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Cultura, comportamento, noite e gente em São Paulo

'Ser mulher é uma vantagem competitiva', diz dona de empresa milionária de alimentação

Por Sonia Racy
Atualização:

Márcia Manfrin. Foto: Divulgação

Hoje, dia da Mulher, a coluna convidou Marcia Mocelin Manfrin para falar sobre sua trajetória, levando em conta que a paranaense - de fala tranquila e espontânea - começou sua empresa cozinhando 13 marmitas por dia. Ela fundou a Apetit em 1989, em Londrina, depois de trocar sua moto por uma Kombi, "para facilitar as entregas". Hoje, seus mais de 2 mil funcionários se espalham por 11 estados brasileiros e são responsáveis por cerca de 140 mil refeições diárias distribuídas em todo o País. Nascida em Apucarana, Marcia tornou-se, no mês passado, a primeira mulher a assumir a presidência da Associação Comercial e Industrial de Londrina - "um orgulho imenso".

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A pandemia vem sendo um desafio para o setor, mas Marcia garante ter conseguido tirar da crise lições importantes - "é preciso estar preparada para qualquer desventura, para a guerra, e temos de inovar sempre". Quanto vale o negócio? Ela disfarça, porque, afinal, o que criou não tem preço. Mas o mercado estima a Dela Foods (holding montada em 2016, reunindo todas empresas do grupo) em cerca de R$ 150 milhões.

O segredo do sucesso? "Amar o que se faz e as pessoas. Somos a alma de qualquer negócio. Nós, seres humanos, somos a principal startup. Além disso, é preciso mudar sempre. A maneira como fazemos as coisas hoje nunca é a mesma como faremos amanhã", explica. A seguir, trechos da conversa com a coluna.

Como fundou a Apetit? Assim que me tornei mãe, aos 20 anos, pedi as contas no banco em que trabalhava para poder ficar em casa. Mas começou a me incomodar o fato de não ser independente financeiramente. Então, decidi fazer marmitex. Prospectei uma construtora próxima de casa, que precisava de 13 refeições ao dia, e ofereci meus serviços. Eles aceitaram na hora. Vi que era uma oportunidade interessante, comecei a visitar possíveis clientes e fui desenhando um escopo de trabalho, como se fosse uma empresa. Encontrei um local para ser a sede, comprei equipamentos e troquei minha motocicleta por uma Kombi, para poder fazer as entregas. Era 1989, e a empresa nasceu assim.

De 13 para 140 mil refeições por dia. Como é a distribuição? Afinal, vocês trabalham com perecíveis. Hoje, estamos presentes em 11 estados brasileiros e, ao longo desses 32 anos, fizemos muitas mudanças na empresa. Construímos um centro de distribuição, que encaminha cerca de 70 toneladas de alimento por dia para esses estados, e temos logística própria. Além da Apetit, nos últimos seis anos fizemos um trabalho muito forte na nossa cadeia produtiva, incluindo a construção de um frigorífico. Contamos agora com três selos do Serviço de Inspeção Federal (SIF), o que significa que temos total segurança da qualidade e da procedência do produto.

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Na pandemia, como ficou a demanda pelos serviços da Apetit? No início tivemos uma queda da ordem de 35% do nosso faturamento. Tivemos de olhar para dentro e nos preparamos, porque sabíamos que a crise iria afetar o caixa. Enxugamos custos e otimizamos processos. No final de agosto, começo de setembro, retomamos o faturamento pré-pandemia. O mais importante é que as equipes assimilaram muito bem a reestruturação. Não foi fácil, nem está sendo fácil. A necessidade de atenção frente à estabilidade econômica é gigantesca; as empresas e as indústrias estão passando por um momento muito delicado.

Tiveram de demitir ou reduzir salários? Tivemos cortes, sim, no começo da pandemia, porque precisávamos ser preventivos. Ninguém sabia o que ia acontecer, você vivia dia após dia. Foi como ir para a guerra. Então, enxugamos quadros e reorganizamos processos para fortalecer o caixa.

Como você desenha o futuro daqui para a frente? Acredito que continuaremos tendo demandas de trabalho. O mundo não vai parar, mas vai se transformar. Nós, por exemplo, nos últimos seis anos, implantamos seis indústrias. Hoje, o Grupo Dela Foods não é só a Apetit. Temos o frigorífico; uma indústria de processamento de vegetais completamente automatizada, uma indústria de massas frescas; outra de granulados; uma indústria de geleias e conservas, que é nossa experiência de varejo; e, para fechar, em ano de pandemia, consolidamos tudo o que criamos na Easy, que é nossa indústria de pratos prontos congelados.

Acha que as pessoas têm preconceito com comida congelada? É um novo modelo que vem sendo descoberto, principalmente pelo modo de vida da sociedade vem estruturando. As pessoas, cada vez mais, moram sozinhas, não têm tanto tempo para cuidar do preparo de um prato. Ao mesmo tempo, cada vez mais estamos buscando saúde, qualidade de vida, equilíbrio naquilo que comemos. Estamos prontos para contribuir no aspecto nutricional e também no de qualidade de vida das pessoas.

Como é trabalhar em um setor tão masculino? É um setor muito forte da economia, talvez um dos que mais gere emprego; um setor diversificado, pesado de gerir, com margens muito baixas, ou seja, seu nível de engajamento tem de ser acima da média. Só que descobri, em tudo isso, uma grande paixão, e fui trabalhando e alcançando meu espaço, nunca me lembrando que sou mulher.

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Mas tinha sempre alguém que te lembrava disso, não? Alguém sempre me lembrava. Eu era sempre "a" mulher do setor. E continuo sendo tratada assim. Mas, ao longo dos anos, descobri que ser mulher é uma vantagem competitiva. Aprendi a explorar esse lado, a minha delicadeza, a intuição frente a todo esse projeto. Hoje, posso dizer que ser mulher nesse segmento é um grande diferencial competitivo. E, acima de tudo, sou uma inspiração para outras mulheres que querem se tornar empreendedoras.

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Tem diferença na maneira como homens e mulheres lideram? Acho que o homem tem uma visão de longo alcance, olha lá na frente e vai fazendo o que tem de ser feito sem tanta atenção aos detalhes. Já as mulheres têm um olhar mais periférico. Quando você é liderada por uma mulher, tem de ter uma atenção maior aos detalhes, em termos de perfeccionismo, de cuidado, de apresentação. São itens para os quais os homens não ligam tanto. Creio que são essas características que nos diferenciam. Mas não em competência. Competência é algo individual.

Como a Apetit vem lidando com a necessidade de integrar minorias, como a LGBTQIA+, um tema tão presente nos últimos anos? A Apetit é categoria ouro em diversidade, com selo APS da ONU. Fui dar uma palestra, outro dia, e me perguntaram o que nós fazíamos de diferente. Respondi: "Nada". A explicação é que aceitamos as pessoas por aquilo que elas são, pela excelência, pelo brilho, pela competência, não pela orientação sexual nem pela cor ou gênero. Temos na empresa gente de todo jeito, e isso é uma delícia.

Neste mundo novo, nesta pandemia, acha que há um espaço e uma vontade maior do empresariado em contribuir não só socialmente, mas de alguma maneira, influenciar politicamente? Acho que nunca vivemos um momento em que a participação política do empresariado foi tão necessária. Precisamos fazer a transformação e levar o modelo de gestão privada para o setor público, para que possamos ter um governo mais enxuto e uma economia mais aberta, mais produtiva e engajada.

O empresariado deveria participar como pessoa física, aceitando cargos públicos - como muitos fizeram agora, acompanhando o ministro Paulo Guedes -, ou deveria atuar por meio de entidades? Eu optei por atuar no associativismo, via entidades empresariais. Mas vai muito de cada pessoa, do tipo de legado que quer deixar. Independentemente, é importante que haja engajamento - ou no associativismo ou no conselho de organizações ou com cargos públicos. Para mim, todo empresário tem de escrever um livro e participar de conselhos de gestão. Precisamos compartilhar nossa experiência.

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Você se candidataria a um cargo público? Tenho como meta fazer a gestão da minha carreira no associativismo. O futuro a Deus pertence; nunca podemos dizer nunca. Mas não tenho isso como sonho. Minhas ações a serviço do associativismo podem fazer uma grande diferença. Isso é o que tenho para hoje.

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