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'Butantã vai fornecer vacinas de gripe para a OMS'

Por Sonia Racy
Atualização:
DIMAS TADEU COVAS. Foto: DIVULGAÇÃO BUTANTÃ

 

Dimas Covas, diretor do instituto, diz que seu foco é investir em pesquisas de ponta, fazer parcerias no exterior, tornar o País menos dependente nessa área e ganhar com transferência de conhecimento

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Hematologista, professor e pesquisador pela Medicina da USP em Ribeirão Preto, Dimas Tadeu Covas comanda desde 2017 um dos mais respeitados centros de pesquisa médica do País, o Instituto Butantã. Lá ele lida, diariamente, com pesquisas de ponta - e um de seus focos é desenvolver novas vacinas e acertar parcerias com centros adiantados do Primeiro Mundo.

Ou seja: é um enorme equívoco que o Butantã continue, para muitos, com seu nome associado às cobras. Ali trabalham 2.300 funcionários concursados, alguns altamente especializados, na busca de produtos para combater gripe, dengue, HIV e avançando em áreas como a de imunoterapia celular, para criar anticorpos e combater vários tipos de câncer.

Nessa batida, ele ganha corpo como instituição internacional. Tadeu Covas acaba de voltar da China, onde fez contatos com uma estatal para desenvolver novas áreas. Nesta entrevista ele antecipa o futuro: "Ano que vem, vamos fornecer vacina de gripe para a Organização Mundial da Saúde. Nosso foco é inovação. E buscar parceiros para não ficar só no mercado brasileiro". A seguir, os principais pontos da conversa.

O sr. acaba de voltar de viagem oficial do governo paulista à China. O que conseguiu? Foi a primeira missão do Butantã à China. Assinamos um memorando de entendimento com a estatal CNBG, que produz vacinas e é parte do grupo Sinopharma. Também fizemos contato com a Bravo Vax para produzirmos juntos uma vacina para o rotavírus, que tem uma alta taxa de mortalidade por diarreia. O Butantã tem a licença para produzir essa vacina.

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São tarefas que nada têm a ver com a imagem do Butantã, que para muitos lida apenas com cobras. Por quê isso? É que uma de suas primeiras ações na área pública, iniciadas há 188 anos, foi produzir soros contra o veneno de cobra. E ele continua a produzi-los. Era um produto único.

Por quanto tempo? Até recentemente. O Butantã é o único produtor no País e planeja ampliar a produção para fornecer aos países vizinhos. Ele tem um grande repositório não só de cobras mas de animais peçonhentos em geral.

A quem o instituto pertence, e como funciona? É ligado à Secretaria de Saúde do Estado e tem uma fundação. Produzimos hoje seis tipos de vacina, a principal é contra a gripe. Este ano produzimos 64 milhões de doses.

Atinge toda a população? Atinge a população de risco, e é disponibilizada pelo sistema público. O Butantã só fornece ao Ministério da Saúde. É a maior fábrica do hemisfério sul, com capacidade para 160 milhões de doses de vacina de gripe por ano. O que põe o Brasil entre os maiores produtores no planeta.

Por que é estadual e produz pro Brasil inteiro? A ligação administrativa é estadual, mas o cliente é o governo federal. Ele é que tem o programa de imunizações e compra todas as vacinas. Não só do Butantã como da Fundação Oswaldo Cruz. E a fundação que mantém o instituto é privada e recebe subsídios, por exemplo, do BNDES, da Finep, sempre órgãos públicos.

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Tem atividade na área privada? Não, não fornece vacinas à área privada. Mas nessa atividade ele evolui. Começou com soros e vacinas e agora entra na área dos biofármacos, que são produtos de alto custo, boa parte deles dirigida para tratamento de câncer. Isso é que permitirá diminuir a dependência do País. Pra ter uma ideia: dois desses medicamentos que pretendemos produzir custam hoje ao Estado mais de R$ 2 bilhões ao ano.

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Qual é o orçamento anual? Este ano, em torno dos R$ 100 milhões. Ano passado recebemos, pelas vendas, algo como R$ 1,5 bilhão. Temos 2.300 funcionários concursados, mais os contratados via CLT pela fundação. E temos ainda uma área cultural, com três museus e um na cidade, que é o Emílio Ribas. As cobras ficam no Museu Biológico, que recebe mais de 300 mil visitantes todo ano, uns 3 a 4 mil em fins de semana.

E como o governo trata as pesquisas? Dá recursos suficientes? Sim. Não vamos falar em pesquisa básica mas em pesquisa aplicada e em desenvolvimento de tecnologia e inovação. Pra lhe dar um exemplo, a indústria farmacêutica no Brasil movimenta em torno de R$ 69 bilhões. Destes, uns R$ 50 bi são gerados em São Paulo. E o que o Estado tem feito para incentivar isso? Temos a Fapesp, que apoia diretamente os projetos de pesquisa e as subvenções. Com isso estamos construindo uma fábrica para produzir vacina antidengue. São R$ 200 milhões bancados pelo BNDES, a fundo perdido, e pelo Ministério da Saúde. E estamos transferindo conhecimento para o laboratório Merck Sharp and Dohme, uma multinacional farmacêutica.

Não é aquisição de patente? Chamamos de transferência, você dá acesso aos conhecimentos. E nosso contrato inicial foi de US$ 100 milhões, isso é inédito no Brasil. Aí temos tido todo apoio do governo do Estado, cujo projeto é transformar o Butantã em um dos maiores produtores de vacina do mundo. Para isso temos um plano de investimentos e vamos buscar recursos. No BNDES, no BID, no Banco Mundial, procurando parcerias.

Vemos muitos pesquisadores indo pro exterior por falta de recurso. Não temos uma Lei Rouanet para a área, né? Primeiro temos de distinguir a pesquisa acadêmica, básica, da aplicada, da busca de inovação. Nosso foco no Butantã é a inovação, desenvolver produtos, vacinas. E vamos ativamente atrás dos recursos.

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Então o Butantã é uma ilha nesse deserto de recursos? O Butantã olha a pesquisa como a olha uma grande indústria de biotecnologia. No caso dos R$ 200 milhões, convencemos os financiadores, BNDES e Saúde, de que havia um produto num ponto maduro, pra se transformar em vacina e de um apelo social imenso.

Assim o Butantã funciona como uma indústria farmacêutica? Sem dúvida. Se você pegar no ranking das indústrias farmacêuticas do País, em volume e movimentação, o Butantã fica em 19.º lugar. É um serviço público. Se vamos fornecer no próximo ano vacina da gripe para a Organização Mundial da Saúde, e para a Organização Pan-Americana. E o objetivo é que distribuam principalmente para os países pobres.

Qual o seu desafio este ano? Vamos acreditar nossa vacina na OMS. Com isso, ano que vem forneceremos ao hemisfério norte. Um grande avanço.

E quem fica com o lucro disso? Não falamos em lucro, falamos em ressarcimento de custos, porque é público e para o público. Com uma pequena margem pra você se manter.

Fala-se muito hoje na volta do sarampo. É um risco real? Não é só sarampo, fala-se em volta da poliomielite, de doenças erradicadas. E por que isso está voltando? Porque há no Brasil, ainda incipiente, um movimento - que nos Estados Unidos é mais forte - contra as vacinas. Circulam fake news dizendo que se você der vacina a uma criança ela vai desenvolver autismo, vai ter um déficit no desenvolvimento neuromotor. O que é uma absoluta mentira. São grupos minoritários com poder de penetrar nas mídias sociais.

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Há números sobre a diminuição de doses tomadas? Não sei dizer de cabeça. No Brasil, ano passado, caíram alguns índices de cobertura vacinal. Certos municípios não atingiram nem 50% da meta. E isso veio à tona quando surgiram casos de sarampo. Voltaram as campanhas e medidas pra recuperar os índices de vacinação.

Outra história que circula: vacina dá gripe. É verdade? A vacina da gripe é uma vacina inativada. Tem três tipos de vírus, que são produzidos em ovos de galinha. E depois que tem o concentrado do vírus, você usa algumas substâncias que destroem esses vírus. A vacina é feita de pedacinhos deles, mas não tem o vírus. Dizer que pega gripe tomando vacina é uma lenda urbana, nada mais. Mas há pessoas que ao tomar vacina já estão infectadas com o vírus e pegam gripe sim. E veja só: os milhões que tomaram vacina e não pegaram gripe não são noticiados.

E o HIV, voltou de fato a preocupar? Estamos tendo um recrudescimento não só do HIV como de outras doenças sexualmente transmissíveis. Como ele deixou de ser doença fatal, é hoje uma doença crônica, os cuidados diminuíram. O sexo sem proteção e a falta de testes tornaram-se comuns de novo. Mas repito, o HIV é hoje doença crônica, não mortal.

E como está hoje a abordagem do tratamento do câncer? Por que ele continua sendo uma doença mortal? Ele era uma doença mortal há 20 anos, hoje não é mais. Temos instrumentos de combate, se houver um diagnóstico precoce você cura. E está avançando muito a imunoterapia celular.

Vocês estão fazendo parceria com a Libbs. Tem algo a ver com isso? A Libbs é a única empresa brasileira que produz anticorpos monoclonais contra o câncer. O assunto nem está regulamentado ainda mas ela vai fornecer isso ao Ministério da Saúde, que o distribuirá na rede pública. Trata-se de moléculas feitas com engenharia genética. É uma fronteira do conhecimento. E o Brasil precisa investir mais nessa área, pra fugir da dependência externa.

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