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"O CAMPO ESTÁ MUITO FRACO PARA OS REPUBLICANOS"

Por Sonia Racy
Atualização:
 

Editor da The New Yorker e biógrafo de Obama, David Remnick aposta na reeleição do presidente

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Foi depois de publicar um artigo sobre Barack Obama, em 2008 na The New Yorker- revista da qual é editor-chefe -, que David Remnick decidiu. Iria se debruçar sobre um complicado e ambicioso projeto: contar a história de vida do futuro presidente dos Estados Unidos.

O jornalista, bastante conhecido pelo livro Lenin's Tomb, sobre os últimos dias do regime soviético - que chegou a lhe render o Pulitzer, cobiçado prêmio de jornalismo americano -, até hoje, ao olhar para a biografia de Obama, A Ponte, diz: "Não tenho saudade de escrever. Esse livro já foi o suficiente", brinca. "Não falo isso para me gabar, mas é que foi uma loucura... não sei como fui capaz".

Remnick recebeu a coluna na redação da New Yorker, em um prédio na Times Square, coração de Manhattan. Curioso, fica claramente mais confortável perguntando do que respondendo às questões. Entretanto, não hesita em compartilhar suas opiniões e impressões sobre a figura de Barack Obama. Sempre buscando fugir de clichês e simplificações: "A questão racial, no caso do presidente, é difusa e bem complexa", enfatiza.

Depois de dizer que seu trabalho na revista "é manter o nível de humor, ousadia, credibilidade e ponderação", Remnick fala abertamente sobre o descontentamento de alguns democratas com Obama: "Ele não teria como corresponder a todas as expectativas". Mas relativiza as frustrações, arriscando um palpite: "Detesto previsões, mas acho que Obama irá ganhar. O campo está muito fraco para os republicanos".

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O escritor israelense Amós Oz definiu as expectativas em torno de Obama como "messiânicas". Que, invariavelmente, trazem uma dose de frustração. O senhor concorda?

(pausa) Acho que as expectativas messiânicas são o resultado de algumas coisas. Em primeiro lugar, o marco histórico - e compreensível - de termos um presidente afro-americano. Isso é importante na nossa dolorida história racial. Em segundo lugar, o presidente que o precedeu foi um desastre durante os oito anos em que esteve na Casa Branca. Se você perguntar para eleitores de esquerda e de centro - e até para alguns de direita -, eles irão afirmar que o mandato de George W. Bush não foi bom para o país. Então, surge Obama, que é essa figura nova, inteligente, afro-americana. E que emerge de uma corrida eleitoral dramática com Hillary Clinton.

Foi desse contexto que nasceu essa expectativa?

Sim. Muitos eleitores projetaram suas vozes políticas nele. Parte de sua habilidade foi, inclusive, saber absorver esses desejos da população. E assumir o papel daquele que refletia isso. Era inevitável que não pudesse corresponder a tudo.

Quais foram as maiores frustrações dos eleitores americanos, na opinião do senhor?

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Os esquerdistas estão desapontados com Guantánamo e com o Afeganistão; e os direitistas, com o sistema de saúde e... com o Afeganistão (risos). Então, sim, Amós Oz está completamente certo. Havia um sentimento de transformação emocional que era, inevitavelmente, frustrante. Para mim, ele não é um desapontamento colossal. Nem perto disso. Obama é um político extremamente carismático. É e não é. Seu carisma é muito mais sutil do que o de Bill Clinton, por exemplo. Quando Clinton entra em uma sala, toda a atenção se volta para ele. Sabe se concentrar em cada pessoa, guarda informações pessoais, olha nos olhos. Ele adora estar com pessoas. Essa é sua personalidade.

E Obama?

Ele é mais "cool". Não gosta de estar com gente o tempo todo. Seu círculo de amigos é bem pequeno, ele não é do tipo que passa a noite ao telefone ou jogando pôquer. Gosta de ficar sozinho. Lula, também muito carismático, faz o estilo de Clinton. Ainda mais quando era jovem. Já Obama é mais "normal", digamos assim.

Segundo a biografia que o senhor escreveu, Obama surgiu representando uma nova geração de políticos afro-americanos.

Sim. Ele estava concorrendo à presidência dos EUA e não da "América Negra". Obama não é um líder dos direitos civis, não é Jesse Jackson. E aprendeu isso quando concorreu a senador pelo estado de Illinois. Onde - por mais que haja negros em Chicago - vivem muitos brancos rurais, conservadores, cristãos... Illinois é um bom reflexo das diferenças dos EUA. Se ele fosse o estilo antigo de político afro-americano, não teria ganhado as eleições. Obama está no meio dessa nova geração de políticos negros que chegam a ter muitos votos em alguns estados. É uma questão bastante complexa.

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O quanto o senhor acha que as heranças de ambas as raças - pai negro, mãe branca e de ter sido ser criado pelos avós brancos - o ajudaram ou atrapalharam nesse processo?

É complexo. Para eleitores negros, em especial as mulheres, se ele tivesse se casado com uma branca, não teria sido algo positivo. E ele cresceu no Havaí, o mais longe possível do que consideramos a "América Negra". Lá não há uma expressiva população negra. Seu pai, que era negro, foi completamente ausente. E, no entanto, ele elegeu essa identidade.

Como?

Nossa identidade é formada por particularidades. É inegável. A família, o país, a história influenciam, é claro. E raramente podemos escolher isso. Boa parte já nos é dada. No caso de Obama, essa questão é mais difusa. E, de alguma maneira, ele escolheu ser identificado como afro-americano. E não como alguém que é filho de mãe branca e pai negro, ou que tem uma dupla identidade, mas sim como negro. Parte disso ele expressou por meio de seu casamento e pelo local onde decidiu morar.

Sobre as eleições deste ano, o senhor acha que a briga entre os republicanos nas primárias pode beneficiar Obama?

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Sim. Esse é um antigo hábito dos republicanos. Sentam-se em círculo com suas armas e começam a atirar uns nos outros. É muito claro que Mitt Romney não agrada a todo o partido. Ele não é conservador o bastante nem cristão o bastante. Ele é muito mórmon e muito rico. Olha, eu detesto fazer previsões, mas (risos) acho que Obama vai ganhar. O campo está muito fraco para os republicanos. Pouco a pouco, a economia está se recuperando. Deixar o Afeganistão é só questão de tempo. E eu nem acho que o problema do sistema de saúde irá prejudicar Obama.

Na opinião do senhor, o que o partido republicano usará para atacar o presidente?

A economia. Eles sabem que - com exceção de alguns - os assuntos raciais, o sobrenome "Hussein", o islamismo e toda essa coisa "nonsense" já era. Eles precisam de uma "música nova". E a economia é o que realmente importa.

Quais as qualidades de Mitt Romney?

A persistência (risos).

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Com a economia a caminho de uma recuperação, quais os desafios pela frente?

A economia ainda está fraca. O Irã é uma grande questão também. Outra é administrar as relações com os países em desenvolvimento, os Brics. China em primeiro lugar, pela razões óbvias. Mas eu diria Rússia, Brasil e Índia também. Ficamos tão obcecados com o legado do 11 de Setembro e o mundo árabe, que deixamos de prestar atenção nos países em ascensão, em particular na Ásia.

Como vê a questão do Irã? Acha que o presidente começa a fazer uma inflexão sobre um possível ataque?

Um projeto nuclear no Irã é perigoso. Mas também acho que um ataque de Israel ou dos EUA é uma loucura. Algo lunático de se fazer neste momento. Creio que Obama irá fazer tudo que pode para evitar esse ataque. Por meio de sanções, pressões políticas. A questão é: até que ponto estamos lidando com atores racionais em Teerã? Vamos ver.

O livro The Obamas, de Jodi Kantor, causou mal-estar na Casa Branca. Nele, a autora afirma que Michelle criou atritos com os assessores do presidente. O que achou dessa polêmica?

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Não foi nada. Esse livro não é nada. E ela exagerou na reação. Toda a administração também reagiu de maneira melindrada. O que pode ser tão terrível? Dizer que ela tem opinião? Que ela não quer trabalhar em política 24 horas por dia? Eles criaram uma questão, transformaram o livro em um grande assunto. Nada ali pareceu novidade para mim.

O que acha que incomodou? O fato de a primeira dama aparecer como uma figura que demonstra opinião?

Isso é história antiga. Eleanor Roosevelt tinha muito mais personalidade do que Michelle Obama. Muito mais. E era politicamente ativa. Michelle é bem popular, e esse livro foi apenas uma polêmica boba. /MARILIA NEUSTEIN

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