enxergam alguma luz no fim do túnel para a questão da fome e desigualdade no Brasil? Rodrigo: Um jornalista americano escreveu certa vez que o Brasil é o país do futuro. E isso pegou. E alguém, um tempo depois, complementou com: o Brasil é o país do futuro e sempre será. Ou seja, é um desperdício gigantesco de oportunidade, de talento, de recurso, enfim, é muita riqueza na mão de muito poucos. Mas, o que me motiva a acreditar que isso vai mudar é saber que o que vivemos hoje é insustentável, não dá, não dá pra continuar assim. Sou do time que sempre vai acreditar e lutar até o fim pra melhorar.

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