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Cultura, comportamento, noite e gente em São Paulo

"Porto de Beirute está sob o controle do Hezbollah", afirma Carlos Eddé

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Por Redação
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CARLOS EDDÉ - FOTO: EDUARDO NICOLAU/AE  

Carlos Eddé foi eleito presidente do Bloco Nacional Libanês, partido de longa tradição, após o falecimento de seu tio, Raymond, na França, em 2000. Consultado durante entrevista para a coluna, afirma ter sido eleito 'à revelia'. "Diziam que precisavam de uma geração de políticos que não viesse dos senhores da guerra". Deixou o Brasil, depois de ter morado por mais de quinze anos em São Paulo, voltando para continuar com a tradição da família Eddé: a política. Seu avô, Émile Eddé, ocupou o cargo de primeiro ministro e foi eleito presidente do Líbano.

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Brasileiro e libanês, é economista, formado nos EUA. Fez parte da liderança do movimento da Revolução do Cedro que forçou a retirada do exército sírio do Líbano em 2005. Pouco tempo depois, deixou a coalizão e foi um dos opositores mais ativos contra o Hezbollah e seus aliados.

Crítico ativo da política econômica e da corrupção que sangra o país do Cedro, Carlos alertou, por escrito, durante o ano de 2001, que, se medidas drásticas não fossem tomadas, mais cedo ou mais tarde o sistema financeiro entraria em colapso. Denunciou o mecanismo eleitoral, baseado em um sistema de listas que perpetuaria as mesmas lideranças que dominam o Líbano desde a guerra civil. Por que não voltar para política agora, quando precisam de gente confiável? "Se eu voltasse, seria visto como mais um herdeiro de família política, enquanto tem jovens dedicados e competentes para levar o país adiante". Aqui vão trechos da conversa:

Uma semana depois da explosão que devastou Beirute, sabe-se algo sobre as causas? Não podemos ainda dizer com certeza. Havia no porto 2.750 toneladas de nitrato de amônio, depositadas desde 2013, em condições precárias. Esse produto é um composto que pode ser usado tanto como fertilizante, como para fabricação de explosivos. Seu armazenamento deve seguir regras muito rígidas. Ao longo dos últimos sete anos, em várias ocasiões, responsáveis pelo porto alertaram o governo sobre o perigo, mas nada foi feito.

Quais as perguntas ainda sem respostas? Sim. A primeira é: por que não foram tomadas medidas necessárias apesar da questão ter sido levantada no Conselho de Ministros? A segunda, quem bloqueou a remoção desse produto? Afinal, o nitrato acabou monopolizando, por anos, uma grande área de armazenamento do porto que certamente poderia ter sido usada para outros fins. Terceira: o que provocou a detonação? Foi acidente? Foi atentado? Foi consequência de uma outra explosão? Essas perguntas só poderão ser respondidas após um inquérito feito por especialistas independentes. Quarta: por que o governo recusa a entrada de especialistas estrangeiros?

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Mas por que essa exigência de ter especialistas independentes e estrangeiros? Quinze anos após o atentado a bomba contra o ex-primeiro ministro Hariri, os sucessivos governos libaneses não foram capazes de determinar a autoria do assassinato. Está muito claro que aquele crime foi encoberto. O que é muito suspeito em um país altamente policiado. A aliança política que dirige o Líbano é controlada pelo Hezbollah, e por tabela, pelo Irã. Além do mais, tanto o porto bem como o aeroporto hoje estão sob o controle direto de Hezbollah para poderem importar armas, dinheiro em espécie e mercadorias comuns que não passam pela alfândega libanesa.

Qual a real situação do Líbano hoje? A explosão do porto provocou, em poucos segundos, maior destruição do que a que aconteceu ao longo de quinze anos de guerra civil com todos os bombardeios e combates. Levou-se quase 20 anos para reconstruir a cidade, por meio de muitos esforços e investimentos. Não sei como a cidade poderá ser reconstruída. Especialmente após a crise financeira que começou em outubro de 2019, resultando no congelamento de todos os ativos financeiros do país. Posso comparar isso a algo como um Plano Collor, com a diferença de que os bancos e o Líbano estão tecnicamente falidos. E como a desgraça nunca vem sozinha, isso está acontecendo durante a pandemia da covid-19, quando todos os países do mundo entraram em recessão.

Houve, no domingo dia 9, poucos dias depois da explosão, uma reunião de países do mundo para organizar ajuda ao Líbano. Essa ajuda deve aliviar os problemas? Sem dúvida. Porém durante a crise financeira, a comunidade internacional se recusou ajudar o Líbano sem o comprometimento do país com um programa de reformas estruturais sérias. A corrupção e a falta de credibilidade dos políticos e partidos dificulta este tipo de ação. No passado, a maior parte das ajudas foram desviadas por políticos corruptos. Existem muitas ONGs que são veículos de desvio de ajuda para partidos ou para políticos. Eu, pessoalmente, estou ajudando duas organizações nas quais tenho absoluta confiança: a Cruz Vermelha Libanesa e a associação Arcenciel. Considero também que contribuições para a reconstrução do hospital Saint Georges são muito importantes.

Por que você destaca essas organizações? A primeira é mundialmente conhecida e é composta por voluntários que, em momentos de crise ou de acidentes, são os primeiros a chegarem para prestar os primeiros socorros e transportar os feridos para os hospitais. Muitos desses voluntários, dedicados e corajosos, morrem tentando ajudar o próximo. Já a Arcenciel é uma organização que participa do desenvolvimento sustentável da sociedade, apoiando comunidades vulneráveis e promovendo a integração de pessoas marginalizadas sem distinção. Iniciou seus trabalhos em 1985, produzindo aparelhos para ajudar feridos de guerra e pessoas com dificuldades de locomoção, empregando apenas deficientes. Hoje essa associação atua em vários ramos como apoio à agricultura, meio ambiente, mobilidade para deficientes, saúde, ajuda social, turismo ecológico e empoderamento da juventude. A Arcenciel continua a empregar preferencialmente deficientes físicos e mentais, drogados, ex-presidiários e vítimas de abuso. A ONG recebeu vários prêmios internacionais e o seu modelo foi copiado por 16 países. É hoje caso de estudos na França.

Você participou, por mais de dez anos, da política libanesa. Sua família e seu partido são respeitados. Por que saiu? Nunca foi minha intenção fazer política. Me envolvi para preencher vácuo deixado pelo meu tio Raymond, conhecido como a 'consciência do Líbano'. Minha intenção era de consolidar o legado político e transferir a responsabilidade para aqueles que dividem a mesma visão para termos um regime secular e tolerante dentro de um estado de direito. Finalmente consegui uma equipe boa para assumir essas responsabilidades. Durante esses últimos 18 meses, eles têm sido muito ativos. Estão no centro do movimento de reforma exigida pela população libanesa.

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Mas por quê não voltou? Ajudo nos bastidores e estou presente quando precisam de mim. Temos que acabar com o nepotismo e clientelismo que dominaram a política libanesa por 100 anos. Se eu voltasse, seria visto como mais um herdeiro de uma família política, enquanto tem jovens dedicados e competentes para levar o país adiante. Estamos vivendo num mundo que tem que ser regido pelas novas gerações.

Em que os descendentes de libaneses no Brasil podem ajudar? O Brasil já despachou avião cheio de remédios, instrumentos, mas há uma quantidade de outras doações esperando. O Brasil foi o primeiro país a mandar ajuda médica para o Líbano. Tanto o governo como entidades líbano-brasileiras se mobilizaram rapidamente para aliviar o sofrimento dos sobreviventes da explosão. Para as pessoas que quiserem ajudar diretamente ou de forma independente, sugiro que procurem as duas ONGs e o hospital que citei.

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