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Cultura, comportamento, noite e gente em São Paulo

'Precisamos da reforma administrativa antes da tributária', diz Carlos Jereissati Filho, do Iguatemi

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Por Redação
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CARLOS JEREISSATI FILHO. Foto: TIAGO QUEIROZ/ESTADÃO

O Brasil espera, há mais de 30 anos, por uma reforma tributária equilibrada - o que nunca se concretizou. Agora, o governo Bolsonaro corre atrás da votação ainda este ano de projeto de lei montado pelo Executivo. Carlos Jereissati Filho, presidente do Grupo Iguatemi, defende a aprovação da reforma administrativa antes da reforma tributária. "O governo precisa definir suas despesas antes de contabilizar seus gastos", diz o empresário, frisando que o seu setor foi um dos mais atingidos pela pandemia. "Querer jogar mais carga tributária justo nos setores mais atingidos é uma maluquice", destaca, emendando: "Fazer a reforma tributária nesse momento, sem a administrativa, é uma completa alienação, um erro".

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Por outro lado, a recuperação dos 17 shoppings do grupo surpreendeu positivamente: a média de vendas no último mês registra 80% na comparação com o faturamento pré-pandemia. Aqui vão os melhores trechos da conversa.

Como está sendo a abertura dos shoppings? Tivemos fase de 4 horas, de 6 horas e de 8 horas. Retornamos ao trabalho com 40% do montante de vendas anterior à pandemia. Quando passamos para 6 horas, fomos para 60% e hoje estamos com mais de 80% do volume de venda de antes da covid-19.

Nossa, não tem do que reclamar, né? As pessoas já estão circulando mais, circulando seguros, mas circulando mais. Abrimos para almoço e o jantar. A expectativa é que São Paulo vá pra fase verde e que você possa ampliar um pouco mais o horário. Vários estados e outras cidades já estão com horários maiores, como o caso do Rio. A vantagem é que as pessoas não estão viajando para fora. Portanto, temos muitas marcas, principalmente as estrangeiras, apresentando crescimento real, de 120%. Essas marcas internacionais mantiveram o preço do dólar ou euro e o cliente pode pagar em dez vezes.

 O governo Bolsonaro deu o apoio necessário durante a pandemia? Tomou decisões acertadas? Todos os governos, federal, estadual e municipal foram lentos para ajudar os negócios. Foram mais rápidos para ajudar as pessoas, mas demoraram no auxílio aos setores mais afetados. O Brasil e o mundo não estavam preparados. E poucos tiveram capacidade de resposta. Apanhamos um bocado, mais que outros países.

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Vocês usaram alguma linha de financiamento do governo? Utilizamos, como todo mundo, o ajuste em questões de jornada de trabalho. Mas financiamento, principalmente para o varejo brasileiro, foi uma catástrofe. Quem financiou o varejo brasileiro fomos nós, foram outros setores vinculados ao varejo, não foi o governo. O governo entrou bem atrasado, foram quase três, quatro meses depois. Agora, tem um mês e pouco que lançaram linhas. Mas demorou demais.

Como foi que vocês ajudaram o varejo? Nós isentamos alugueis, por exemplo. Com isso, demos o maior aporte de capital de giro. Foi algo jamais visto. Estou falando de toda a indústria de shoppings que, ao isentar o aluguel 100%, e reduzir os condomínios, deu a injeção para o varejo ficar de pé. Demos fôlego para quem estava se afogando. A ajuda do governo foi genérica. E agora, vejo com preocupação, a reforma tributária no Brasil.

A reforma tributária ajuda? Dá até para discutir, mas nesse momento, em que os negócios foram afetados, você querer jogar mais carga tributária, justo nesses setores, é uma maluquice. A reforma tributária nada mais é do que um rearranjo de carga e de setores e os mais afetados estão com ameaça de ter suas taxas ampliadas. Fazer a reforma tributária nesse momento, ampliando a carga de setores que foram mais afetados, é uma completa alienação, um erro.

O governo não pode ajudar esses setores se a reforma passar? Não. Porque o governo não tem dinheiro. A conta é exatamente essa, não existe uma redução tributária e a reforma não será neutra. O governo precisa fazer a administrativa antes. É um erro grande querer mexer em receitas antes de mexer em despesas. E o problema do governo brasileiro é despesa.

A população tem consciência disso? No meu modo de entender, a maior batalha que está se travando hoje no Brasil é a disputa entre a sociedade civil e os governos. A sociedade não aguenta mais a quantidade de recursos colhidos por meio de pagamento de impostos que não voltam, ficam empossados em salários.

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A reforma administrativa deveria ser a prioridade? Ela primeiro. O governo tem que fazer o ajuste da sua casa, dizer qual é a sua despesa, para ver que receita precisa. Essa é a lógica.

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Qual a real chance disso acontecer? Olha, não dá mais para esconder, para jogar informação debaixo do tapete. As pessoas conhecem a realidade. Mexer nisso é fundamental para o Brasil voltar a crescer. Temos que fazer a reforma administrativa e na sequência, fazer a tributária já com a indicação da necessidade real de receita para o Estado fechar suas contas. Não existe mais privacidade, não dá pra você fingir que é uma coisa e ser outra. Porque hoje em dia, com todos esses meios de comunicação, você tem que ser uma pessoa só, ser verdadeiro e claro, porque as pessoas sabem das coisas.

 De que maneira empresários como você estão acompanhando isso? A sociedade organizada, por meio de associações, está bastante atuante, as pessoas estão bastante interessadas. O Brasil sabe bem quais são os seus problemas, sabe bem quais são as soluções. Mas leva muito tempo. Outros países avançam com maior velocidade e acabamos ficando para trás, porque somos incapazes de tomar as decisões corretas no tempo certo. Foi assim com a inflação, por exemplo. Discutimos por 20 anos o problema e não se tomava uma decisão. Até que o Fernando Henrique resolveu. O Brasil sabia da necessidade da reforma da previdência e levou 20 anos discutindo. E quantos anos a mais pra fazer a reforma administrativa para poder voltar a crescer. O Brasil sabe que a arrecadação, só para pagar salário, não funciona mais. Isso é verdade nos municípios, nos estados, na União. Tem que reformar isso e voltar a prestar serviço de qualidade. Ter capacidade de investimento para voltar a crescer.

Por que essa morosidade histórica no Brasil? Falta de cidadania, de consciência do poder que o eleitor tem? Baixa escolaridade da população. Políticos sabem que a população não entende os problemas com clareza e se utilizam disso há anos para adiar decisões. O Brasil só toma uma decisão quando está prestes a quebrar. De verdade, quem realmente se preocupa com o País, defende a melhoria da educação, porque é ela que permite compreensão dos problemas reais e ajuda a pressionar decisões rumo ao que é certo. Esse é o grande debate verdadeiro, as pessoas que se preocupam com educação querem a liberdade de quem vota. Querem melhorar a capacidade de tomada de decisões, pressionando na direção correta.

Ouço, há anos, que este deveria ser o caminho. O que impede? Justiça seja feita, a educação foi sim universalizada, mas ainda não é verdadeiramente de boa qualidade. O desafio é ter uma educação efetiva. Porque não adianta nada você comemorar que o cara tem sala de aula, tem escola, professor, merenda, se em classe ele acabar não aprendendo nada.

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Seis meses de quase paralisia é bem impactante. Como foi o processo de reprogramação financeira do grupo? Não ficamos seis meses parados. Ficamos sim 70 dias fechados. Hoje as pessoas estão mais decididas. Entram e sabem o que vão comprar. Ou vão para almoçar. Todos de máscaras, evitando o que acontece na rua. Também operamos o tempo todo com vendas online, concentradas no site 365, um sucesso.

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