No próximo fim de semana, você poderá ver (ou rever) um grande sucesso da Cia. Truks, a peça VOVÔ. Na entrevista que fiz esta semana com o diretor da companhia, Henrique Sitchin, e que está neste blog (procure mais abaixo), ele cita a crítica que publiquei por ocasião da primeira temporada, em agosto de 2002, e que depois reproduzi no meu livro Pecinha É a Vovozinha.
Reproduzo meu texto, para vocês avaliarem se querem ver o espetáculo neste fim de semana. Fica em cartaz no sábado (dia 20) e no domingo (21), às 16 horas, na Funarte (Alameda Nothmann, 1.058, Campos Elíseos), tel. 3662-5177. Grátis.
Lá vai minha crítica:
Cidade Azul, O Senhor dos Sonhos, Contar até 10. Desde 1990, um espetáculo
após outro, a Cia. Truks de Animação, da Cooperativa Paulista de Teatro, vem
colecionando prêmios e conquistando o público no cenário minguado do teatro
infantil de qualidade em São Paulo.
Vovô é a mais recente maravilha produzida pela trupe do autor e diretor Henrique Sitchin.
Centrada na vida de um imigrante no Brasil, em meados do século passado, a
peça privilegia temas fundamentais para a formação psicológica de uma
criança, como a força inevitável da passagem do tempo e a necessidade vital
de se transmitir histórias de geração a geração. A inteligente estrutura do
espetáculo, aliás, segue, ela própria, a linha de uma história oral bem
contada, com direito até a uma introdução. Uma galinha e uma vaca surgem em
cena para familiarizar a garotada com a estética dos bonecos que se seguirá
durante todo o espetáculo. E, logo de cara, entra o humor do primeiro
bordão: “Você não é o meu avô”, diz, repetidas vezes, a narradora.
O texto, diga-se, é espertamente construído com base na repetição de algumas
frases, forma astuta de enredar o público, mas que pode resultar inútil se
não for um recurso usado com sutileza. Aqui não é o caso. Os bordões
funcionam com graça e na medida certa. O personagem do
vovô, por exemplo,
interrompe mais de uma vez a narradora para dizer: “Esse pedaço da história,
eu é que quero contar.”
Uma das cenas mais singelas é a do namoro do avô com a avó no alto de uma
árvore. A mesma cena poderia ter sido feita de várias formas, mas a
escolhida é inusitada, anticonvencional, sem abandonar a poesia própria de
um namorico de antigamente. O piano insistente da trilha sonora talvez seja
meloso demais e incomode os mais puristas, aqueles que acham que a música
não deve forçar a emoção das cenas (como acontece muito nos filmes da
Disney, por exemplo). Mas, em
Vovô, tudo é tão azeitado que esse detalhe da
trilha sonora não chega a atrapalhar.
Há um achado de mestre, quase no final: o recurso de voltar ao que já foi
contado pelo avô e pela narradora e repassar tudo em forma de desenhos, num
pano comprido, que desliza pelo cenário. Cada cena do espetáculo é desenhada
e revivida sem palavras, sem bonecos. De novo, a inteligência da montagem dá
o tom, pois trata-se de uma referência crucial ao fato de que toda criança
adora que se conte e se reconte várias vezes a mesma história. Fazer essa
espécie de resumo das cenas, essa repetição pedagógica, acontecer com outra
linguagem (a do desenho) – e uma linguagem complementar à que foi
apresentada (a da animação) – significa mostrar ao público mirim as
variações possíveis dentro das linguagens artísticas. Isso é de uma riqueza
sem valor estimado para a formação de público. É ser ‘instrutivo’ no palco
sem a menor sombra de chatice ou de catequese. Nota dez para a Cia. Truks e
essa sua preocupação constante em não fazer concessões às facilidades do
teatro ‘educativo’ tatibitate.
E o final, bem, o final é muito bem arquitetado. É ver para crer. A
companhia poderia ter sido explícita e, já que o tema da peça é a passagem
do tempo, poderia mostrar a morte do avô e o sofrimento dos netos, com
lágrimas, mais lágrimas, etc. etc. A platéia se emocionaria e seria
cumprida, com certeza bem, a importante tarefa de se falar desse tema
difícil de abordar em espetáculos infantis. Mas, não. A Truks mais uma vez
não quis ser fácil. Emociona, só que de forma diferente. A morte está ali,
sim, naquele final surpreendente, mas em forma de vida, porque, afinal, não
existe uma sem a outra – e as crianças, assim como muitos adultos bem
crescidinhos, precisam lidar com isso para virarem seres humanos completos.
Vá aprender sobre vida e morte com
Vovô, da Cia. Truks.
Não vai estragar a surpresa final revelar que uma das últimas frases do
espetáculo é: “Espero que todos vocês sempre tenham boas histórias para
contar!” Vale a pena repetir a frase aqui, para desejar que a Cia. Truks
também sempre tenha boas histórias para contar no teatro.
Vovô é mais uma
prova de que ganharemos todos se desejarmos vida longa para essa companhia.