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'O maior rival do presidente é o governo dele', analisa Murillo de Aragão

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Por Paula Bonelli
Atualização:

Murillo de Aragão. Foto: José Benigno

Jair Bolsonaro não saiu enfraquecido do último pleito com a derrota dos candidatos que apoiou - discretamente - como Celso Russomanno, em São Paulo, e Marcelo Crivella, no Rio. A opinião é de Murillo de Aragão, mestre em Ciência Política e doutor em Sociologia pela Universidade de Brasília. Leciona ainda na Columbia University como professor adjunto, em Nova York. "Nesta eleição muita gente correu pra dizer que o Bolsonaro perdeu. Acho que houve exagero em relação a isso", diz o cientista político.

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No seu ver, há outro termômetro político para se fazer este tipo de avaliação: partidos do "centrão bolsonarista", como Republicanos, PP e PSD, tiveram bom desempenho na conquista de prefeituras. "Hoje, o maior rival do presidente é o próprio governo dele. Se Bolsonaro organizar direitinho, é o grande favorito para ganhar a eleição", acredita. Afirma que o presidente é bem avaliado pela população. "Ele tem quase 70% de aprovação entre ótimo, bom e regular. Ninguém leva pau na faculdade por tirar regular. É importante reconhecer que o presidente atravessou esse ano e manteve um nível elevado de popularidade."

As candidaturas alternativas a de Bolsonaro, com chances de vitória, ainda são incertas, de acordo com o consultor político que enxerga João Doria com potencial, depois da vitória de Bruno Covas, e Guilherme Boulos se consagrando como liderança da esquerda. A seguir, os principais trechos da entrevista de Aragão concedida à repórter Paula Bonelli.

Nesta eleição, quem saiu fortalecido e quem perdeu? Tiveram claramente alguns vencedores. O Doria é um porque fez o Bruno Covas que se elegeu. O PSDB conquistou 179 prefeituras em São Paulo. Já o Republicanos teve um aumento extraordinário de prefeitos eleitos, mas perdeu na capital paulista e no Rio de Janeiro. O PP e PSD, do centrão bolsonarista, também venceram várias prefeituras. Outro que ganhou duplamente foi o Boulos.

Ele venceu? Boulos sai de um papel periférico para o estrelato. E perdeu a eleição o que é bom para ele, se ganhasse era uma roubada. Teria que lidar com essa caminhada que está fazendo da esquerda radical para esquerda racional e administrar invasão de prédio. Isso ia destruir toda a narrativa de ser um prefeito confiável ou teria que renegar o seu passado muito cedo. O Rodrigo Maia é outro que venceu porque se engajou na campanha do Eduardo Paes, no Rio; fez um gesto muito emblemático de visitar o Ciro Gomes em Fortaleza e Doria em São Paulo. Sai fortalecido principalmente tendo em vista sua campanha ou do seu candidato à sucessão da Câmara. Agora, vou falar do Bolsonaro. Dentro desse negócio que eu chamo de "bolsocentrismo" no Brasil, que fica todo mundo olhando para ele. Nesta eleição muita gente correu pra dizer que o Bolsonaro perdeu. Acho que há um exagero em relação a isso. Ele apoiou quase que discretamente o Russomanno e o Marcelo Crivella que perderam. Agora, perderam por causa do Bolsonaro?

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O índice de abstenção nesta eleição foi de 29,5%. A abstenção tem várias razões. A pandemia afetou a presença dos eleitores isso é inquestionável. Além disso, a eleição municipal traz uma agenda que é meio de síndico de prédio. Não foi polarizada como vimos em 2018. E o outro ponto central é que sem a Lava Jato marcando presença forte na mídia, acusando o centro político, desinflamou a polarização que existia. Também houve um certo continuísmo em muitas capitais importantes.

Como avalia os cotados para concorrer à Presidência da República em 2022? Tem o Lula que juridicamente não pode ser candidato. Consideram que o Fernando Haddad saiu queimado da eleição porque de certa forma se omitiu não sendo candidato. O Ciro Gomes em Fortaleza foi feliz, seu candidato ganhou, o PDT cresceu. Então, são quatro nomes na esquerda: Lula, Haddad, Ciro e Boulos. No centro há dois nomes: Luciano Huck e Doria. O Sergio Moro desagrada os partidos PSDB, PT, o MDB, o DEM por causa da Lava Jato e os bolsonaristas devido a sua passagem pelo governo. O ACM Neto talvez seja um nome para concorrer pela experiência e o recall por causa do avô. Ele sai de Salvador, que é uma prefeitura grande, com uma aprovação incrível. E é do DEM, não tem mandato, pode passar dois anos aí visitando o Brasil.

Acha que Luciano Huck é um bom nome? As celebridades às vezes não viram votos. O Luciano Huck tem que sustentar politicamente a popularidade dele. Doria, como disse o Fernando Henrique Cardoso, precisa nacionalizar a sua campanha. A do Fernando Henrique foi nacionalizada pelo Plano Real. Ninguém o conhecia. Ele autografava nota de um real a pedido das pessoas nas ruas.

O que vai pesar na decisão dos partidos para definir candidatos? Essas candidaturas também dependem de como o Bolsonaro vai desempenhar. Vamos imaginar que consiga fazer o PIB crescer 2,5% ao ano e não se meta em nenhuma confusão nova - as confusões que ele tem são as que já estão aí sendo digeridas pelo noticiário - ele pode aglutinar forças em torno da sua reeleição. Hoje, tem quase 70% de aprovação entre ótimo, bom e regular. Ninguém leva pau na faculdade por tirar regular. É importante reconhecer que o presidente atravessou esse ano e manteve um nível elevado de popularidade. Então, se o Bolsonaro vai mal, aí aparece um monte de candidato, se vai muito bem, esse centrão aí, que na verdade são vários partidos que se aglutinam, pensará duas vezes antes de sair contra ele. Será que vale a pena eu ir lá pra ser rabo de tubarão na chapa do Doria, se eu posso ter um lugar vip aqui com o Bolsonaro? Eles são muito pragmáticos. A política no Brasil é muito regionalizada, cada um pensa sobretudo no seu feudo político.

Então, a candidatura alternativa ao presidente ainda é incerta? Ela ainda não apareceu e vai depender muito do espaço que o Bolsonaro vai dar. Hoje o maior rival do Bolsonaro é o próprio governo dele. Se o presidente organizar direitinho é o grande favorito para ganhar a eleição.

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Pela lógica do continuísmo... É, mas um continuísmo com sucesso. Porque muita gente atribui o continuísmo ao controle da máquina. E não é bem assim. No dia que o Brasil elegeu o Lula pela primeira vez provou que ninguém manda no eleitorado brasileiro.

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Acha que as pautas de costume perderam espaço nesta eleição de algum modo? As pautas de costume continuam sendo apoiada por quase 30% da população brasileira, não são respaldadas pela maioria. O Bolsonaro virou presidente não foi por causa dessa turma, mas em razão do centro, que não queria o PT. Quem elegeu o presidente foram os eleitores de centro. O Brasil é arbitrado pelo centro. Não existe uma cultura partidária no País. A maioria vota no menos pior.

Covas no discurso da vitória falou que a era do negacionismo e do obscurantismo tinha acabado. O que achou? A política é palco. Covas era um vice-prefeito que virou prefeito, enfrentou uma grave doença e a pandemia. E é eleito. Ele se sente um super-homem e ele é.

Há uma corrida pela vacina contra covid-19 entre Bolsonaro e Doria. É evidente que há uma preocupação política. Houve aquele momento em que o governo federal ia assinar um protocolo com o Instituto Butantan para comprar a vacina Coronavac, aí Bolsonaro desautoriza o ministro da Saúde Eduardo Pazuello. Ele pensou que poderia se enfraquecer. Foi uma reação mais intempestiva dele naquele momento, e que ficou ruim. Mas um dia os governos federal e estaduais proporcionarão a vacina para quem quiser, já que o próprio Supremo Tribunal Federal arbitrou que saúde pública é também competência de estados e municípios. Isso dá grande autonomia.

Vetada pela Constituição, a reeleição dos presidentes Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre está sendo julgada no STF. É tapetão? Claro que é um tapetão, mas a judicialização da política está colocada. Não podemos criticá-la quando é contra o nosso pensamento. Esse chamamento à Justiça para interferir e interpretar medidas que poderiam ser decididas no âmbito legislativo, se transformou em uma realidade no Brasil por conta da fragmentação partidária que dificulta o consenso.

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Quais são s pontos negativos do governo Bolsonaro? As narrativas de meio ambiente, das minorias, equívoco na política externa, mas na economia eles vão bem. E as brigas internas que vazam periodicamente comprometem um pouco a imagem do governo.

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