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Cultura, comportamento, noite e gente em São Paulo

'É preciso disputar a PM, não entregá-la ao bolsonarismo', diz Fernando Gabeira

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Por Redação
Atualização:

Fernando Gabeira. Foto: Globo / João Miguel Jr

Neste 7 de setembro, quando se esperam protestos pelo Brasil, com a provável participação de policiais militares em apoio ao presidente Jair Bolsonaro, Fernando Gabeira defende a criação de uma política construtiva organizada pelos governadores no sentido de formar as PMs, disputá-las e "não deixá-las entregues ao bolsonarismo".

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O ex-guerrilheiro, ex-deputado federal e jornalista emergiu, nos últimos anos, como ponto de equilíbrio e de sensatez nesse caos político e sanitário generalizados.

Tem esperança que a eleição presidencial de 2022 não se resuma ao confronto de duas 'nostalgias', de Lula e Bolsonaro - diz que um quer voltar a 1964 e outro repetir políticas de governo de 20 anos atrás.

Agora vacinado com as duas doses contra covid-19, Gabeira voltou a gravar mais quatro episódios da sua série documental Na Estrada para a Globo News que devem ser exibidos a partir de outubro. Na pandemia, aos 80 anos, atuou mais em home office como comentarista de TV. Além da companhia da mulher, Gabeira passou o período convivendo com os seus quatro gatos no apartamento em que vive no Rio de Janeiro.

Qual é a expectativa para as manifestações neste 7 de setembro?

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Houve uma mobilização grande a partir do presidente da República, alguns setores do agronegócio estão gastando muito dinheiro para trazer as pessoas para os atos. Existiu um trabalho intenso, coordenado na internet, que pode resultar em um número muito grande de pessoas nas ruas.

Como avalia os pedidos de intervenção militar nos protestos?

O pedido de intervenção militar é um crime sem prescrição e contra a democracia. Portanto, é um tipo de bandeira que coloca a manifestação fora da lei, no meu ver.

A presença de PMs no horário de folga nas manifestações políticas e de pessoas armadas são uma preocupação?

As PMs são uma preocupação dos governadores de estado. Não se deve controlar as PMs de uma maneira pura e simplesmente repressiva, é necessário que os governadores passem a ter uma política construtiva, para que elas melhorem, se formem, disputá-las para que não fiquem entregues ao bolsonarismo. E quanto à presença de pessoas armadas numa manifestação é uma atitude fora da lei, e se usarem as armas será muito pior. Vai se voltar contra eles. Ainda que consigam colocar 100 mil ou 200 mil pessoas em São Paulo ou Brasília, o Brasil tem 220 milhões de habitantes. Eles são uma bolha.

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O que esperar das eleições do ano que vem?

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Até o momento temos Bolsonaro que se desgasta rapidamente. Por outro lado, há o PT que parece ter hoje uma grande aceitação nas pesquisas. A proposta do Lula é de voltar aos tempos em que ele governou com sucesso no princípio do século XXI. Mas já se passaram 20 anos, acho essa proposta em si nostálgica, como é super nostálgica a do Bolsonaro, que quer voltar em 1964. Então, espero que as eleições brasileiras não sejam o confronto de duas nostalgias.

Qual é a avaliação que você faz da Lava Jato?

A Lava Jato é um dos temas mais delicados do momento porque ela foi praticamente dissolvida, perdeu o prestígio que tinha e hoje é objeto até de pedido de indenização por pessoas que se sentem moralmente atingidas por ela. Mas é muito difícil convencer as pessoas, pelo menos a mim, que a operação não teve importância real. É só olhar a quantidade de dinheiro que foi devolvida e que foi roubada do País e a sua repercussão continental, praticamente representou um tsunami da política sul-americana...

Agora gostaria de falar um pouco sobre o seu histórico passado. Como enxerga hoje a sua participação no MR-8. É um crítico da luta armada?

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Escrevi um livro que chama O que é isso, Companheiro, que é exatamente uma crítica desse processo da luta armada. Continuo crítico a ela, acho que de um modo geral não é o melhor caminho. Sou a favor da luta democrática, pacífica, o que não significa que num determinado momento histórico um povo não deva pegar em armas em circunstâncias extremas, entende. Não é o caso hoje do Brasil.

Qual balanço faz da luta ecológica no Brasil desde que voltou do exílio até os dias de hoje?

O Brasil transitou neste período de um país como vilão ambiental, no princípio da década de 80, para um grande interlocutor internacional ligado ao meio ambiente. Construímos uma legislação saudável, boa, sólida, agora, a partir de 2019, virou de novo um vilão internacional porque o presidente Bolsonaro tem uma posição muito negativa a respeito dessa questão, estimula as queimadas e também o desmatamento.

A pandemia pode ter um efeito de fazer os países se organizarem para respeitar mais os protocolos ambientais? E o peso do governo Biden neste processo?

Biden faz algo que poucos governantes fizeram que é associar o projeto econômico à perspectiva ambiental. A governança social e ecológica passa a definir os caminhos das grandes empresas. Simultaneamente, os grupos de investimento e fundos de pensão adotam critérios muito rígidos sobre isso. Sinceramente, não sei se isso chegou a tempo de evitar degradação ambiental e o aquecimento global. Nós tivemos recentemente um calor de 45 graus no Canadá, e agora houve o Furacão Ida, nos Estados Unidos. Os tornados já não dão mais tempo de você se preparar 72 horas antes como eram antigamente, estão se realizando muito rapidamente. Os Estados Unidos, porém, voltaram para o Tratado de Paris, isso é animador.

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Considera-se no espectro político de centro atualmente?

Eu não sei porque é muito difícil dizer que sou de centro, de esquerda ou de direita. Uma pessoa com 80 anos não vai ser assim. Tenho experiência o bastante para ter posições minhas a respeito de tudo, se ela não coincide com a direita, com a esquerda ou com o centro, aí não posso fazer nada. Se você quer ter uma posição própria, tem que se sujeitar também a levar porrada, tanto da direita quanto da esquerda, às vezes até do centro.

As lutas identitárias prejudicam de algum modo o processo democrático, enfraquecem a ideia de República?

Não, na verdade, o excesso ou a deformação da luta identitária pode produzir isso. Ela foi muito importante para os negros, as mulheres, os homossexuais, sobretudo para várias comunidades de imigrantes que precisavam fortalecer a sua cultura e reforçar a sua identidade. Muitas vezes, porém, as pessoas envolvidas na lutas identitária não percebem o conjunto e também há aqueles que ficam fora dela. Por exemplo, um homem branco, pobre, nos Estados Unidos foi marginalizado dessas lutas. Eles são a matéria prima com que a direita se apropria para se utilizar dessa frustração contra as lutas identitárias. É fundamental que a gente tenha lutas para todos também.

E como surgiu a série documental Na Estrada?

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Ela passa por uma vontade de conhecer quais foram os efeitos da pandemia no Brasil e nas pessoas. E como eu já tinha feito um trabalho sobre os andarilhos nas estradas do Brasil, eu saí de novo pra vê-los depois da covid-19. São pessoas que andam pela estrada de um lado para o outro a vida inteira. Alguns andam por uma inspiração mística. Tem outros que saem porque se desentendem com a família, ou porque ficam desempregados ou apenas por uma questão de liberdade.

/ PAULA BONELLI

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