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Cultura, comportamento, noite e gente em São Paulo

Lázaro Brandão, em 2017: 'Não faria nada diferente'

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Por Sonia Racy
Atualização:
LÁZARO BRANDÃO. FOTO: LU PREZIA 

Tido como um símbolo da iniciativa privada,com 76 anos de atuação no Bradesco,ele deixou balanço marcante de sua vida pessoal e profissional em 2017, ao afirmarà coluna que não mudaria nada do que fez

 

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"Dr Lázaro", como era conhecido, foi praticamente uma unanimidade entre os integrantes da iniciativa privada. Tímido, de pouquíssimas palavras e raras entrevistas - a última foi dada a esta coluna quando passou a presidência do Bradesco para Luiz Trabuco, há dois anos.

Do alto dos seus 91 anos, o então presidente do banco, Lázaro de Mello Brandão - que morreu ontem, aos 93, dos quais 76 no banco -, emitiu uma carta cujo título chamava a atenção: "Profissão de Fé". Já no segundo parágrafo, conforme registrou na ocasião a coluna, ele assumia: "Com o ego à flor da pele, perpasso em minha memória a vida de jornada no Bradesco".

Lenda do mercado financeiro nacional, Brandão classifica Amador Aguiar como "mítico". Afinal, foi unha e cutícula com o fundador do Bradesco. Na conversa, sorriu ao ser perguntado sobre a fama da instituição, "quase religiosa", como é considerado o banco. Ainda mais localizada em uma cidade de São Paulo chamada Cidade de Deus. Jurou, ali, no encontro de mais de uma hora, que isso havia ficado para trás - e chegou a brincar com a época em que cada funcionário era obrigado a fazer uma carta de próprio punho, todo fim de ano, assegurando os seus propósitos. Fez questão de lembrar que o Bradesco foi quem começou primeiro a usar computador e a ter cartão de crédito.

Em linha com a tradição do banco, ele achava correto que os oito membros do conselho fossem "bradesquianos". Classificava FHC como o melhor presidente que o Brasil já teve e apontou o Plano Cruzado como o que deu a maior dor de cabeça aos bancos. "O real foi fácil", comparou. Aqui vão os principais trechos daquela conversa.

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Como o Bradesco conseguiu sobreviver a todos esses anos de crise do País? Com empenho de ajudar o Brasil, dar a sua participação. Mas nós somos, sobretudo, um banco doméstico. Temos agências lá fora só para apoio dos nossos clientes. O Brasil interessa sobremaneira para o banco. Ele está em todo canto.

Alcança mais municípios que o Banco do Brasil, não é isso? Mais. A concorrência surpreendentemente não tomou esse caminho no sistema online. Nós temos nesse sistema 39 mil correspondentes.

Vocês nunca pensaram em ir para o exterior? Para explorar, não. Temos ido para apoio de operações.

O seu maior concorrente na área privada entrou na América Latina inteira. Vocês algum dia avaliaram fazer o mesmo? Sempre achamos que isso desviaria muito da intenção de unidade, dos objetivos.

Indo para o futuro. O sr. viveu todos as fases do banco e do País. Quais foram os momentos mais difíceis e os que lhe deram mais satisfação? Fundamentalmente, quando veio o Plano Cruzado. A inflação batia recordes mas criava um floating. Um dinheiro que ficava sem ser utilizado e era uma fonte importante para o banco. Ele trabalhava com isso. Não que o banco quisesse inflação, mas ela existia. O momento mais crítico foi quando veio o Plano Cruzado. Com ele, a inflação desapareceu e o floating do sistema financeiro também. Os bancos, antes disto, não cobravam tarifas dos clientes. A inflação supria esse custo. Tínhamos margem para sobreviver sem tarifa. Até implementar as tarifas e repor as coisas cada uma em seu lugar, tivemos um período de resultados muito estreitos. Cortamos despesas para compatibilizar com o faturamento. Fechamos 500 agências. Foi um choque na rotina. Mas enfrentamos. Quando veio o Plano Collor, que subtraiu a poupança, também tivemos um choque grande. Enfrentamos então a ira do poupador. Esses foram os dois choques de impacto. O Cruzado e o Collor.

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O Plano Cruzado foi mais difícil que o Plano Collor? Foi mais grave e teve mais impacto para nós. Sem floating, as receitas encolhiam e as despesas continuavam estáveis.

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O senhor acreditava que a conversão da URV, no Plano Real, iria dar certo? A população iria trocar CR$ 2,750 por um real? Achei que fazia sentido. A conversão foi uma sofisticação, mas isso era algo paralelo e não a essência.

Olhando o futuro, o que o sr. acha da desbancarização do sistema financeiro? É relativo, pois o que temos hoje é o digital e o banco tem ganho de produtividade indiscutível com o avanço da tecnologia. Isso repõe outras margens que sumiram e gera equilíbrio.

O Bradesco tem o maior número de agências e isso tem custo alto. Existe um plano de transformação dessa capilaridade? Isso foi sendo reajustado. O trabalho nas agências foi simplificado. Lembre-se de que nosso forte é o varejo. Que não é alcançado.

Mas o ganho é menor também, né? Como é a história de quando Amador Aguiar foi procurar o Walther Moreira Salles para fazer uma fusão, nos anos 70? Por que não andou? O Bradesco sempre teve comando próprio de decisões. No protocolo que foi assinado, se dava a presidência do conselho para o Walther Moreira Salles. Era mais capitalizado. Feito o protocolo, criaram duas comissões, aqui e lá, para detalhar o processo. Nessas comissões havia recíproco desinteresse. A comissão de cá não estava interessada, nem a comissão de lá (risos). Não houve nem um árbitro pra bater na mesa. Se o Walther ou o Aguiar batesse na mesa...

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O Bradesco não compra ativos financeiros que não pode controlar. Por quê? É a ideia de que o comando tem que ser unificado. Se você vai ter um companheiro sócio que tem o poder mas pensa diferente, cria um embate que enfraquece um pouco a organização.

O senhor é a favor do parlamentarismo? Acho que não seria um bom sistema hoje em dia.

Que mensagem o sr. deixa para os mais jovens acreditarem no Brasil de novo? Não há dúvida de que vamos retomar a economia do País. O nosso agronegócio é uma lição para o mundo.

O que o senhor teria feito diferente na vida profissional? Nada.

 

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