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Cultura, comportamento, noite e gente em São Paulo

'Nunca senti, nos EUA,nenhuma discriminação por ser latina'

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Por Sonia Racy
Atualização:

Alice Braga ( Foto: Divulgação)

Primeira brasileira a protagonizar uma série na TV americana, Alice Braga comprova o prestígio, hoje, da comunidade continental naquele país.

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Aos 32 anos, dez deles atuando também fora do País, Alice Braga alcançou o que a maioria das atrizes deseja: será a primeira brasileira a protagonizar uma série americana.Em agosto, começa a filmar Queen Of The South - a ser exibida pelo canal a cabo USA -, na qual interpretará uma mexicana que comanda um cartel de drogas.

A empolgação de estrear como atriz principal em uma importante série da TV americana - fato que ela comenta pela primeira vez, nesta entrevista à coluna - não nasce só do desafio profissional. Ela sonhava com esse papel há sete anos, desde que leu o livro que deu origem à série - mas só agora os realizadores do sitcom bateram à sua porta com um convite.

O fato de a protagonista ser uma atriz latina, e não americana, se deve, diz ela, ao peso que tem hoje a comunidade latina do país. "Ela está mais forte do que nunca. E o mercado americano, não apenas o cinematográfico, está aberto a esse fenômeno", afirmou na conversa por telefone, de Los Angeles.

O frisson dos tapetes vermelhos, a aura e a badalação que hoje envolvem a dramaturgia na TV americana e a projeção internacional que representam...nada disso faz a atriz tirar os pés do chão. "Meus pais me criaram no mundo real e me ensinaram o que era trabalhar com cinema", observa a moça, cuja filmografia já soma mais de 20 títulos, além de quatro séries de TV."Tapete vermelho é divertido, mas para mim é parte do trabalho", resume.

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Antes de começar a bateria de filmagens - que vai até agosto -, Alice desembarca no Brasil para lançar, no começo de junho, Muitos Homens Num Só, filme da diretora carioca Mini Kerti. Tem saudades do País? "Morro de saudade! Nunca vou deixar de morar em São Paulo. É o meu lugar no mundo." A seguir, os melhores trechos da entrevista.

Como foi o processo de Queen of the South? Foi a sua primeira experiência na TV americana?

Eu tinha feito, antes, teste para duas outras séries que acabaram não saindo do papel. E nunca tinha tido muito contato com séries de TV a cabo. A história me chegou por meio dos dois criadores, que montaram o piloto. Eles me escreveram perguntando se eu já conhecia o livro - A Rainha do Sul, do espanh0l Arturo Pérez-Reverte - e falaram da personagem. Por coincidência, eu já conhecia. Conversamos, foi ótimo. E eles me convidaram, porque já me conheciam um pouco e pensaram que eu podia casar com essa personagem de uma forma verdadeira, forte. E aí foi superbacana, porque eu já tinha uma paixão pelo livro. Quer saber dessa história?

Conte, por favor.

Há sete anos uma amiga minha, Justine Otondo, me indicou o livro, dizendo que nele havia uma superpersonagem. Como, nessa época, a Eva Mendes já planejava fazer o filme, achei melhor deixar o assunto de lado - mas a personagem ficou no meu coração. Pois bem, o filme dela não foi adiante porque a produção não conseguiu financiamento e, ao que parece, os cartéis do México estavam criando algum problema, não sei direito a história. Enfim, passados sete anos, me ligaram para conversar.

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Esse era para ser seu...

Pois é, está todo mundo me dizendo isso! (risos).

O que essa personagem tem de tão interessante?

É uma garota que transforma sua vida cem por cento. Tem uma infância e uma adolescência complicadas, é solitária, mergulhada em conflitos emocionais. Depois, vive uma história de amor que também se desfaz... e ela começa a correr risco de vida. É uma personagem que tem uma força de transformação para sobreviver, até que se torna essa rainha do sul, que é uma chefe do tráfico. Enfim, uma sobrevivente em um universo masculino e agressivo.

Você vai interpretar uma latina. Como vê a situação da comunidade latina, hoje, nos EUA?

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Está mais forte do que nunca. O fato de essa série estar sendo feita desse modo - sendo eu, uma latina, a protagonista - é exemplo disso. O público latino é enorme e tem uma voz ativa nos EUA. E mais, é um público que quer participar. O mercado americano, não só o cinematográfico, está muito aberto aos latinos. É uma comunidade enorme, maior do que em qualquer outra época da história. E Queen Of The South traduz o desejo dessas pessoas de participar, de se verem na tela.

Você já se sentiu discriminada por ser latina no mercado de cinema e TV dos EUA?

Nunca senti discriminação alguma. Me escolheram para fazer essa série - eu, uma atriz que tem sotaque, que não é americana. É muito simbólico.

A série conta a história dessa mulher que vira chefe de um cartel de drogas. Como vê a questão do narcotráfico e da violência?

Acho que o tráfico de drogas é uma das maiores tristezas que existem. Porque, além de gerar muita violência, é um tema muito complicado. Antes de fazer a série eu pensei bastante a respeito, principalmente pelo momento sério e complicado que o México vive hoje. Me perguntei se não seria uma "glamourização" das drogas. Mas me convenci de que não é. Porque é a história de uma mulher, não do tráfico. O foco é a vida dela, seus desafios, sua jornada.

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Nesse contexto, como se situa no atual e polêmico debate sobre a descriminalização das drogas?

Acho o assunto bastante complicado e prefiro não entrar em detalhes, principalmente porque eu vou começar a trabalhar nessa série. Mas eu acho que, com certeza, tem que ser estabelecido um debate sobre a legalização da maconha - que é uma questão já em evidência há muito tempo. Porque, quanto mais a gente colocar o assunto na mesa, mais se pode desmistificá-lo, e assim aumentam as chances de se melhorar as coisas.

Outra discussão muito forte hoje, no mercado cinematográfico americano, é a da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres. O que acha disso?

Penso que a situação está mudando. Achei lindo o discurso feito pela Patricia Arquette ao receber o Oscar deste ano. Discuto muito isso com meus amigos cineastas e roteiristas - sobre como são raros os personagens femininos completos em uma história. É muito mais fácil você ler um roteiro no qual o personagem masculino é, dramaturgicamente, mais completo. Acho que não se trata exatamente de preconceito. É uma coisa que está aí, mas que está mudando.

Acredita que os produtos da TV americana estão cada vez mais fortes e interessantes para os atores? Há uma evolução nessa área?

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Sim. Os EUA estão em uma fase muito bacana com essa tendência a investir nas séries. Isso é bom para todo mundo: atores, roteiristas. Está gerando trabalho e grandes possibilidades de trocas criativas. Além do público que se envolve, é claro. Eu, que viajo muito, sempre vejo alguém assistindo a uma série no iPhone. Em todos os aeroportos. Todas as novas mídias têm permitido que esses produtos sejam acessados de maneiras diferentes. Acho isso incrível.

Você já afirmou, em uma entrevista, que o Brasil é um país careta. Ainda mantém essa impressão?

Acho que isso está mudando. A nossa geração e as que vêm por aí estão mais abertas, dando opinião. Todo mundo tem voz e acho que isso faz crescer o espaço de debate. O que eu critiquei naquela época foi essa coisa de não botar para fora, de não se dizer o que pensa. É importante trazer discussões, debates, dar voz àquilo em que a gente acredita. Precisa ter um espaço para isso.

Você já disse, também, que encarna um personagem quando tem que passar por um tapete vermelho...

É! (risos). Adoro fazer isso, ir para Cannes, me vestir e tal. Mas não é mundo real, né? Para mim é trabalho. Sou eu ali, na frente do fotógrafo, não sou eu de calça jeans, havaiana e um vestidinho, como eu ando na Vila Madalena, de onde eu sou. Para mim é superdivertido, as pessoas estão curiosas. Mas é parte do trabalho, não faria isso em um sábado à tarde se não fosse por trabalho... (risos).

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Teve algum momento na sua carreira em que você pensou que precisaria ter cuidado para não se deslumbrar?

É engraçado, isso. Venho de uma família muito pé no chão. Meu pai e minha mãe me criaram muito no mundo real. Me ensinaram o que é trabalhar com cinema. E também comecei no cinema independente no Brasil. Então, para mim, trabalhar sempre foi exercer o meu ofício de atriz. Nunca foi nada glamour. Claro que existem projetos que envolvem pré-estreias, entrevistas, as pessoas se aproximam para elogiar... é muito fácil você se perder. Mas nunca me deixei levar por isso, graças à minha base familiar.

Você sente muita saudade do Brasil?

Morro de saudade! Porque é daí que eu sou, é daí que eu venho e é para aí que eu sempre volto. Na verdade, eu sempre sinto que estou viajando, mas a minha casa, meu lugar, é aí na Vila Beatriz (bairro de São Paulo), onde nasci e vivi a minha vida inteira. É um lugar que eu amo. As pessoas que eu amo estão aí e acho que eu nunca vou deixar de morar em São Paulo. São Paulo é o meu lugar no mundo. /MARILIA NEUSTEIN

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