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Cultura, comportamento, noite e gente em São Paulo

'Essa ideia de que artista é vagabundo é um absurdo', diz Babu Santana

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Por Marcela Paes
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Babu Santana. Crédito: Bubu Filmes  

Babu Santana vai voltar para um lugar especial de sua vida. O ator e ex-BBB foi nomeado um dos diretores do grupo Nós do Morro, que há 36 anos oferece aulas de teatro e formação em audiovisual para crianças e adolescentes, além de produzir espetáculos. O carioca - nascido e criado no Vidigal - começou a carreira justamente lá, aos 17 anos. "Quando eu falei que queria ser ator, todo mundo riu. Ninguém acreditou. Por isso tem que ter essa conscientização, essa possibilidade de sonhar", conta ele, que falou com a reportagem em uma manhã de sol ao acordar, tomando café e fazendo manualmente um cigarro. Leia abaixo a entrevista.

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Você acaba de ser nomeado um dos diretores da Nós do Morro. Quais são as suas ideias para o grupo? Estamos fazendo uma avaliação dos anos de pandemia. Ficamos sem atender pelo risco de contaminação e nosso combustível é a aglomeração. Agora estamos avaliando as condições dos imóveis. Está tudo muito precário, com infiltrações. Já chegamos a atender 400 pessoas e hoje estamos com uma média de 60, 70 pessoas. A luta é para que a gente volte a atender, principalmente as crianças.

Você começou no teatro justamente no Nós do Morro, aos 17. Acha que essa experiência te faz ter uma ideia melhor do que os jovens precisam? O desafio muda de geração em geração. O que eu sei é da necessidade de dar acesso à cultura a quem não tem acesso. O jovem periférico pode acessar a cultura não só na forma de espectador como também de agente da arte. Há 36 anos o Nós do Morro vem deixando isso bem claro. Tem tanta gente boa do audiovisual que saiu do grupo. Eu vivi em outro Vidigal, não o de hoje, mas me lembro de quando eu falei que ia ser ator todo mundo riu, ninguém acreditou. Para as pessoas era uma coisa que parecia impossível. Por isso tem que ter essa conscientização, essa possibilidade do sonhar, a possibilidade do acreditar.

Uma discussão que sempre aparece quando terminam as edições do BBB são as oportunidades dadas para os participantes brancos e negros que saem do programa. Isso foi levantado no caso do DG. Para muita gente, ele deveria ter recebido mais convites para trabalhos. Qual a sua opinião? No meu caso, quando eu entrei lá, eu esperava só levantar o cachê pela participação e foi uma experiência muito boa, me abriu muitas portas em um momento em que a minha carreira não estava tão legal. O que conta pra mim é o público e hoje em dia eu não consigo andar mais pelas ruas como anônimo. Eu acho que pro DG também. Toda vez em que eu estou triste é só eu ir pra rua que eu recebo carinho. Não acho que a falta de oportunidades seja um problema do BBB. Isso existe na nossa sociedade de qualquer forma. Enquanto o audiovisual for escrito e produzido só por pessoas brancas a gente vai enfrentar esse tipo dificuldade. Hoje eu já vejo muito mais autores pretos, diretores pretos e produtores pretos tomando conta da cena. Nós vamos ter que atravessar toda essa sociedade machista, racista, injusta. A gente vai sempre enfrentar isso, não tem jeito.

Você foi para Brasília para fazer pressão pela derrubada do veto à Lei Aldir Blanc. O ativismo político sempre esteve na sua vida? Sempre fui um garoto de movimentos estudantis. Eu nasci numa família muito politizada, sou uma pessoa muito questionadora. Depois que eu cresci,  entendi que não queria participar da questão partidária e fui para o lado da política social. Eu até já pensei em uma época em entrar para a política, para passar a minha visão, para servir à sociedade, mas ainda tenho muitos sonhos pessoais e particulares. Também acho que é uma classe muito desacreditada pela população e penso que como artista eu consigo tocar melhor as pessoas.

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 E como enxerga a atuação do governo na cultura? O setor foi completamente abandonado, existem muitas coisas erradas e uma incitação violenta contra os artistas. Se eu faço uma peça, mesmo que seja um monólogo, tem toda uma cadeia de trabalhadores por trás. Essa ideia de que artista é vagabundo, que vive de mamata, é um absurdo. Eu não posso estar em cartaz e um dia entregar um atestado médico e dizer que não vou fazer a peça. Também existe muita ignorância das pessoas que criticam. A Lei Aldir Blanc é uma lei maravilhosa que ajuda todo um setor que envolve milhares de pessoas. Acho que as pessoas têm que ler antes de sair reproduzindo qualquer coisa. Tá incomodado? Vai lá e pesquisa, vê qual é a minha onda, vê qual é o meu trabalho. 'Ah, pra que ele quer um milhão?' Um milhão, gente, para uma equipe de 200 pessoas em um filme, não é nada.

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