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Cultura, comportamento, noite e gente em São Paulo

'Nenhum ser humano é capaz de prever o imponderável'

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Por Redação
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Depoimento do velejador Beto Pandiani.

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Talvez o que melhor aprendi nestes últimos anos foi viver com o estritamente necessário em um espaço confinado. A experiência a bordo do meu catamarã me deu muita vivência para poder compartilhar algumas ideias e situações que passei.

A princípio um barco a vela no meio do mar é uma minúscula ilha cercada de água por todos os lados. No nosso caso, ainda estamos expostos ao sol, ao frio e a chuva. Existe uma postura fundamental para diferenciar a experiência em meu barco. Ela poderia ser traumática, se fosse imposta, pois seria como viver em uma prisão flutuante, privado de tudo. Amigos, cama, conforto, geladeira, caminhada, alimentação adequada, etc. Por outro lado, por ter sido uma escolha, as viagens foram experiências inigualáveis, mesmo com todas as dificuldades e apuros que passamos.

Mas qual é a postura que transforma um castigo em um prêmio? A vontade de se lançar em uma vivência nova, sem precedentes, onde não sabíamos como seria mesmo com um excelente planejamento. Desde a primeira viagem percebi que tão legal quanto viajar é aprender, se desenvolver e voltar para casa muito melhor do que quando sai. Sou fascinado pelo novo, pelo inédito, pois creio que não experimentamos nada que não somos capazes de lidar.

Vou enumerar o que considero elementos chaves em uma travessia.

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Equipe: Tudo começa com quem você vai viajar. Este item traz uma complexidade enorme, e certamente, é o maior desafio. O que percebi? O melhor jeito de fazer uma grande viagem com o meu companheiro foi focando nas necessidades dele. Assim eu estava sempre atento ao seu comportamento e vice-versa, desta forma criamos uma sintonia e uma extraordinária confiança que foi fundamental nos momentos de mau tempo. Ou seja, criar confiança e companheirismo é imprescindível.

Como vamos viajar? Vamos em uma embarcação limitada, onde viveremos restritos e limitados aos recursos. Sabemos que no barco teremos o básico, essencial e nenhum desejo terá espaço. Qual a chave deste aspecto? Aceitação. Não tem nenhuma situação que possa acontecer que mude esta condição, ou seja, não vamos nos frustrar pois não criamos expectativas.

O que fazer com o tempo? Na vida da cidade todo mundo reclama que não tem tempo, eu mesmo já me queixei muitas vezes. Ai de repente você tem todo o tempo do mundo, e não sabe o que fazer com ele. Sim, isso aconteceu comigo várias vezes. Na verdade, a pergunta é outra. O que faço comigo diante do tempo? Foram muitas semanas de catarse. Vieram choros, risadas, e uma sensação muito boa de alívio, de não levar as coisas de maneira tão séria e rígida. Conclusão, perdemos muito tempo em enredos emocionais que poderiam ser resolvidos com muito mais rapidez. Somos perdulários do tempo.

Mau tempo. Em toda viagem vamos ter períodos difíceis, vento favorável, calmaria, vento contra, exatamente como na vida. Neste momento aparece uma força dentro de da gente que se chama resiliência. A resiliência só pode continuar a existir se você sabe aonde quer chegar, e tudo passa a ter sentido, pois esta experiência te dá a noção do que é um propósito. Caso contrário não é possível buscar motivação para ir além.

Planejamento. Sem se planejar uma viagem se torna um inferno. Deve se ter bem claro onde vamos chegar e o que vamos precisar levar e o que devemos deixar em terra. Os apegos nesta hora vão aparecer. Quem não tem apegos? Todos nós temos. O bom planejador olha o futuro na tela da sua mente e faz um exercício imaginativo tentando prever todas as situações. Mas tem algo que nenhum ser humano é capaz de fazer. Prever o imponderável. E quando ele acontece, o que fazer? Ah, esta é a questão fundamental deste texto, pois o que estamos vivendo é exatamente isto. O imponderável. Pela minha experiência e depois de sete grandes viagens, aprendi que o imponderável é uma constante. A vida é uma jornada imprevisível com alguns momentos de constância. Criar uma expectativa diferente desta afirmação gera muito sofrimento. É assim que vejo. Depois de cada crise vencida, de cada situação resolvida, soluções criadas, fomos ganhando o principal atributo que um ser humano precisa ter na vida: CONFIANÇA.

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Conclusão: Bem, gente, estamos literalmente no mesmo barco, e isso é muito positivo. Este barco que me refiro é a nossa vida aqui no planeta, e esta travessia será feita por milhões de pequenos barcos, onde todas estas equipes terão que enfrentar todo tipo de turbulência, mas nunca se afastem do objetivo, do propósito e do entendimento que o mar que vamos cruzar é fruto de um merecimento. Como disse no início, se ele será um aprisionamento ou uma oportunidade de desenvolvimento, depende da sua escolha.

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