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Cultura, comportamento, noite e gente em São Paulo

'A liberdade de expressão é direito maior, mas há limites', diz Carlos Ayres Britto

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Por Paula Bonelli
Atualização:

O ministro aposentado do STF Carlos Ayres Britto. Foto: Tereza Sá

Passados nove anos da sua despedida do Supremo Tribunal Federal, Carlos Ayres Britto não se afasta de seu exemplar da Constituição e sempre a consulta quando discute justiça - e a cada vez reafirma sua convicção de que a liberdade de expressão, ali detalhada, é um dos direitos essenciais da vida do País. "Sem ela, a personalidade humana se esboroa, se desmilingue... mas há limites".

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Essas delicadas fronteiras da comunicação dirigida ao público amplo são aqui destrinchadas pelo jurista por conta do caso do apresentador Bruno Aiub, o Monark, que defendeu há poucos dias, no YouTube, a criação de um partido nazista no Brasil.

Após essa conversa, ele acabou sendo demitido do podcast Flow. Atualmente, Ayres Britto dá aulas de doutorado na Uniceub e trabalha em seu escritório em Brasília, onde vive há 19 anos. É autor de dez livros, cinco de Direito e cinco de poesias, além de mais de 100 artigos jurídicos. Confira a seguir a entrevista feita por videoconferência pela repórter Paula Bonelli.

A liberdade de expressão e de organização, como tratadas na Constituição, podem incluir a defesa de teses nazistas e racistas?

Na Constituição, para mim, o maior de todos os direitos substantivos é a liberdade de expressão. Somos livres para expressar a nossa atividade de conteúdo artístico, científico, intelectual ou comunicacional. Sem a liberdade de expressão, a personalidade humana se esboroa, se desmilingue. Mas há limites. Quem extravasar o campo de atuação legítimo e invadir indevidamente o espaço de terceiros, ferindo a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem, vai responder pelos excessos cometidos. Mas não dá para amordaçar, colocar um zíper e cadeado na boca de ninguém. O nazismo é um atentado ao Estado Democrático de Direito. Isso está na Constituição no artigo 5.º, inciso 74: constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados civis ou militares contra a ordem constitucional.

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Como analisa o caso do Monark?

Ele incorreu em nazismo e em atentado à democracia, não é isso? Eu nunca dou uma resposta categórica para enquadrar logo as coisas no tipo legal, gosto de reunir os elementos, repassar o vídeo, ver em que circunstâncias a protagonização humana se deu porque eu sou juiz ainda de cabeça. Eu saí do Supremo mas o Supremo não saiu de mim. Continuo vendo as coisas buscando a imparcialidade, a isenção, a objetividade.

O presidente Bolsonaro associou a vacina contra a Covid à Aids e também divulgou detalhes de uma investigação da Polícia Federal em live. Acha que algo deveria ter sido feito pelo procurador-geral da República que não foi feito?

São cinco inquéritos em andamento, a começar pelo das fake news. Não posso dizer que não foi feito porque ainda está em tempo de fazer. Acho que os fatos são muito recentes e que o Ministério Público pode, de modo cuidadoso, estar tomando essas providências. E é crime o funcionário público divulgar informações sobre fatos de que teve ciência em razão do cargo e fatos acobertados por sigilo.

Há uma preocupação com a questão das fake news nas eleições. Como traçaria um limite entre liberdade de expressão e fake news?

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A liberdade de expressão tem que ter um conteúdo artístico, intelectual, científico, concatenação de ideias. É reducionismo tacanho identificar fake news como liberdade de expressão. As fake news não são liberdade de expressão.

O STF tem sido intervencionista na política?

O Supremo, como característica central, não tem sido usurpador de competências de outros poderes. O que ele tem sido, corretamente, é proativo. Não tem ido além do potencial normativo do direito, porque é proibido ir além, mas tem exercido, cumprido o dever de não ficar aquém. Graças ao Supremo, por exemplo, é que mais pessoas não morreram de covid - quando ele definiu que a competência em matéria de saúde pública, incluindo vacina, é de todos os entes federados e não apenas da União. l

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