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Cultura, comportamento, noite e gente em São Paulo

'Não fui à TV, tropecei nela'

Por Sonia Racy
Atualização:

 Foto: Andréa Graiz

 

Há 14 anos ininterruptos no ar com seu Caldeirão do Huck, apresentador pretende continuar trabalhando enquanto puder fazer diferença. "Quero deixar um legado", diz.

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Queira ou não, Luciano Huck segue os passos de apresentadores célebres, como Silvio Santos e Fausto Silva - "além do Jimmy Fallon e da Ellen Degeneres", seus favoritos nos EUA. Entretanto, o que mais interessa a este paulistano de 43 anos é poder conhecer o Brasil e suas particularidades - "uma experiência antropológica". Formado em Jornalismo e Direito pela USP, Luciano tem a curiosidade e o senso de justiça como parceiros e, graças a seu Caldeirão do Huck, que acaba de completar 14 anos ininterruptos no ar, tem viajado pelo País em busca de bons personagens. Também por causa disso, o programa fez de seu rosto um dos mais famosos da TV - "gosto de ouvir histórias, apontar caminhos, me manter inquieto". Entre uma gravação e outra, ele encontra tempo para seguir, de perto, o trabalho do Instituto Criar, que fundou em 2003. Missão? Promover o desenvolvimento profissional, sociocultural e pessoal de jovens por meio do audiovisual. "A gente dá formação técnica e sociocultural a garotos e garotas em situação de vulnerabilidade", explica. Criado em uma família com muitos laços políticos, ele acompanhou, com atenção, a corrida presidencial. Até declarou voto - e foi, inclusive, acusado de crime eleitoral por deixar que seu primogênito, Joaquim, apertasse os botões da urna eletrônica no primeiro turno. Mas não pensa, pelo menos não por enquanto, em entrar na política. "Gosto do universo político, mas não sei se teria estômago para mergulhar no dia a dia. Todos nós acabamos fazendo política de alguma forma." Sob efeito do sucesso de Na Quebrada, longa-metragem dirigido por seu irmão, Fernando Grostein, que relata a vida de jovens acolhidos pelo Instituto Criar, Luciano respondeu a algumas perguntas da coluna. A seguir, os melhores momentos da entrevista.

Você completou 14 anos ininterruptos no ar. Onde busca inspiração para se reinventar com tanta frequência? Minha carreira televisiva está se desenrolando em tempos de mudanças no Brasil e no mundo. Mudanças sociais e, principalmente, tecnológicas. No lado social, os desejos, sonhos e vontades dessa nova e poderosa classe média brasileira fizeram com que a TV aberta procurasse outros caminhos, e acho que o Caldeirão percorreu e percorre bem esse caminho. Nada é planejado ou orquestrado, muito acontece de maneira intuitiva. Faço a televisão em que acredito. Gosto de ouvir histórias, apontar caminhos, me manter inquieto. E, sob a ótica tecnológica, foram anos de profundas mudanças. Novas tecnologias, novas plataformas, a democratização da produção e do acesso, a globalização dos conteúdos e ainda estamos longe de saber o que será dos próximos 14 anos. A TV aberta tem de acompanhar o mundo de perto e tento fazer isso de maneira prazerosa.

Quem você considera fazer bem o papel de apresentador na TV - no Brasil e no exterior? Admiro muito o Fausto Silva. Quem faz televisão semanal sabe o quanto é um trabalho de Hércules manter um mesmo programa com um mesmo apresentador por 25 anos ininterruptos no ar, de maneira competitiva e também um sucesso comercial. No exterior, gosto muito do Jimmy Fallon e da Ellen Degeneres.

Pensa em trabalhar na TV até quando? Tem outros projetos? Vou fazer televisão enquanto me der prazer e entender que posso contribuir de maneira relevante no dia a dia do País. Meu tempo profissional é todo destinado à TV. Tenho verdadeira paixão pelo meu ofício. Trabalhar é um prazer. Tenho outras frentes de investimentos, mas nada que me tome o tempo da TV. Acho que o sucesso de um programa de televisão é diretamente proporcional ao tempo que você dedica a ele.

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Por contrato na Rede Globo, você não revela voto. Mas poderia confirmar? Votou em Aécio Neves para presidente? Como cidadão, posso declarar meu voto; como apresentador de TV, não devo misturar política e televisão; e como funcionário da Rede Globo, não posso fazer campanha. Como cidadão, sim, votei no Aécio.

Como viu a quase vitória de seu candidato? Foi a derrota mais vitoriosa da história da política brasileira. Teria sido a abertura de um excelente novo ciclo para toda a sociedade.

Como enxerga a política brasileira? Demos grandes passos desde o fim da ditadura? No Brasil, temos de ressignificar a palavra "política". Na sua origem, é uma derivação de "polis", que designa aquilo que é público. Mas, no Brasil, quando alguém fala em política, a primeira associação é com roubalheira, maracutaia, conchavos e afins. E pior: quando alguém diz que quer "ser político", logo se imagina uma pessoa que queira fazer algo em prol do próprio umbigo. Está tudo errado. Temos de fomentar uma nova geração de políticos, valorizar e criar mais cursos superiores de administração pública, remunerar bem os gestores desse setor. Criar ambientes positivos para seduzir uma molecada competente a ingressar na vida pública, não para ficar pendurada no Estado, mas para administrar o erário como administraria uma empresa privada. Há muito a se fazer para que o Brasil tenha uma classe política competente, com vontade e condições de fazer com que a vida de todos seja realmente melhor.

Tem algum receio de que o Brasil vire uma Venezuela? Não tenho. A democracia no Brasil é madura. A presidente Dilma não é o (Hugo) Chávez, muito menos o (Nicolás) Maduro. Nossas instituições são fortes, a imprensa é livre e a sociedade, atuante. Teremos anos difíceis, avançaremos bem menos do que poderíamos avançar, mas não é o fim do mundo. Ainda tem muito Brasil pela frente.

Tem vontade de se arriscar, algum dia, na política? Acho que não tenho estômago. A máxima de "cada macaco no seu galho" funciona bem nesse caso. Mas quero e vou participar ativamente da vida do País enquanto tiver voz, ideias e acreditar que é possível construir uma sociedade brasileira mais bacana para se viver - independentemente de classe social ou lugar onde nasceu. E, para isso, a televisão tem um enorme poder de inspiração.

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Seu programa lhe permite percorrer o Brasil, entrar na casa das pessoas, ser recebido por gente de todo tipo, que tem por você grande carinho. O que mais o comove em suas andanças? Tenho vivido experiências muito particulares nos últimos 15 anos, tenho visto, in loco, a vida como de fato ela é em todos os cantos do Brasil. Muito além da televisão que faço, essas andanças estão sendo uma experiência antropológica. É um privilégio poder trafegar com o mesmo interesse e curiosidade pelos bastidores do poder e a casa da Edileuza, a Patinha, onde estive no mês passado, em Jaguaruana, sertão cearense. Entro nas casas sem nenhum crachá ou interesse além de entender quem são aquelas pessoas que ali vivem. E tenho aprendido muito mais do que ensinado. O que me comove ainda é a desigualdade. Um exemplo: em setembro, estive em Porto de Pedras, Alagoas, um dos lugares mais lindos que já visitei no Brasil. Um canto do País onde a natureza se manifesta de maneira assustadoramente exuberante. Praia, rios, recifes, piscinas naturais, peixes-boi, mangue etc. Mas, por outro lado, de uma pobreza avassaladora, com mais de 50% de sua população analfabeta. Isso não pode mais ser "normal".

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Quais os pedidos mais constantes que ouve? Xiiii... são muitos e os mais variados possíveis.

Você estudou em bons colégios, fez Jornalismo e Direito na USP (faculdade onde seu pai lecionou), sua mãe é professora universitária e seu irmão, cineasta. Enfim, uma família de intelectuais. A que atribui sua trajetória de sucesso fazendo um programa de grande apelo popular? Onde você nasce não determina onde vai morrer. Tudo foi muito sem querer, nunca sonhei em fazer o que faço e nem ser quem sou. Mas também nunca me deixei levar pela vaidade, conforme as coisas foram acontecendo. Não fui à TV, tropecei nela. E, aos poucos, fui descobrindo que isso era o que mais me dava prazer na vida profissional. Adoro o que faço, sou maluco por bom conteúdo, independentemente de como você vai consumi-lo. E a TV aberta, para quem tem muitas ideias e quer que elas impactem no dia a dia das pessoas, é um parque de diversões. Gosto de montar times, ter boas ideias, produzir, exibir, ver os resultados e deixar um legado. Esse ciclo é maravilhoso. E esse é o meu trabalho.

Há muitos anos você promove iniciativas que visam dar apoio a boas causas e até mantém sua ONG Instituto Criar. Quando começou, o objetivo era formar jovens para trabalhar na indústria de TV e cinema. Hoje, inclui também novas mídias. Sempre se dedicou a causas sociais? No Brasil de hoje, pensar em todos é o melhor jeito de pensar em si. O Criar foi fundado por mim há dez anos, e o trabalho lá realizado é referência em Terceiro Setor. Não por mim, mas pelas competentes iniciativas realizadas pelos profissionais e educadores nele envolvidos. Sempre tomei muito cuidado para que o Criar não se tornasse a "ONG do Luciano Huck", mas, sim, uma ferramenta importante do mercado audiovisual no Brasil. E hoje ele é. Dos nossos 1.500 ex-alunos, 80% estão empregados no mercado formal, com renda cinco vezes superior em comparação a quando entraram no nosso processo seletivo.

Como pretende celebrar esses 10 anos de fundação? Essa foi uma questão importante nos últimos dois anos: como celebrar os 10 anos do projeto. Não estava a fim de fazer festa, evento, leilão, show... Queríamos algo mais significativo, emblemático, um passo à frente. Durante esse processo de brainstorm, meu irmão, Fernando Grostein Andrade, que é um competente cineasta, aceitou convite da revista Colours para fazer um curta sobre alguém que tivesse "tomado um tiro". E, depois de uma longa pesquisa, resolveu contar a história de um ex-aluno do Criar. O curta ficou excelente e foi parar no Festival de Veneza. Em paralelo a isso, encomendamos uma pesquisa para entender o impacto do Criar na vida dos nossos ex-alunos. E o resultado foi impressionante. Um recorte da periferia de São Paulo, de uma molecada que, mesmo com a enorme oferta de drogas, armas e possíveis desvios de conduta, optou por buscar e trilhar novos caminhos para dar rumo às suas vidas e de suas famílias. Nesse processo, não só o Criar, mas todas as ONGs que atuam nas 'quebradas' de São Paulo, têm um enorme poder transformador. Assim sendo, decidimos que a celebração dos 10 anos do Instituto Criar de TV, Cinema e Novas Mídias seria um longa-metragem de ficção, baseado na história real de cinco alunos e ex-alunos.

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E que tal o resultado? O filme ficou excelente. De verdade, recomendo para qualquer família que tenha filhos adolescentes em casa, independentemente de classe social, cor, credo, CEP etc. O filme mostra uma realidade muito próxima e, ao mesmo tempo, muito distante.

Você é craque na utilização das mídias sociais para promoção de seu programa e manutenção de sua imagem. Faz parte do marketing ou é mesmo ligado em Facebook, Instagram e Twitter? Curto as redes sociais, elas me mantêm conectado ao mundo. A resposta é imediata. Mesma sensação de quando fazia rádio ao vivo. Mas uso com cuidado.

Sua imagem de bom menino é reconhecida pelo mercado publicitário, que o contrata com grande frequência. Você é mesmo tudo isso? O que considera serem seus defeitos? Sou de verdade, minha imagem pública é muito próxima do que sou dentro de casa. Pode perguntar para a minha mulher (a também apresentadora Angélica)... (risos) Sou uma pessoa normal. Com dúvidas, ansiedades, inseguranças e defeitos.

O que gostaria de ter feito e ainda não fez? Hoje tenho muito pouco tempo livre, mas não posso reclamar da vida.

Você vendeu seus empreendimentos, recentemente, para se focar no programa de TV. Não foi uma atitude radical? Vendi tudo o que me tomava tempo. Meu foco é a TV Globo. E a prioridade absoluta é o Caldeirão.

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/SONIA RACY E DANIEL JAPIASSU

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