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Cultura, comportamento, noite e gente em São Paulo

"O QUE ME TIRA DO SÉRIO? DESIGUALDADE E COVARDIA"

Por Sonia Racy
Atualização:

 

Anderson Silva fala sobre ídolos, a vontade de ser ator de cinema, aposentadoria e sua imagem fora do octógono

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O maior nome do MMA na atualidade é um sujeito calmo, tem voz serena (que lhe rende algumas piadas, mas ele jura que leva todas na esportiva), usa óculos no dia a dia e odeia - mas odeia mesmo - qualquer tipo de violência. Fora do octógono, é claro.

Dentro do ringue, Anderson Silva é Spider, o Aranha, um mito. Aos 37 anos, este paulistano de infância pobre sabe muito bem o quanto lhe custou ser o que é. Mas quer mais: sonha ser exemplo para crianças e jovens do Brasil.

Silva cresceu em Curitiba, criado pelos tios, em uma família de policiais militares. Vem daí, ele mesmo diz, um pouco de seu amor pela ordem e o cumprimento de regras. E muito de sua indignação com "as coisas erradas que a gente vê por aí".

Depois de se aposentar? "Quero ser ator de filmes de ação". Com cinco filhos no cartel, além de nocautes arrasadores, só mesmo o cinema para dar vazão a um personagem cuja história tem todos os ingredientes de um blockbuster.

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O Spider conversou com a coluna no hotel Emiliano, em SP, pouco antes de lançar a segunda edição de sua autobiografia (atualizada com o massacre imposto a Chael Sonnen, seu rival mais falastrão).

A seguir, os melhores momentos do bate-papo com o homem que é, nas palavras de seu ídolo, Bruce Lee, tão adaptável "como água".

Você tem um estilo favorito?

Olha, eu costumo dedicar a todos os tipos de luta o mesmo amor, a mesma dedicação. Treino boxe, jiu-jitsu, capoeira (que foi a modalidade em que eu comecei), tae-kwondo e muay thai (que é meu carro-chefe). Também gosto de judô, porque me dá paz e ajuda a me defender caso eu sofra alguma queda no octógono. Respeito todas as modalidades, inclusive as que eu não treino.

E como é o seu treinamento? Muito intenso?

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Em época de competição, o treino começa às 9h e vai até as 10h30. Aí tem outro, do meio-dia às 14h. E mais um às 18h. Depois, fisioterapia. Isso no começo, porque são quatro meses de preparação para um combate. Quando a competição se aproxima, muda um pouco. Com treinos específicos, treinos com sparring, academia, condicionamento físico.

E a alimentação?

Em época de competição, a dieta é um pouco mais rígida - porque eu preciso baixar de peso. Geralmente, corto sal, corto açúcar, evito muito carboidrato. É um trabalho de equipe. O Miguel Vieira, meu nutricionista, vem fazendo um trabalho fantástico comigo, junto com a dra. Ângela Côrtes, minha fisioterapeuta, o dr. Rogério Camões, meu preparador físico, e o dr. Márcio Tannure, meu fisiologista. Tudo para que eu possa bater nos 84 quilos sem problema nenhum, sem perder massa, sem fadiga, sem lesões.

Você está com 37 anos...

Mas com corpinho de 20.

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Existe uma idade em que o lutador começa a mudar suas características no octógono?

Ah, claro. Porque existe um negócio chamado responsabilidade. A partir do momento em que você passa a ter o que perder, também começa a ponderar mais. Quando eu comecei, tentava coisas incríveis nas lutas, na base do "se der certo, ótimo; se não der..." Isso fica mais difícil com a idade. Quando era mais garoto, cheguei a tirar golpes de programas de TV e cenas de cinema e levar para as minhas lutas. Arrisquei golpes de videogame, de Bruce Lee, de Sawamu.

E eles deram certo?

Graças a Deus, a maioria deu certo, sim. Hoje não faço mais isso. Claro que existe o talento, mas o mais importante é ponderar, ter responsabilidade. Com a idade, você vai percebendo que há algumas coisas que você não pode mais arriscar.

Você tinha noção de que o MMA se tornaria essa loucura de público e mídia?

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Não, não tinha mesmo. O que eu sabia, sempre acreditei, é que me tornaria tão bom quanto os meus mestres, os professores que me treinavam. Mas, quando eu comecei, não existia o MMA, ainda era o vale-tudo, né? Eu via o Vitor Belfort lutando no UFC, que é criação do Rorion Gracie, via também Royce Gracie, Pedro Rizzo, Marco Ruas, André Pederneiras... e nunca me imaginava lutando MMA. O que aconteceu? A evolução do esporte foi me levando. De repente, eu estava completamente envolvido. E sabe de uma coisa? Costumo brincar que sou melhor professor do que lutador - até porque passei a vida inteira sendo preparado para ser professor de artes marciais. Realmente não tinha nenhuma noção do que iria acontecer na minha vida.

Pode-se dizer que você era o cara certo na hora certa?

Sem dúvida. Acho que Deus me deu o talento e a oportunidade, além de ter colocado no meu caminho as pessoas certas também, para que eu pudesse chegar onde cheguei.

Acredita em Deus? Como é a sua vida religiosa?

Acredito, acho que a gente tem de ter fé. Deus é um ser maior, que nos provê as coisas boas, nos dá a oportunidade de estar aqui. Pra mim, é importante acreditar, sim. Digo, crer independentemente de religião, porque Deus está nas atitudes.

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E a vida familiar? Afinal, cinco filhos não é fácil, né?

(risos) É uma loucura, supercorrido! Minha família se mudou para Los Angeles, minha mulher (Dayane) e meus dois filhos desse casamento (o Kalyl, de 13 anos, e a Kaory, de 16). Já o Gabriel (14), o João (10) e a Kauana (12) moram no Brasil. Deixa só eu explicar isso: eles são fruto de três relacionamentos que não deram certo durante os anos em que eu estive separado da minha mulher. Então, é muito louco, mas também é bastante frustrante, porque eu preciso ir pra lá, voltar pra cá, me desdobrar. Quando estava todo mundo aqui era mais fácil. Mas tudo tem um motivo para acontecer...

Por que o apelido de Spider?

Sempre fui fã do Homem-Aranha, um herói mais humano, que sofre, tem de ralar. Mas o que aconteceu mesmo é que, antes de uma luta, no começo da carreira, eu estava usando uma camisa com o desenho do personagem. Quando me anunciaram, disseram "Anderson Silva, o Aranha do Brasil". Aí pegou.

Quem, até hoje, foi o seu adversário mais difícil?

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Todo adversário que eu enfrentei na vida estava bem treinado. Mas minha luta mais difícil foi a primeira no MMA, porque era tudo novo, havia aquela aura, né? Outra luta que me marcou muito foi a que me deu o primeiro título mundial, em 2001, contra o Hayato Sakurai, lá no Japão. Ele vinha vencendo todo mundo por nocaute, oito brasileiros na sequência. Eu era a zebra e era novo, não tinha experiência. O cara era superfamoso, tinha uma legião de fãs, havia participado de novela. O que me ajudou foi uma luta que eu fiz pouco antes, também no Japão, contra o Tetsuji Kato. Até então, eu não me via disputando título. Antes da luta com o Sakurai, quando subiu a bandeira japonesa e depois a brasileira, eu pensei: "Caramba, isso aqui é sério!" (risos). Ainda não havia caído a ficha.

Há uma história emblemática antes dessa luta...

Pois é. Quando eu cheguei ao ginásio, fui informado de que havia um lugar pelo qual só os campeões podiam passar, um local sagrado. Um rapaz da organização me disse: "Olha, você não pode deixar as suas coisas aqui".

Mas que provocação!

Ah, o jogo psicológico faz parte. Mas meu treinador foi rápido também. Respondeu: "Não, Anderson, pode deixar as coisas, sim, porque é por aqui que você vai voltar!" E foi incrível, porque... enfim, a gente voltou mesmo por ali.

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No primeiro combate contra o Yushin Okami, você foi desclassificado por aplicar um golpe ilegal. A vitória sobre ele, ano passado, teve um gosto especial?

Isso é muito difícil de dizer... Só quem luta sabe como as coisas são dentro do octógono. Na primeira disputa, acho que fui vítima da inexperiência. E também houve uma falha por parte da organização do evento (Rumble on the Rock, no Havaí), que não fez uma reunião para explicar as regras, diferentes das que eu estava acostumado. Isso me atrapalhou um pouco. Fui punido pelo meu erro e achei corretíssimo. Já na segunda luta, creio que fiz um bom trabalho.

Como é se transformar em galã de TV? Vai pintar novela?

Não, não... Galã? Não. Estou treinando. Acho que tudo é questão de se preparar. Um dos meus goals na vida é ser ator, fazer filmes de ação, estilo Missão: Impossível. Vou começar a ter aulas agora, inclusive. Mas, galã... acho meio complicado (risos). Estou bem representado pela 9ine, a gente tem feito um trabalho bacana, mas não chega a tanto. O objetivo é construir a minha imagem fora do octógono, o Anderson exemplo para as crianças, para os jovens. Essa é a missão mais importante. Não apenas colocar um lutador nas capas de revista.

E que projetos sociais você vem tocando atualmente?

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No Corinthians, que é o meu time do coração e que me apoia, a gente está fazendo um trabalho com as crianças carentes que moram na região em que fica o clube. É na academia que leva meu nome, aberta no ano passado lá na sede, em Itaquera. Já no Rio de Janeiro, os irmãos Nogueira (Rodrigo Minotauro e Rogério Minotouro), meus mestres, lideram um projeto bacana do qual eu também participo. Infelizmente, por causa dos meus compromissos, não estou tão presente. Mas, quando eu parar de lutar, quero acompanhar mais de perto.

E qual o momento para parar de lutar? Está próximo?

Acho que dá para ficar mais uns 6 anos lutando. Gosto muito do que faço, a equipe que trabalha comigo faz um trabalho fantástico, nunca tive uma lesão grave que me afastasse das competições. Então, acho que tenho mais esse tempinho.

Quais os seus ídolos?

O maior deles é o Bruce Lee. Sou aficionado. Gosto principalmente da filosofia dele. Mas também sou fã do Muhammad Ali e do Roy Jones Jr. São caras para os quais eu tiro meu chapéu, tiro minha faixa preta. Fora do ringue, eu diria Michael Jordan, Pelé e o Ronaldo. As pessoas acham que eu falo isso por causa do meu contrato com a 9ine, mas não é, não. Já era fã do Ronaldo muito antes.

Gostaria de ter enfrentado o Bruce Lee?

Não... gostaria de tê-lo conhecido e ter tido aulas com ele. Mas não arriscaria uma luta com Bruce Lee, não.

Você tem uma voz serena, faz o estilo zen. O que te tira do sério?

Cara, é difícil me tirar do sério. Nem o namorado da minha filha consegue isso!(risos) E olha que já tirou sarro da minha voz. Ele é muito folgado, mas é um garoto fantástico. O que me tira do sério? A desigualdade, a covardia - e não estou falando do octógono, não. Acho que todos nós brasileiros ficamos indignados com tanta gente precisando de ajuda, de educação, de saúde. Fora a violência, né? Não há nada que justifique a violência que se vê por aí. Eu tenho cinco filhos e fico preocupado. Caramba, todo dia eu acordo e tento ser melhor do que no dia anterior, tento ser exemplo para eles. Aí a gente liga a televisão e só vê coisa errada, politicamente falando. As coisas estão mudando, sim, mas ainda falta muito. Isso me deixa triste, isso me tira do sério. /DANIEL JAPIASSU

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