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Cultura, comportamento, noite e gente em São Paulo

"ESTOU À PROCURA DO NOVO, NÃO DA NOVIDADE"

Por Sonia Racy
Atualização:
 

Aos 80 anos, Antunes Filho questiona a sociedade e diz que usa o teatro para colocar pimenta na vida das pessoas

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Antunes Filho está inquieto. Aos 80 anos, o diretor não esconde suas incertezas diante do que fazer no seu próximo espetáculo. Nem o sucesso da sua última montagem, Policarpo Quaresma, que continua lotando o Sesc Consolação, diminui sua ansiedade criativa. "Fazer o quê? E por quê?", questiona o premiado encenador. Por enquanto, ele só tem uma certeza: continuará resgatando referências literárias da cultura brasileira, como já fez com Mario de Andrade, Nelson Rodrigues, Ariano Suassuna, Guimarães Rosa, Lamartine Babo e Lima Barreto. "Acho esse trabalho importante porque consigo ensinar e recuperar parte da nossa cultura", diz.

Mas Antunes corre atrás do seu rumo observando tudo que rola ao seu redor. Busca inspiração no bate-papo do Metrô, com o dono do botequim, nas manchetes dos jornais... "Penso sempre no que o teatro pode influenciar positivamente na vida das pessoas. Por isso estou a procura do novo, não da novidade. A novidade tem prazo de validade. O novo continua vivo nos clássicos da literatura."

Seu raio-X do cotidiano, no entanto, passa longe do universo digital. Antunes não quer saber das facilidades do mundo moderno. Nem computador ele usa. Escreve suas peças à mão, sentado diante do palco na sua sala de ensaios no CPT (Centro de Pesquisa Teatral). Televisão? Tem, mas só liga para assistir aos jogos do São Paulo. "Adoro futebol", confessa. No entanto, orgulha-se por ter visto apenas um capítulo de novela na vida: Nino, o Italianinho, de 1969. Concessão que fez apenas para atender ao pedido do então novato Juca de Oliveira, que queria a opinião do diretor - o ator interpretava seu primeiro protagonista na TV. A seguir, os principais trechos da entrevista.

Depois do sucesso de Policarpo Quaresma ficou mais difícil pensar no próximo trabalho?

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A idade sempre acaba deixando a cangalha mais pesada. Ainda estou em busca de uma ideia. Fazer o quê e por quê. Acredito que o teatro serve para discutir a sociedade. Não estou atrás de soluções prontas. Quero mexer com as pessoas, quero colocar pimenta na vida do espectador. Vou continuar recuperando os grandes textos da nossa cultura. Acho isso da maior importância. Mas cada vez que faço um novo movimento, um novo espetáculo, compro mais uma briga com as vitrines da sociedade de consumo.

E quanto tempo leva para conceber uma nova peça?

São duas coisas: primeiro vem a dramaturgia, o que fazer? Criar algo que traga sentido social. Isso leva cerca de quatro ou cinco meses. Aí começam os atores. São pelo menos mais seis meses de trabalho.

Onde busca matéria-prima para seus trabalhos?

Procuro nas coisas simples: no bate-papo do Metrô, no botequim do Zé, no cinema ou nas manchetes dos jornais. Mas percebo que a alienação das pessoas anda cada vez maior.

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O teatro não está distante dos interesses da sociedade?

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Outro dia o Luís Antônio Giron, crítico da Época, disse que o teatro está atrasado 20 anos. Tudo é velho, careta... Ele estava falando do meu trabalho. Eu não concordo, acho que estou resgatando a história. Mas por outro lado, o Giron tem razão: o teatro está velho. Porque estão tentando fazer a novidade e não o novo. A novidade é uma gaveta vazia criada pela sociedade de consumo.

O que você enxerga de significativo fora CPT?

Eu acho alguns caras interessantes como diretor. Por mais que você discuta, o Zé Celso é um artista. Por mais que você questione, o Gerald Thomas é um artista. Eles têm conhecimento do ofício. Eu posso não gostar do espetáculo do Gerald, mas eu tiro o chapéu.

E o resto do universo teatral?

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Hoje em dia as pessoas estão fazendo espetáculos aqui e acolá, parecem baratas tontas. Existe uma ou outra coisa interessante. Não há mais o inverno, o repouso. O momento para você fazer o seu monólogo interior. O raio da televisão estragou até com a hibernação cultural.

Os jovens atores estão chegando muito cedo à TV?

Quando você está no começo de carreira vale tudo. Todos buscam um lugar ao sol. Eu até entendo que a pessoa precise fazer televisão para ganhar um dinheirinho. Mas acho que o momento é do jovem investir na carreira. Só quem tem uma boa base profissional trabalha até o fim da vida. Tá perto do caixão e continua representando. Caso contrário, fica perdido no meio do caminho.

Como são os atores que participam das seleções do CPT?

Eu acho que o ator deve em primeiro lugar saber dizer o texto. Tanto a palavra como o corporal são primordiais para a expressão do ator. A técnica é fundamental e os atores não estão tão preocupados com ela. Assisti a espetáculos em outras línguas que não entendo e compreendo tudo graças à expressão do ator. Os novatos querem ser logo popstars.

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Qual é a sua opinião sobre as leis de incentivo à cultura?

Acho imoral dar dinheiro do governo para espetáculos comerciais, como os grandes musicais. É preciso criar um núcleo pensante para avaliar melhor a distribuição dessas verbas.

E o governo Lula?

O Lula precisa tomar mais cuidado com o que diz. Nunca poderia ter declarado que a leitura dá sono. É seu dever estimular a educação do povo. Embora eu não seja do petista, acho que ele fez um governo legal. Por outro lado, deu maus exemplos éticos. Ele um dia poderá pagar por essa dose de irresponsabilidade.

Por Gilberto de Almeida

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