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Cultura, comportamento, noite e gente em São Paulo

'Adaptar um livro à TV é tarefa sem precedentes', diz diretor

Por Sonia Racy
Atualização:

CARLOS MANGA JR. Foto: ESTEVAM AVELLAR/GLOBO

Para diretor, migração às telas deve estar à altura da força da imaginação do leitor

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Nas produções televisivas mais sofisticadas, não é incomum que a equipe por trás das câmeras se dê ao trabalho de planejar com detalhes minuciosos tudo que será exibido no produto final. Foi o caso da minissérie brasileira Se Eu Fechar os Olhos Agora, de acordo com seu diretor, Carlos Manga Jr., o Manguinha. "Absolutamente tudo é muito pensado. Desde a paleta de cores que envolve o figurino dos personagens. Tudo tem que fazer parte do que é chamado de sua bula. As cores, a questão da câmera, dos atores... Tudo tem que conversar", explica.

Em entrevista à repórter Paula Reverbel, Manguinha, filho do também diretor Carlos Manga, explicou como ele e o roteirista Ricardo Linhares elaboraram a série de suspense, com base no livro de Edney Silvestre que venceu o Prêmio Jabuti de melhor romance em 2010. Segundo o diretor, o desafio da adaptação foi criar um estado de apreensão. "É como eu prefiro trabalhar - eu gosto da direção que sugere, que trabalha subtexto, que gera atmosfera", conta.

O thriller psicológico, lançado pelo serviço de streaming Net Now em agosto do ano passado, estreia dia 8 no Globoplay e dia 15 na grade da TV Globo. A seguir, os principais trechos da entrevista.

O gênero da minissérie é thriller psicológico, certo? O que o atrai nesse gênero? É um thriller psicológico sim. Atraiu o desafio de fazer um thriller, já que ele utiliza uma atenção muito minuciosa do subtexto. Ou seja, ele não revela todas as informações nas falas que chegam ao leitor/espectador. Revela sutilmente pistas do que está acontecendo na trama. Às vezes, inclui pistas falsas. Esse gênero leva a audiência a ser obrigada a assistir aos episódios. Em outras palavras, você não revela a trama, mas atrai.

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É um jeito mais eficiente de manipular as emoções de quem assiste? Eu sempre gosto de abordar psicologicamente as situações. Se você quer atrair as pessoas que estão assistindo, criar um estado de suspensão (de descrença, quando o espectador aceita histórias ficcionais como realidade para apreciar a obra), o mais indicado não é mostrar o que está acontecendo, mas sugerir. A sugestão nos leva a uma condição psicológica em que não vemos mas imaginamos o que está acontecendo. É como eu prefiro trabalhar - eu gosto da direção que sugere, que trabalha subtexto, que gera atmosfera, gera um estado de apreensão.

Esse gênero está em alta hoje em dia. Concorda? Estamos vivendo um mundo em que as pessoas têm acesso a filmes e séries por diferentes plataformas e o streaming está cada vez maior. Então, até pela diversidade dos dias de hoje, você tem uma quantidade grande de obras - e especificamente obras de gênero, como thriller psicológico, thriller sobrenatural, thriller policial, drama psicológico. Se Eu Fechar os Olhos Agora é muito interessante porque é baseado em um livro. É muito desafiador. O livro já nasce com uma nobreza. E é um livro de um jornalista e escritor, é belíssimo. A trama acompanha um assassinato em uma cidade inventada que envolve vários personagens. Muitos deles supostamente podem ser suspeitos - e isso é uma coisa muito atraente. Todos são passíveis de terem cometido aquele crime, todos são parte daquela trama. Isso realmente foi um desafio que me atraiu: como contar isso?

Precisou tomar cuidados para retratar ou insinuar violência? Na verdade, apesar de a série ter violência, eu não diria que é uma série violenta. É uma série tanto para a grade de TV quanto para a internet. Na grade, você vai atrair um número de pessoas acostumada a assistir TV aberta. Também será levada ao público que assiste por streaming.

É necessário tomar uma série de decisões na hora de migrar isso de livro para tela. Que cuidados você precisou tomar para não "entregar" muitas coisas? Adaptar um livro é uma tarefa gigantesca, sem precedentes. A obra escrita já tem uma força imbatível, que é a força da imaginação do leitor. Ele lhe fornece a possibilidade de imaginar. O primeiro passo para dar conta da tarefa é ter uma boa adaptação. Decidir quem vai adaptar e como. Nesse caso, a nossa adaptação foi feita de maneira brilhante pelo (roteirista da série) Ricardo Linhares. Depois, quando se tem a sinopse e os episódios escritos, é preciso pensar em como se passa da palavra escrita para a palavra filmada. Se uma obra já está muito bem adaptada para roteiro, então a adaptação visual - os enquadramentos, como a câmera é suportada, como a vai ser a luz, etc. - tem que ser feita com muito cuidado para não atrapalhar. Para fazer com que um livro muito bem adaptado venha à tona em imagens.

Qual o grau de detalhe? Absolutamente tudo é muito pensado. Desde a paleta de cores que envolve o figurino dos personagens... Alguns personagens específicos até têm sua paleta própria. Além disso, você tem que planejar a paleta dos ambientes, a da época retratada. Tudo tem que fazer parte do que é chamado de sua bula. Para fazer sentido, ter a ver com a obra. Se a série se passa nos anos 1960, existem códigos próprios dessa década. As cores, a questão da câmera, dos atores... Tudo tem que conversar, fazer parte da mesma bula. Se não, acaba atrapalhando.

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Como contar uma história que se passa nos anos 1960? Já que você vai contar uma história inventada em uma cidade inventada, eu acho que a primeira coisa a fazer é retratar o que fazia parte da cultura dos anos 1960: o comportamento das pessoas, como elas se locomovem, caminham, falam... Enfim, tudo o que há em volta, os carros. Tendo isso de uma maneira crível, aí você acrescenta as coisas ficcionais. Mas sempre tem que incluir elementos que são verdadeiros, para fazer com que as pessoas acreditem naquilo. Elas precisam antes acreditar que a história está se passando nos anos 1960. Pela maquiagem, pelo figurino. Eu procuro mostrar a verdade da época. Agora, os personagens contribuem. São personagens muito bem construídos pelo Ediney e muito bem adaptados pelo Ricardo. E há também alguns que o Ricardo inventou. Ele transformou esse livro em uma série de 10 episódios. Tem que acrescentar e tirar elementos, mas sem perder a essência da história.

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A série aborda temas como racismo, intolerância e mulheres à frente do seu tempo. Como isso é feito? Não tem nenhum cunho político. Mas a história aborda uma sociedade que, se você parar para pensar, constata que muito pouca coisa mudou da época retratada para cá. Temos uma cultura que é cíclica. Ainda estamos falando sobre igualdade de mulheres e homens... em 2019. Esse tema faz parte da sociedade hoje e fazia nos anos 1960. Está por trás dos personagens. Essa questão está lá porque faz parte dos anos 1960. Até hoje.

Então, ao falar sobre isso em 1960, fala-se sobre isso agora? Sim, exatamente, a gente vive isso até hoje.

Acha que existe uma responsabilidade de se relatar conflitos com essa temática? A arte não tem só essa responsabilidade. Ela hoje em dia se dedica muito a denunciar coisas assim, colocar no debate, fazer com que a gente pense mais nessas questões. Eu acho que não necessariamente se deve seguir essa linha, não acho que isso seja uma missão. O que faz uma obra se tornar universal é a qualidade da cultura e a linguagem, a maneira como é contada.

Você já trabalhou com o diretor de fotografia Christopher Doyle, que é visto como um dos maiores mestres da área. Como foi essa experiência? Fui contratado por mais de dois anos por uma produtora de Los Angeles que trabalhava com cinema e propaganda. Fiz um trabalho com o Doyle que foi um prazer, já era fã dele. Todos os diretores de fotografia têm a sua característica. Ele é o mais premiado do mundo. Nesse caso, ele me trouxe uma coisa completamente diferente - é um australiano que morou décadas na China, trouxe uma cultura muito interessante. É sempre bom poder trabalhar com um parceiro que tem experiências muito diferentes das suas.

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Todas essas novas plataformas para se consumir conteúdo televisivo e audiovisual pela internet mudaram a sua rotina de trabalho? Olha, é diferente do cinema. Também se afasta um pouco das novelas. O que tem uma rotina de trabalho muito específica é o formato de séries de mais de uma temporada. E a forma das costuras dos personagens e do arco dramático varia, igualmente. A condução também é diferente, já que você está entregando a primeira temporada quando se está começando a filmar a segunda.

Há mais de dez anos, o diretor David Lynch se posicionou contra o hábito - que estava surgindo - de se assistir a filmes no celular. O que acha de quem assiste a filmes e séries executados de forma tão minuciosa no smartphone? Quando você passa por um aeroporto, vê um grupo de amigos, cada um com um celular, vendo séries. É muito curioso, a plataforma está crescendo. Eu acho que uma coisa não substitui a outra. Vamos conviver com esses diferentes formatos. Em um papo civil com você: sempre vai ter gente que vai querer ver na televisão. Estamos vendo a diversidade de formatos, não vai ter uma unanimidade.

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