CINCO ENTREVISTAS COM CINCO TALENTOS DO TEATRO INFANTIL E JOVEM - PARTE 1: O DIRETOR E AUTOR LEONARDO MOREIRA

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Por Redação
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LEONARDO MOREIRA, entrevistado pela direção e autoria do espetáculo jovem Cachorro Morto

 

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QUEM É LEONARDO MOREIRA: Tem 27 anos e nasceu em Areado-MG. Formou-se em Artes Cênicas pela USP. Em 2007, junto a um grupo de jovens atores, criou a Companhia Hiato. Por Cachorro Morto, foi apontado como um dos novos autores em destaque da cena paulista. Atualmente, além de dirigir um espetáculo em Buenos Aires, trabalha na criação de roteiros para a televisão e prepara uma peça infantil, Gente e Monstro.

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SERVIÇO DA PEÇA: Teatro Imprensa (48 lug.). R. Jaceguai, 400, 3241-4203. 3ª e 4ª, 21h. R$ 20. Corra, só mais dois dias: Até 26/5.

 

A  ENTREVISTA:

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Seu espetáculo, Cachorro Morto, além do público adulto que gosta de teatro, tem atraído a platéia jovem de forma incrivelmente bem-sucedida. Qual o segredo para levar jovens ao teatro?

Leonardo Moreira - Essa resposta tão bem-sucedida do público jovem tem sido uma surpresa maravilhosa, porque o espetáculo nunca foi pensado para um público ou uma faixa etária específica. Não sei qual é o segredo, mas tenho a impressão que Cachorro Morto tem um apelo juvenil forte porque há uma narrativa linear clara, uma história envolvente sendo contada, mas de forma múltipla e dinâmica. Conversando com o público adulto, percebo que há um envolvimento com a trajetória da personagem, com o drama familiar. Já com o público jovem, há um envolvimento com a estrutura do espetáculo, com a multiplicação dos personagens pelos cinco atores e o humor dos diálogos. Há outro fato determinante também: um dos livros que inspirou a peça foi lançado simultaneamente para adultos e pré-adolescentes (em duas edições, apenas com capas e divulgações diferentes). Isso faz com que a linguagem da peça seja ao mesmo tempo concisa (já que é estruturada a partir do ponto de vista de um autista) e profunda. Acredito que a identificação dos jovens com a peça acontece tanto por uma camada linear - uma história sendo contada - como por uma camada múltipla e que corresponde ao ritmo de acesso a informações a que está acostumado.

A temática das diferenças parece atraí-lo muito como artista. Por quê?

Leonardo Moreira - Atualmente, esse é o tema que mais me atrai e intriga. Até mesmo o nome da companhia que formei com os atores de Cachorro Morto remete a isso: Hiato. Porque é exatamente o que eu me pergunto o tempo inteiro: qual a distância entre o que eu digo e o que você entende/quer entender do que eu disse? Qual o tamanho da lacuna que existe entre a minha experiência e a linguagem? O que eu consigo expressar da minha experiência? E, para responder a essas perguntas, eu tenho que considerar que existem outras formas de perceber o mundo além da minha. E isso me faz voltar ainda mais e perguntar: como percepções de mundo, comportamentos, formas de pensamento podem ser consideradas adequadas ou inadequadas, se elas são únicas? Acredito que transformar isso em espetáculos é uma forma de, mais do que responder, compartilhar essas perguntas. No caso de Cachorro Morto, o espetáculo partiu da minha experiência pessoal, da minha "inadequação", a minha "diferença" durante a infância e pré-adolescência e de como isso determinou a minha forma de perceber o mundo. E esse tema volta agora, dessa vez direcionado às crianças, num espetáculo infantil que estamos criando (e que deve estrear no segundo semestre): Gente e Monstro.

Conte alguma reação da plateia (preconceito, emoção, aversão...) que tenha marcado durante a temporada de Cachorro Morto.

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Leonardo Moreira - Como o espetáculo está há quase dois anos em cartaz, em locais diferentes, viajando pelo interior, tivemos respostas muito diferentes. A primeira apresentação que fizemos foi para um grupo de autistas e seus familiares (que tinham contribuído com nossa pesquisa). Enquanto os pais estavam emocionados com o espetáculo, as crianças tinham um envolvimento muito diferente. Há uma cena em que um dos atores diz "eu tenho um mapa". Nesse momento, um menino com Síndrome de Asperger na plateia grita: "Mãe, cadê meu mapa? mãe, cadê meu mapa?" e permanece assim até que a mãe lhe entregue o mapa. Em outra apresentação, havia um jovem que, a cada diálogo da peça, repetia "nossa!" Uma vez, um senhor veio conversar conosco, dizendo ter se emocionado muito porque recentemente (aos quase 50 anos) tinha descoberto ser Asperger. É muito curioso que é possível perceber um movimento diferente na plateia quando há familiares e pessoas envolvidas indiretamente com a síndrome: os familiares se emocionam muito e frequentemente vêm conversar conosco, compartilhar suas experiências.

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Você e o elenco dialogaram com jovens e crianças atendidos pela AMA (Associação de Amigos do Autista), como preparação para o espetáculo. Como foi essa experiência?

Leonardo Moreira - Foi uma experiência incrível! A AMA gentilmente abriu suas portas e nos deixou conhecer sua metodologia, os estudos, as crianças atendidas por eles, os professores, os pais e até adolescentes que, mesmo não sendo mais atendidos, continuam a frequentar a AMA. Foram muito gratificantes e enriquecedoras todas as visitas que fizemos. Sempre saíamos de lá modificados, com muitos questionamentos quanto à melhor forma de se tratar de um tema tão delicado, com uma carga emotiva tão grande para os pais e familiares, sem ser assistencialista ou, pior, preconceituoso ao apontar a diferença. Por isso, nunca nos excluímos da diferença. Embora os atores tenham observado muito as crianças, embora a dramaturgia use momentos e diálogos que realmente aconteceram nesses encontros, sempre tentamos nos incluir na diferença. Tentamos nos perguntar: o que me faz diferente? Quando e como eu seria autista? E esse processo de descobertas é contínuo, porque muitos psicólogos, pedagogos, familiares de autistas têm nos visto e conversado conosco, ampliando ainda mais nossa percepção do assunto.

Como é seu processo de lidar com atores jovens? Quais as facilidades e as dificuldades de dirigir um elenco ainda inexperiente?

Leonardo Moreira - Todos nós, da Companhia Hiato, temos quase a mesma idade (de 26 a 28 anos) e compartilhamos nossas inexperiências: Cachorro Morto foi minha primeira direção. Em nossos dois espetáculos até agora, cada processo foi muito específico: em Cachorro Morto, trabalhamos com matemática (improvisação de equações, divisões corporais no espaço, etc.) e com a pesquisa da Síndrome de Asperger. Em Escuro, trabalhamos com níveis de respiração, taxonomia de emoções (Darwin) e visitas a centros especializados em deficiências. Mas o que une esses processos é o posicionamento pessoal, meu e dos atores - diante da criação (até mesmo por isso os atores são chamados sempre por seus nomes). Nunca tentei assumir a postura de diretor-mestre, mas de um diretor que compartilha suas incertezas e escolhas com o elenco. E essa troca é o que nos une, que nos move a querermos continuar trabalhando juntos, fazendo as mesmas perguntas juntos. E eu só posso agradecer ao elenco pela confiança e generosidade desmedida e irresponsável em minha pouca experiência, por se entregarem ao trabalho sem receio, emprestando seus questionamentos à peça, seus nomes aos personagens, suas experiências pessoais à dramaturgia.

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