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Cultura, comportamento, noite e gente em São Paulo

'Cuidar dos mais vulneráveis é prioridade', diz diretor do Sírio

Por Sonia Racy
Atualização:

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PAULO CHAP CHAP. FOTO PAULO LIEBERT/ESTADÃO  

Médico e superintendente Paulo Chap Chap conta como o hospital atua para o SUS e defende modelo em que setor privado pode atuar em hospitais públicos para 'livrá-lo das amarras' e melhorar gestão

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Os pais e tios eram uma família de engenheiros, mas Paulo Chap Chap decidiu romper a tradição: ele queria mesmo é fazer medicina. Hoje, comanda um complexo hospitalar movimentadíssimo como CEO do Hospital Sírio-Libanês, mas sem abandonar os transplantes de fígado, praticamente semanais, área em que se tornou uma referência mundial. Entre uma coisa e outra, seu olhar se volta a toda hora para os desafios da saúde no Brasil - onde a gestão pública, segundo ele, não consegue os mesmos resultados da iniciativa privada e "precisa livrar-se das amarras e melhorar muito" para "poder cuidar da saúde dos vulneráveis".

Nesse quadro, o médico-executivo dá uma informação de peso: o Sírio hoje faz mais gestão de leitos do SUS do que da saúde complementar. A mantenedora criou um Instituto de Responsabilidade Social, uma OS inteiramente dedicada ao atendimento do SUS.

Essa atividade e os mais de 15 anos de estrada, entre a sala de executivo e a de cirurgia, convenceram Chap Chap de que o modelo adequado para melhorar a saúde dos brasileiros "é a concessão de aparelhos públicos para a iniciativa privada". Saúde é um setor dinâmico, o paciente precisa de atendimento rápido, e nada disso, avisa ele, combina com regras e garantias do funcionalismo público, onde tanto contratar como demitir são problemas quase sempre insuperáveis.

Acrescentem-se a isso, adverte Chap Chap, os desafios de um novo tempo no setor de saúde: "Vivemos uma época marcada por uma epidemia de doenças mentais, distúrbios de ansiedade e depressão, que atingem particularmente os jovens. É preciso lidar com isso de uma forma preventiva". A seguir, os principais trechos da conversa.

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Como consegue conciliar a agenda de médico, fazer transplantes, com a de administrar um hospital do tamanho do Sírio-Libanês? Isso é um projeto que vem crescendo, já tem mais de 15 anos. Os transplantes de fígado que eu faço podem ser programados, ao menos um por semana, e tenho uma excelente equipe de preparação. O resto do tempo eu dedico à gestão do hospital.

O setor de compras, por exemplo, deve ser uma loucura, não? Você compra um estoque de remédios, ele não é consumido durante seis meses, tem de ser uma coisa afinada. Você contratou alguma pessoa para isso? Não sou um especialista em cadeia de suprimentos mas hoje você pode providenciar entregas de acordo com a necessidade. O tempo médio de estoque no Sírio é menor que 30 dias. Dá pra diminuir mais ainda. Há sistemas de informação que alertam, ajustam a escala de compras. Quando tem, por exemplo, uma greve de caminhoneiros, você monta um gabinete de crise...

Como vocês fizeram na greve dos caminhoneiros? Foi em junho do ano passado, né? Montamos o gabinete de crise e, como já construímos matrizes, sabíamos o que era preciso fazer. Tem suprimentos críticos, como oxigênio, se você não tiver armazenagem suficiente dele pode comprometer a vida de um paciente num respirador artificial. Fizemos vários planos de contingência, não precisamos interromper nenhum serviço. Nem precisamos falar com os caminhoneiros grevistas.

De que tamanho é o conglomerado do Sírio Libanês? Olha, pouca gente sabe, mas o Sírio hoje faz mais gestão de leitos do SUS do que da saúde complementar. A mantenedora criou um Instituto de Responsabilidade Social, uma OS inteiramente dedicada ao atendimento do SUS. E fizemos um contrato com o governo paulista.

E o que esse instituto faz? Administramos um hospital estadual na zona Sul de São Paulo, o Hospital Geral Grajaú, outro em Jundiaí, de alta complexidade, 100% SUS. E temos ainda o Hospital Infantil Municipal Menino Jesus, aqui na Bela Vista, e o centro de reabilitação da Rede Lucy Montoro.

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O hospital é remunerado por isso? É remunerado para atender ao contrato de gestão. Mas não tem resultado para ele, nisso. Inclusive o Sírio faz uma cotação orçamentária para complementar esses contratos. Já houve ano em que pusemos algo como R$ 21 milhões gerados na saúde privada para sustentar contratos na saúde pública.

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O Sírio é uma ONG, e assim não visa lucros, é isso? É uma instituição beneficente sem fins lucrativos, tem imunidades fiscais por isso, mas também tem o certificado de benemerência, e aí tem algumas isenções fiscais. Essas isenções a gente devolve integralmente ao poder público, em projetos com o Ministério da Saúde.

E na área estadual? Nas secretarias estadual e municipal a gestão dos hospitais públicos a gente faz por opção, não por obrigação legal. E já fazemos isso há 12 anos no Programa de Apoio ao Desenvolvimento do SUS, o Proad. A gestão estadual é mais recente, no Menino Jesus estamos completando dez anos agora.

Como tomaram a decisão de ajudar nessa área? Porque acreditamos que esse é o melhor modelo que existe, a concessão de alguns aparelhos públicos para gestão da iniciativa privada. Esses contratos têm indicadores de produção e de qualidade muito restritos. Quer dizer: o governo contrata, fiscaliza, regula, e se não formos bem tem punição. O que não é fácil de fazer na administração direta. Nesta, o controle do governo não se consegue na mesma intensidade.

Por que essa diferença? Como você sabe, o Regime Jurídico Único tem uma série de condições que impedem uma gestão mais ágil dos hospitais públicos. A iniciativa privada não tem as mesmas amarras. Decidimos fazer porque é um modelo que a gente propõe para o País. Começou com o (governador) Mário Covas, quando percebeu que a Lei de Responsabilidade Fiscal restringia a contratação de funcionários públicos para os hospitais. E ele teria de contratar milhares. Então criou essa lei para fazer a concessão à gestão privada.

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Por que, a seu ver, o Estado não consegue ter a agilidade da iniciativa privada na saúde? Veja, pra contratar no setor público você tem de abrir um concurso. Então contrata, digamos, uma equipe pra um pronto-socorro, e lá tem o pediatra, o clínico, o ortopedista, o cirurgião. Em certo momento, um dos médicos resolve não mais trabalhar no hospital. Pede demissão. Você precisa abrir outro concurso público. E às vezes acontece, também, que não se pode demitir. O que é que o gestor faz? Contrata mais, pra suprir o que falta.

Nesses hospitais onde vocês entraram, qual foi a melhora? Há um trabalho importante da FGV, aqui em São Paulo, mostrando os indicadores de produção dos hospitais com administração direta do governo, comparando com hospitais que têm contrato de gestão. Ele mostra uma capacidade de produção em hospitais de atendimento muito maior que a dos hospitais sob organizações sociais. Por que isso acontece? Não é que o gestor público seja pior que o da iniciativa privada, é que ele está limitado em sua capacidade de gestão. Precisa é tirar as amarras do setor público pra ele poder atuar.

O que se fala no setor é que a saúde pública no Brasil é muito cara. É verdade? Não, não é. Quando a gente olha o financiamento público para a saúde no Brasil, ele é de 4,5% do PIB. É menor comparado a outros países. Mas o total do financiamento da saúde chega a algo como 9,5% do PIB. O problema é que metade disso é liberado por meio de operadoras de saúde, de saúde suplementar, franqueada pra 47 milhões de brasileiros. Ou então é aquele gasto que você faz diretamente na farmácia, pagando algum procedimento ou exame. Aí você vai me perguntar: qual é o problema? O problema é que como o governo não assume a maior parte dos tais 9,5 %, ele acaba criando iniquidades, desigualdades.

Explica melhor. Vou explicar. Metade desse dinheiro é da saúde suplementar, que atende 47 milhões de brasileiros. A outra metade é da saúde pública, que tem de atender a 210 milhões de brasileiros em muita coisa ou ainda 150 milhões naquilo que a saúde suplementar já atende. O governo comparece com 4,5% do PIB. Nos países mais desenvolvidos, comparece com 8% a 9% do PIB. E a iniciativa privada com algo perto de 1% a 2% do PIB. O fato é que o cidadão que depende totalmente do SUS só recebe 4,5% do PIB.

De que maneira isso pode ser melhorado? Acho que o governo tem de ter consciência de que precisa repassar mais recursos para a população mais vulnerável, Além disso, precisamos melhorar muito a gestão. É a dicotomia que enfrentamos: falta dinheiro ou falta gestão? Acho que, no final, faltam os dois.

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Diria também que falta vontade política para corrigir isso? Não, acho que estamos nos movimentando. Mas isso precisa acontecer de forma mais rápida, a saúde dos cidadãos está exigindo. Quem tem um câncer e está na fila da radioterapia precisa de soluções imediatas. Queria lembrar que a concepção do SUS, no papel, está bem estruturada. E só agora a iniciativa privada se dá conta de que a porta de entrada é através de atenção primária. O SUS já fez isso, precisa intensificar mas já fez.

De que modo isso foi feito? O programa chamado Estratégia de Saúde da Família cria nas unidades básicas de saúde uma entrada através de equipes de saúde onde tem médico, enfermeira, assistente social. A equipe conhece o conjunto de pacientes que tem e vai cuidando antes, para que não apareçam complicações. Nós da saúde privada precisamos fazer um movimento também. O Sírio-Libanês está fazendo, num projeto chamado Saúde Corporativa.

É como um plano de saúde? Vou lhe explicar. Num certo momento o hospital percebeu que os próprios funcionários não tinham atendimento, prevenção de doenças - e a gente se deu conta de que poderia trabalhar isso. Veio o programa Cuidando de Quem Cuida. Teve um enorme sucesso, grande engajamento, redução de custos. Com isso, várias empresas nos procuraram pedindo para implantar o mesmo sistema.

Que tipo de empresas? Por exemplo, dentro do Banco Votorantim temos uma unidade de saúde com médico, enfermeira e providências para casos agudos. Esse médico tem uma especialidade, chama-se médico de saúde da família e da comunidade. É uma especialidade da qual temos poucos no Brasil. E temos também várias unidades no Itaú, outras no Santander.

Debate-se a saúde preventiva há muito tempo no Brasil, e o que se diz é que são pedidos muitos exames, a maior parte deles desnecessária. Essa crítica é procedente? Muitos clientes dizem ao médico: pode pedir tudo, doutor, eu tenho plano. Há uma falsa sensação de segurança. Fazer exames demais pode acabar prejudicando, eles não são isentos de uma certa toxicidade.

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Como é isso exatamente? Fazendo radiografias com frequência você fica exposto à radioatividade. Em tomografia a radiação é maior.

E como o médico controla um paciente nervoso, que insiste em mais um exame? Conversando, ensinando aos pacientes, mostrando como é negativo fazer aquilo com grande frequência. Mas muitas vezes pra encurtar a conversa o médico acaba pedindo o exame.

É o fator emocional contribuindo para a doença, não? Sem dúvida. Estamos em uma época em que poderíamos falar em epidemia de doenças mentais, distúrbios de ansiedade e de depressão. O uso de remédios para isso é cada vez maior. Sabe-se que o índice de suicídios vem aumentando em algumas sociedades, em especial entre jovens. É preciso lidar com isso de forma mais preventiva, quanto ao distúrbio e também à consequência do distúrbio. Às vezes isso leva à perda de vidas por falta de tratamento adequado.

Como tratar essa sociedade doente em que tantos vivem uma vida frenética? Nem sabemos bem qual será a consequência de se ficar o dia inteiro no celular, no meio desse mar de informação. O que pode ser feito? O ritmo de vida mudou, o da informação também. Antigamente a população não estava tão urbanizada, havia momentos de grande descompressão. Hoje somos bombardeados por necessidades, consumismo, expectativas altíssimas em relação ao jovem. Ele se compara com outros, se expõe a frustrações muito precocemente. Por outro lado, estamos perdendo os modelos de referência. Esses rituais, no final das contas, davam um caminho de engajamento. Hoje perde-se o sentido de pertencimento ao grupo. A gente precisa voltar a conversar a sério sobre isso, criar momentos. Aí vêm soluções como a meditação, a ioga, a mindfulness.

Trata-se de união de mente e corpo, não é isso? Exato. Isso está faltando.

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