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Cultura, comportamento, noite e gente em São Paulo

"É mais fácil criminalizar tudo o que acontece nas ruas de São Paulo"

Por Sonia Racy
Atualização:

 Foto: Ernesto Rodrigues/Estadão

Secretário Municipal de Cultura, Juca Ferreira afirma que o transporte público de São Paulo é precário, quer legalizar o carnaval de rua e abrir bibliotecas noturnas. 

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Juca Ferreira leva uma hora para ir de sua casa, em Pinheiros, até a Secretaria de Cultura, no centro de São Paulo. E mais uma hora para fazer o trajeto de volta. Percorre, diariamente, os cerca de 14 quilômetros de carro - ao qual, diz, teve de se render para "cumprir as funções" de secretário municipal. Vida bem diferente da que levava em Madri - onde morou por dois anos até aceitar o convite do prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, para assumir a pasta. "Lá, não senti necessidade de comprar um carro - apesar de ganhar muito bem, três vezes mais do que aqui, como secretário. Porque lá o sistema de transporte público é maravilhoso. Não atrasa, não anda superlotado."

Para este baiano de 64 anos, o paulistano, principalmente o que mora longe do trabalho, vive de uma forma muito "radical". "Já pensou o que é perder, diariamente, duas horas e meia dentro de um ônibus e de um metrô superlotados?", indaga. Com a pergunta, Juca justifica seu apoio à revogação do aumento da tarifa de ônibus - principal reivindicação dos manifestantes. "Mesmo sabendo que essa tomada de decisão tem implicações e cria problemas financeiros graves que a Prefeitura terá de resolver." Para o secretário, os protestos que tomaram as ruas do País mostram que é um momento de "freio de arrumação". "Os partidos e políticos se distanciaram muito dos anseios e das necessidades da população. As demandas são muitas, mas a maioria delas aponta para o direito à cidade." O debate, defende, vai além do transporte: "A questão da violência policial é outro tema central". E crava: "A rua foi criminalizada em São Paulo. É preciso garantir segurança também nos momentos de celebração e lazer".

Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista.

Qual sua opinião sobre os protestos que tomaram as ruas do País?

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Vejo as manifestações de maneira muito positiva. Isso faz parte da construção da democracia. Os partidos e políticos se distanciaram muito dos anseios e das necessidades da população, e é normal que ela se mostre contrariada. Acho que é um freio de arrumação.

Qual a importância desses movimentos para São Paulo?

Acho que são muitas as demandas, mas a maioria delas aponta para o direito à cidade. A questão da violência policial é outro tema central. Com diálogo, podemos construir uma relação sólida e sinérgica entre cidadãos e cidadãs e as instituições do poder público.

Acha que esses atos podem ser considerados uma "Virada Cultural" sem arrastões?

Na Virada, as pessoas estão juntas para desfrutar dos espetáculos, e a convivência se dá em meio às emoções e aos prazeres do deleite estético. Nas manifestações, estão juntos construindo cidadania e demandando a realização de direitos. Na Virada, a fumaça é gelo seco; nas manifestações, é gás lacrimogêneo. Na Virada, as lágrimas - quando ocorrem - vêm de dentro; nas manifestações, vêm de causas externas.

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Como a cultura entra no debate?

Acho que as demandas sociais estão ficando mais sofisticadas, e as pessoas querem mais qualidade de vida. É como diz aquela música dos Titãs: "A gente não quer só comida, a gente quer comida, diversão e arte".

Concorda com a revogação do aumento da tarifa?

Concordo, mesmo sabendo que essa tomada de decisão tem implicações e cria problemas financeiros graves, que a Prefeitura terá de resolver.

O que o senhor acha do transporte público?

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É muito precário. Temos de qualificar. Estou vindo de Madri e lá não senti necessidade de comprar um carro - apesar de ganhar muito bem, três vezes mais do que aqui, como secretário. Em nenhum momento senti a demanda de ter um automóvel. O sistema de transporte público é maravilhoso. Não atrasa, não anda superlotado. Houve um investimento de décadas. No Brasil, é preciso desenvolver essa mentalidade, ampliar a rede de metrôs e de trens e, principalmente, o sistema de ônibus. Já poderia ter um planejamento no centro da cidade menos baseado em transporte individual e mais baseado no transporte coletivo. Como está, é um prejuízo econômico e social enorme. Já pensou o que é você perder, diariamente, duas horas e meia dentro de um ônibus superlotado?

Aqui o senhor tem carro?

Tenho. Para cumprir minhas funções, apesar de morar perto do centro - em Pinheiros - , levo quase uma hora para chegar ao trabalho. São mais ou menos 14 quilômetros e, frequentemente, pego engarrafamento para ir e voltar. A mobilidade urbana e a qualidade da oferta e do serviço público talvez sejam os temas mais relevantes da cidade e do Estado. Junto com segurança.

Apesar de não ter sido sede da Copa das Confederações, SP teve exibições públicas dos jogos do Brasil. A programação faz parte das ações da Prefeitura para atrair o turismo de lazer, que ainda não é uma marca da capital?

A autoimagem de São Paulo e a maneira como as instituições tratam a cidade estão completamente defasadas. São Paulo não é apenas a cidade do trabalho, muito menos aquela cidade industrial que já foi: caminha na direção de uma economia pós-industrial. Tem uma das melhores noites do mundo, uma indústria cultural razoável - certamente a mais sólida do Brasil. E um enorme potencial cultural-econômico para ser o grande centro cultural do Brasil. Mas, para isso, precisa assumir mais a cultura brasileira e potencializá-la. De todas as capitais, é a que tem melhores condições de articular um sistema brasileiro das artes.

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Nesse cenário, qual é o papel da Secretaria de Cultura?

A rua foi criminalizada em São Paulo. A dificuldade de garantir segurança para a população teve uma resposta fácil: criminalizar tudo o que acontece nas ruas. Seria mais fácil se as pessoas não fossem para a rua, fossem apenas de casa para o trabalho e do trabalho para casa. Isso é dito, sistematicamente, pelos responsáveis pela segurança da cidade e do Estado. Não deveria ser assim. É preciso segurança para garantir os momentos de celebração e lazer. Estamos passando por um momento difícil na segurança. Tudo o que eu fizer e disser vai ser para contribuir, não para desgastar a imagem de ninguém. Mas, para existir, a segurança tem de partir de conceitos e diagnósticos corretos.

Como assim?

Na época da Virada Cultural, por exemplo, muitos acharam que deveríamos ter desenvolvido atividades na periferia, para que os moradores não viessem para o centro. Isso é um equívoco e revela um preconceito social monstruoso. Não há política de segurança correta baseada em preconceito. As pessoas que vieram da periferia para a Virada se comportaram exatamente como aquelas que vieram dos bairros de classe média: todos querendo assistir aos espetáculos e desfrutar desse evento que é o maior da cidade. A Secretaria de Cultura tem de criar uma nova mentalidade para São Paulo. É preciso evoluir, para ter um programa anual de eventos, e se estruturar, para ter uma economia cultural forte.

E por onde se deve começar?

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Já demos um passo muito importante, quando a Câmara Municipal aprovou a lei da arte de rua.

O prefeito lhe deu alguma missão específica?

Em primeiro lugar, coordenar a preparação do programa anual de eventos - no qual se comemore o São João, o Dia do Samba, o Natal. Começando pela organização do carnaval de rua em São Paulo. É uma celebração de grandes proporções, mas ilegal. Por isso, é uma festa que se realiza na precariedade - tanto para os que estão na rua quanto para os que estão em casa e são incomodados. Há uma única saída: organizar e preparar a cidade para esse evento.

Como fazer isso?

O primeiro passo é dar mais segurança e conforto. Depois de combinar o direito de quem está em casa com o de quem está na rua pulando o carnaval. E, além disso, estamos pensando numa política cultural para a noite. São Paulo não dorme. As pessoas vão para as baladas, os bares, as festas. Acredito ser importante São Paulo ter, como outras capitais do mundo, equipamentos culturais, como bibliotecas, abertos à noite. Há uma parcela da população que busca atividades à noite.

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O senhor concorda que um dos grandes mitos de São Paulo é que a cidade não tem espaços públicos?

As pessoas estão demandando por espaços. Dia desses, fui ao Ibirapuera. Foi dificílimo encontrar uma vaga para estacionar. Ficamos quase uma hora procurando onde parar o carro.

Existe uma ânsia por espaços. A Prefeitura pensa em apoiar projetos que estão acontecendo espontaneamente, como cinemas ao ar livre?

Tem biblioteca móvel, ônibus-biblioteca, a gente vai estimular cinema de rua. A arte visual de rua de São Paulo é considerada uma das melhores do mundo. E não é só o grafite, não. É preciso valorizar isso para que a população tenha possibilidade do desfrute estético. Mesmo os que não têm poder aquisitivo, que é uma preocupação importante. Estamos também procurando uma saída civilizada e não repressiva para as atividades que são chamadas de "pancadões" na periferia, o funk de rua.

É um caminho possível?

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Claro que é. O que tem de equivocado ali? É que o lazer de uns é o incômodo de outros. Precisamos, então, encontrar locais que tenham o mínimo de isolamento e de distância das casas onde as pessoas querem dormir. Mas há outro problema mais grave: o tráfico aproveita a concentração de jovens para vender drogas. Voltamos ao tema da segurança. E defendo uma postura mais inteligente, mais aliada à cidadania e que tenha menos dessa repressão cega que coloca todo mundo no mesmo barco.

Existe um projeto da Secretaria de Serviços para disponibilizar internet gratuita em SP. Qual o papel da Cultura nesse programa?

Nós estamos apoiando esse projeto e trabalhando em parceria com a secretaria. Em quase todas as capitais contemporâneas e modernizadas do mundo, há vários espaços públicos em que se tem conexão gratuita. Durante os dois anos que vivi em Madri, acessava internet, gratuitamente, do ônibus. E com boa qualidade./THAIS ARBEX E MARILIA NEUSTEIN

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