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Cultura, comportamento, noite e gente em São Paulo

'Minha trajetória é mutante, e isso, muitas vezes, causa estranheza'

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Por Sonia Racy
Atualização:

 

 Foto: Denise Andrade/Estadão

Há sete meses fazendo o papel de Rita Lee, Mel Lisboa brinca que, de vez em quando, 'ritaliza' no jeito de falar, mas confessa: "Tive muito medo de ser criticada".

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Aos 32 anos, Mel Lisboa está feliz, "mas nunca satisfeita", com a frutífera fase de sua carreira. A atriz - que despontou aos 19, interpretando a adolescente Anita na famosa série de Manuel Carlos Presença de Anita - se divide, hoje, em dois diferentes espetáculos em cartaz na cidade: Rita Lee Mora ao Lado, no qual faz o papel da cantora, e Luz Negra, da companhia Pessoal do Faroeste.

Mãe de dois filhos, a gaúcha, que passou a adolescência no Rio, afirma se sentir bem mais madura neste momento da vida: "Foi tudo meio rápido para mim. Conheci meu marido, o casamento, meus filhos. Acho que saí da fase pós-adolescente muito jovem e me sinto mais madura. Sou capricorniana, gosto da maturidade, me sinto bem mesmo", conta, durante entrevista à coluna, em sua casa, no bairro do Ipiranga.

Há dez anos morando em São Paulo, cidade que afirma "gostar muito", a atriz diz que é difícil fazer um balanço desses treze anos atuando. "Minha trajetória é mutante, e isso causa uma estranheza nas pessoas. Tem muita gente que não entende como posso fazer televisão e grupo de teatro ao mesmo tempo", afirma, "A gente tem de ter liberdade, e eu vivo exclusivamente do meu trabalho de atriz, pago minhas contas e dou comida para os meus filhos com esse ofício. Evidentemente que preciso mesclar algumas coisas", justifica.

Nos palcos há sete meses encarnando Rita Lee, a atriz revela um pouco sobre o processo de interpretar a diva do rock: "Tudo nela é apaixonante. A personalidade louquíssima, inteligentíssima, rápida, divertida, engraçada, até musicalmente, como uma das maiores letristas do Brasil, uma das maiores hit makers. As composições dela são muito legais, tem letras incríveis", conta.

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A seguir, os melhores trechos da entrevista.

Como foi, para você, fazer esse espetáculo musical sobre a Rita Lee? No começo, achei uma loucura, era uma coisa embrionária, eu não achava que ia rolar mesmo. Entretanto, a Rita Lee começou a ir morando no meu imaginário a partir desse momento, como uma possível personagem, e eu ficava muito atenta às coisas dela. Quando o projeto foi dando certo, quando saiu o patrocínio, aí eu comecei a me preocupar, passei a sentir que era real. Fiquei até o último minuto com muito medo de talvez não bancar, de fugir por medo. Acabou que rolou.

O que mais te atraiu na Rita Lee como personagem? Tudo nela é muito apaixonante, por isso ela é única. Não existe nada parecido com ela na música. A personalidade louquíssima, inteligentíssima, rápida, divertida, engraçada, até musicalmente. É a maior letrista do Brasil, uma das maiores hit makers. Além do que, pesquisando o repertório, comecei a conhecer outras composições e fiquei completamente apaixonada.

Você sempre foi fã dela? Sim, claro. Não conheço uma pessoa que não escute as músicas dela. É quase impossível não gostar de nada, porque o repertório dela é tao gigante, tão maravilhoso, que sempre vai haver uma música de que você goste, que já dançou muito, que já cantou. Meu caso não é diferente: sempre ouvi muito Rita Lee na minha vida.

O medo era de quê, então? Da opinião dela? Tudo junto. A responsabilidade de ser Rita Lee, o que ela iria achar disso tudo e também algo muito pessoal: será que eu ia conseguir? Nunca tinha feito nada assim. Pensava: "Será que eu chego lá? Será que os fãs vão gostar do meu trabalho? Aceitar?". Tinha muito medo de ser muito criticada... E havia a questão do canto. Sempre achei muito difícil cantar. Mas fui correndo atrás, treinei muito, estudei bastante.

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Não teve contato com ela? Não. A única vez em que nos encontramos foi no lançamento do livro dela com o Laerte (Storynhas). A gente conversou um pouco. Ela se mostrou supercuriosa. Eu não me senti à vontade para encher o saco dela, sabe? De ficar perturbando. Ela é muito reclusa, não quis ser invasiva. Mas, depois que a peça estreou, a gente trocou alguns e-mails, nos falamos, até ela ir assistir.

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E como é a sensação de participar de um espetáculo que é sucesso de bilheteria? É muito gratificante, porque eu amo fazer teatro, faço por amor, é quando eu me sinto à vontade. Gosto de ensaiar, ao contrário de muitos atores. Então, para mim, fazer uma peça de sucesso é muito bom. Na verdade, isso só aconteceu comigo duas vezes. É difícil você ganhar dinheiro com teatro. Só tive dois espetáculos dos quais pude tirar uma graninha: esse e Mulheres Alteradas, que também foi um sucesso. E tem o Pessoal do Faroeste. Mas lá é diferente, é de graça, é fomentado, a gente tem um salário fixo por mês. Por outro lado, é muito interessante, porque não é comercial. Mas as pessoas ficam contentes com o resultado do trabalho.

Muito se comenta da semelhança física entre vocês duas no musical. Como foi esse trabalho? Trabalhei mais observando a Rita do que a mim mesma. Via muito ela, mas não me olhava no espelho fazendo os gestos, para ser uma coisa mais natural, de dentro para fora, e não ficar tentando imitar. Sempre percebia detalhes, olhando as imagens. Foi bem legal.

Você está satisfeita? Feliz eu estou, satisfeita nunca fico (risos). Sempre acho que pode ficar melhor.

Você despontou aos 19 anos. Hoje tem 32. Já consegue fazer um balanço da carreira? São treze anos de profissão. É difícil fazer um balanço, porque minha trajetória é mutante e percebo que isso causa uma estranheza nas pessoas.

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Por quê? Não sei. É engraçado. Tem muita gente que não entende como posso fazer televisão e grupo de teatro - às vezes, mais marginal - ao mesmo tempo. Artisticamente, não tem uma lógica, sabe? Uma coisa não descarta a outra. A gente tem de ter liberdade. E eu vivo exclusivamente do meu trabalho, pago minhas contas e dou comida para os meus filhos com o que ganho nesse ofício. Evidentemente que preciso mesclar algumas coisas.

Pensa em voltar para a TV? Agora eu não posso. É meio complicado, estou contratada da Record e, se eles me chamam para fazer algo agora, estou no meio de dois espetáculos. Em cartaz cinco dias por semana em São Paulo, não dá para gravar uma novela no Rio. Por enquanto, nos próximos meses, estou assim. Mas claro que, se for chamada para fazer alguma coisa, sou contratada, teremos de conversar.

A outra peça em cartaz, Luz Negra, tem um engajamento mais político, não? Sim, faz parte de uma trilogia, Boca do Lixo, na qual eu fiz os três espetáculos. Sempre tem uma pesquisa no entorno da região e algo relacionado a isso. No caso do Luz Negra, a pesquisa foi sobre a Frente Negra, um partido político criado por uma elite intelectual negra - a segunda geração pós-fim da escravidão - que buscava a inclusão social e melhores condições para os negros.

Você acompanha política? Transferiu seu título de eleitora para São Paulo? Nunca transferi meu título. Eu justifico meu voto há muitos anos. Confesso que, nesta eleição, fiquei com vontade de votar em algumas pessoas e não pude. Achei meio chato, mas, em outros anos, eu não queria dar meu voto a ninguém. Não tem como não acompanhar e não fazer parte disso.

Faria campanha política? Acho que não. Política no Brasil é muito complicado. A engrenagem é muito suja, é muito cheia de problemas. Eu prefiro deixar essas coisas na roda de amigos do que me associar a algum partido político.

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Atualmente, temas feministas têm ganhado força, aparecido bastante nas redes sociais, sendo bem discutido. Você se considera feminista? Sim. Porque sou mulher e sou solidária à causa. Não sou militante, mas faço a minha parte, saca? Eu me coloco no mundo de uma forma bem clara, provando que ser mulher não é um problema, de forma alguma. E nem pode ser. Entretanto, nós vemos coisas trágicas por aí. Mas eu acho que, de fato, está havendo uma mudança radical nesse sentido, inclusive por parte dos próprios homens.

Como? Os homens estão sendo levados a mudar. O mundo não está nada fácil para eles. Porque a mulher está ganhando espaço em todos os campos, reivindicando seus direitos, externando suas vontades... Os homens estão tendo de se adaptar. Eu tenho esperança de uma sociedade mais justa, mais honesta, mais tolerante para todo mundo. Fico indignada com muita coisa que vejo de preconceitos e loucuras. Tento fazer minha parte.

Acha que a televisão é um meio machista? Acho que tudo é meio machista ainda. Mas o meio artístico tem uma certa vantagem em relação a isso. Porque, normalmente, são pessoas mais sensíveis, que lidam com todo tipo de gente.

Mas a forma como a mulher é retratada na televisão ainda é bastante criticada. De fato, a mídia ainda acaba vendendo uma imagem da mulher muito sexualizada. Existe muito essa coisa da mulher-objeto. E tem mulher que faz isso porque quer, não está sendo nada objeto, é preciso dizer. Mas é delicado, sim. Poderia se investir mais em campanhas interessantes, que valorizem outras virtudes da mulher que não só a parte física.

Você tem dois filhos. O que a maternidade lhe trouxe? Modifica muito. Os focos da sua vida mudam de eixo. Sua vida muda de eixo. E foi tudo meio junto para mim. Conheci meu marido, o casamento, os filhos e acho que saí da fase pós-adolescente, muito jovem e me sinto mais madura. Claro que tudo colabora: minha idade, meus filhos, minhas opções, mas hoje fico mais tranquila. E gosto. Sou capricorniana, gosto da maturidade, me sinto bem mesmo.

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Em uma época de tantas patrulhas ideológicas e de comportamento, como você procura educar seus filhos? Tento passar meus valores para eles. Claro que a gente sempre acha que nossos valores são os corretos, né? E isso pode ser muito perigoso, porque tem muita gente aí falando barbaridades. Mas procuro respeitar a individualidade deles, e não ficar impondo meu jeito de pensar e agir. Tento fazer com que eles sejam pessoas justas, honestas, que respeitam os outros e a si próprios. Tento excluí-los dos preconceitos. Não sou militante de meio ambiente, mas meus filhos sabem qual é o lixo reciclável, sabem que não pode gastar água./MARILIA NEUSTEIN

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