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Cultura, comportamento, noite e gente em São Paulo

"O cobertor é curto"

Por Sonia Racy
Atualização:

 Foto: Defensoria Pública de São Paulo

Um mês após tomar posse, o novo Defensor Público-Geral de São Paulo, Rafael Valle Vernaschi, tem uma meta: crescer de forma estruturada. A preocupação tem razão de ser. Criada em 2006, a Defensoria Pública do Estado caminha para se tornar a maior do País em 2016, com 900 profissionais na linha de frente - hoje são cerca de 700.

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Nem assim ela será robusta o suficiente para atender a todos os que precisam de seus serviços, uma massa estimada em 30 milhões de pessoas com renda de até três salários mínimos. Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), faltam 10,5 mil defensores no País, 2 mil só em São Paulo, que lidera o ranking. "O cobertor é curto", admite Vernaschi.

Uma das promessas do comandante da Defensoria, à frente de um orçamento que deve chegar a R$ 650 milhões em 2014, é reforçar a atuação na área criminal. Para isso, foi aprovada norma que regulamenta a atuação do órgão nos Centros de Detenção Provisória, onde estão os presos que ainda não foram condenados. A intenção é colocar a medida em prática em agosto na capital - onde, todos os meses, 1.800 pessoas são presas, muitas sem dinheiro para pagar um advogado. "Precisamos buscar um efetivo acesso à Justiça", diz ele.

A seguir, os principais trechos da entrevista.

O que precisa melhorar na Defensoria Pública de São Paulo?

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O cobertor é curto, mas a atuação na área criminal é uma das nossas prioridades. Todo mês, somente na capital paulista, 1.800 pessoas são presas, e muitas não têm a quem recorrer. No meu discurso de posse, ressaltei que precisamos somar esforços, cada órgão com sua independência funcional. Em maio deste ano, aprovamos deliberação que regulamenta nossa atuação nos Centros de Detenção Provisória. Já temos uma atuação forte nas varas criminais e da infância. Agora, estamos em fase de implantação dessa medida.

Foi detectada uma carência nesse setor?

Antes, os defensores que atuam na área criminal acabavam tendo contato direto com a pessoa apenas momentos antes da audiência. Com isso, vamos estar dentro dos CDPs - o que vai permitir uma fiscalização interna. É um atendimento especializado, vamos poder conversar com antecedência e informar ao preso quais são os direitos dele. A ideia é começar a colocar isso em prática a partir do mês que vem na capital paulista. E, em mais 60 dias, em todo o Estado de São Paulo.

Mas há gente suficiente? Uma das grandes queixas da categoria, constatada pelo Ipea, é que há um déficit de defensores em todo o País. Em que pé ficou a lei aprovada em 2012, que criou 400 cargos para serem preenchidos no Estado em quatro anos?

Vai haver um avanço gradual. A ideia é crescer de forma estruturada. Temos hoje, em exercício, 719 defensores públicos. Com essa lei, chegaremos a 900. Esse restante será completado até 2016. Em 2015, vão entrar mais 80, e, em 2016, mais cem, completando o quadro. Ainda é um número baixo para a demanda. Temos 32 milhões de potenciais usuários (pessoas com renda de até três salários mínimos) em todo o Estado.

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A carência de pessoal será resolvida em São Paulo com esses 900 defensores?

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Não. Precisaríamos, aqui em São Paulo, de pelo menos dois mil defensores, como reitera a análise do Ipea.

O que mais precisa mudar para melhorar o atendimento ao cidadão?

Dentro das limitações que existem hoje, precisamos buscar mais eficiência e um efetivo acesso à Justiça. A discussão do acesso à Justiça sempre foi em relação à assistência judiciária, como conseguir fazer com que aqueles que não têm dinheiro para contratar um advogado tivessem uma defesa no processo. Queremos ir além. Hoje, o que se discute, no acesso à Justiça, é buscar atividades de educação em direito, conscientizar a população para que ela possa exercer sua cidadania de forma preventiva - conhecendo seus direitos, ela consegue se precaver. Muitas questões chegam à Defensoria por total desconhecimento das leis.

Existem alguns embates políticos clássicos da Defensoria com a OAB. O STF já decidiu que o convênio com a OAB para atender a população não é mais obrigatório. O que mudou, na prática, depois disso?

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Embora a Defensoria esteja crescendo, o número de profissionais ainda é baixo, e a população precisa do atendimento. Não estamos presentes em muitos locais - só conseguimos chegar a cerca de 60 cidades e existem 360 comarcas em São Paulo. Querendo ou não, precisamos suplementar esse serviço com o convênio, que foi renovado. Houve a discussão no Supremo e a Defensoria Pública ganhou: ela pode fazer convênio, mas não exclusivo, com a OAB - pode ser com escritórios-modelo das faculdades de Direito e outras entidades. De um lado, é preciso ter consciência de que a Defensoria não consegue atender todo mundo com o pessoal que tem hoje. Ao mesmo tempo, buscamos a consciência, do outro lado, de que a Defensoria chegou para ficar. Temos de trabalhar em parceria, mas a Defensoria vai crescer e, um dia, todo esse trabalho será feito por defensores públicos.

Outra polêmica que chegou à Justiça é sobre a inscrição na OAB - a Odem acha que é necessária e vocês, não.

Em 2009, com a reforma da nossa Lei Orgânica, diversos defensores públicos Brasil afora saíram da OAB. Aqui em São Paulo, alguns advogados começaram a alegar, preliminarmente, que os defensores não poderiam atuar nos processos por não terem capacidade postulatória. Houve decisões em casos pontuais, e o TJ acabou pacificando a questão, dizendo que o defensor não precisa da inscrição na OAB. A Ordem recorreu ao STF. Já temos pareceres favoráveis da Procuradoria Geral da República, do Senado, da Câmara e da Advocacia Geral da União. Entendemos que isso fere diretamente nossa autonomia. O defensor público não pode ficar submetido a dois controles de conduta - à sua corregedoria e ao tribunal de ética da OAB. Desse jeito, você pode ser duplamente punido pelo mesmo fato. É preciso que haja uma decisão definitiva do Supremo. /MIRELLA D'ELIA

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