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Cultura, comportamento, noite e gente em São Paulo

'A Copa é uma feira, cada país vende o seu produto'

Por Sonia Racy
Atualização:
 

Cético com a seleção de Dunga, Sócrates fala de seus planos: ser ator, escrever um livro e ajudar a "fazer uma revolução pela educação".

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Dr. Sócrates ainda é um craque. As pernas já não comandam os dribles nem os inesquecíveis passes de calcanhar mas seu talento, aos 56 anos, continua o mesmo quando avalia a frágil estrutura do futebol brasileiro ou os problemas da sociedade e da política. A quatro dias do início da Copa da África do Sul, o capitão da seleção de 1982 está fazendo as malas para lá - mas não para fazer gols. Vai representar o Brasil numa campanha da Fifa, apoiada pela ONU, voltada para a educação de gerações futuras.

A seleção de Dunga não o entusiasma: "Não temos um time equilibrado. Dependemos muito do Kaká, que não parece em boas condições físicas". Quanto à Copa, vê nela puro comércio: "É uma feira. Você mostra seu produto e tenta vendê-lo. Nada mais."

Longe dos gramados há mais de 20 anos, esse aquariano inquieto alça outros voos. Pretende, por exemplo, trabalhar como ator na montagem da peça Chapetuba Futebol Clube, mas sem abandonar seus comentários esportivos no Cartão Verde, da TV Cultura, e em uma emissora de Ribeirão Preto, onde mora.

O ídolo da democracia corintiana dos anos 80, além de saber fazer gols, tem notável capacidade de colocar filhos no mundo: até agora são seis, com idades que variam dos 5 aos 35 anos. Escolheu o nome apenas do mais novo, Fidel, chamado carinhosamente de Fidelzinho - homenagem ao líder cubano e uma forma de reforçar sua crença na transformação da sociedade pela educação. Sócrates não está casado, mas se diz apaixonado por um novo amor. A seguir, os principais trechos da entrevista.

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No passado a torcida sabia escalar toda a seleção e vibrava com ela. Nesta Copa que começa na sexta, a maioria nem sabe quem vai jogar. Foi a Copa que perdeu o brilho? A Copa do Mundo não é um torneio de futebol. É uma feira, que acontece a cada quatro anos. Você vai lá, mostra o seu produto e tenta vendê-lo. Nada mais do que isso.

Você vai para a África do Sul? Sim, esta semana. Mas volto antes da abertura do mundial. Vou participar do lançamento de uma campanha internacional da Fifa voltada para a educação das próximas gerações. Terei a honra de ser o embaixador brasileiro dessa causa. Lá, os representantes de todos os países terão ainda um jantar com o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, que abraçou a causa.

Acha que o Brasil tem boas chances de conquistar a Copa? O Brasil não é superior a ninguém e deve enfrentar problemas. A equipe depende muito do Kaká, que não está em um bom momento. Nem sei se ele vai conseguir jogar com 100% da sua capacidade. A convocação foi desequilibrada. Levamos muitos jogadores para destruir e matar as jogadas.

Quem ficou faltando? Ganso, Ronaldinho Gaúcho e Alex não poderiam ter ficado para trás. Não tem outro jogador igual ao Ganso no Brasil. Ele faz o time jogar. Seria, tranquilamente, titular do meu time.

E o Neymar? Não levaria. Tem estilo parecido com o do Robinho, ainda é um moleque e precisa amadurecer.

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Quais as seleções que podem ameaçar o Brasil? As equipes estão muito niveladas. Uma seleção que pode se destacar é a Espanha, mas falta nela um finalizador. O Fernando Torres precisa começar a jogar o que não jogou até agora. A Argentina também pode surpreender, basta que o Maradona monte um time em função do Messi. Se o Rooney estiver bem, a Inglaterra também tem chance. Outra boa aposta é a Holanda,

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A iniciativa da Fifa, de que você vai participar, tem algo a ver com os projetos sociais que você desenvolve em Ribeirão? Segue o mesmo direcionamento: investir na formação das pessoas. O Cauim é um cineclube que existe há de 30 anos em Ribeirão Preto. Lá reunimos cerca de 800 pessoas carentes em sessões gratuitas de cinema. É maravilhoso levar cultura para quem precisa, além colocar sob o mesmo teto o empresário, patrocinador do projeto, e o gari. Desenvolvemos ali, ainda, atividades de teatro, música e qualificação profissional.

Quem se envolve com projetos sociais trabalha sempre de olho no futuro. Quais são os seus próximos objetivos? Estou com duas coisas previstas: quero escrever um livro de ficção, em parceria com outros autores, sobre a Copa do Mundo de 2014 e montar com o pessoal do Cauim a peça Chapetuba Futebol Clube, do Oduvaldo Vianna Filho. E eu estarei lá, como ator.

Você sonha em ser ator ou é coisa de momento? Quero experimentar. Nunca atuei no palco. Só tive uma participação em Boleiros 2, do Ugo Giorgetti. E gostei.

Você ainda exerce a medicina? Só participo de projetos ocasionais de consultoria. Nada mais.

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Desiludiu-se da profissão? Não. Eu sou aquariano e a cada dia invento sempre coisas diferentes para fazer. Teve época em que eu adorava escrever, depois mudei para pintura. Quero sempre novidades para a minha vida.

Os dirigentes de futebol têm medo de você? O futebol brasileiro não tem medo de mim. Tem medo do médico. Eles não querem ninguém qualificado participando do processo. Pelo meu currículo, eu deveria trabalhar na seleção brasileira. Joguei duas Copa do Mundo, sou médico desportivo e tenho MBA em administração esportiva. Sou capaz de questionar a qualidade do trabalho de qualquer profissional ligado ao futebol, ortopedista, fisioterapeuta, roupeiro... No entanto, nunca fui convidado para nada.

Como médico, você cuida do seu corpo? Eu cuido da minha cabeça. Ela é mais importante que tudo, dela depende o resto. Se a minha cabeça não estiver funcionando direito, o resto não serve para nada. Se eu deixar de fumar, por exemplo, ficarei nervoso, estressado, não conseguirei nem ler. Quero ser feliz. Eu corro atrás disso.

Faz alguma atividade física? Caminho e às vezes jogo tênis. Por uma lesão mal curada no púbis, não consigo jogar mais do que cinco minutos de futebol.

Como analisa o seu perfil em comparação ao de Raí? Eu nunca me comportei como atleta, o Raí sempre foi atleta. Eu devo ter atrapalhado muito o meu irmão porque sou mais velho e estava na sua frente, agitando mais do que o normal no mundo do futebol. Não dá para nos comparar. E os resultados para mim não valem nada. Títulos e comenda não têm o menor significado.

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Você não participa ativamente da Fundação Gol de Letra, mantido e administrada pela dupla Raí e Leonardo? Estou começando, faço parte apenas do conselho da Fundação Gol de Letra. A iniciativa deles é voltada para a capacitação de pessoas que no futuro irão replicar seus conhecimentos para a sociedade. A partir do momento em que o projeto sair dos muros da fundação eu entro de cabeça na iniciativa. Aí é a macropolítica. Quero ser o ponta de lança da Fundação Gol de Letra e trabalhar numa revolução pela educação.

Já pensou em entrar na política? Por exemplo, candidatar-se a deputado federal? É pouco para mim. Eu quero transformar o País. Lá dentro não conseguirei fazer nada.

E as próximas eleições presidenciais? Não sou Dilma nem Serra. A minha opção mesmo seria o Ciro Gomes - alternativa que não existe. O importante é que o próximo presidente não perca os avanços alcançados nos últimos anos. O Brasil hoje é um País muito mais respeitado e protagonista em diversas iniciativas. E com capacidade para captar cada vez mais investimentos. Isso é crucial para as áreas de infra-estrutura, educação, saúde e transporte. É preciso continuar a investir na formação de pessoas e em novos profissionais.

Por Gilberto de Almeida

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