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'Verdades Secretas' ultrapassa todos os limites

Por Cristina Padiglione
Atualização:

Foi uma produção, como gostam de dizer alguns profissionais da própria Globo, com "padrão HBO".

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"Padrão HBO" é patamar acima de "padrão Globo", pelo menos no que diz respeito à safra de produções mundiais da grife americana, que se destacou com absoluta supremacia no Emmy Awards 2015, realizado há uma semana.

A produção do enredo de Walcyr Carrasco teria todas as condições de competir com grandes realizações mundiais do audiovisual, mesmo porque é absolutamente universal a história de um magnata afeito a garotas de programa que se casa com a mãe de uma menina que vira alvo de sua obsessão, tendo o cenário do falso glamour da moda como pano de fundo. A trama que envolve Angel, Carolina e Alex seria um romance atraente em qualquer lugar do planeta. É até possível que as transgressões feitas em cena esbarrem no moralismo conservador de vários países, mas a história, em si, é extremamente intrigante. Ouso dizer que foi a força do enredo que fez a plateia embarcar nas Verdades ditas ao longo da novela.

Além da questão estética e da performance do elenco, mérito da direção de Mauro Mendonça Filho, Verdades primou pela exposição de temas que só a TV fechada tem coragem de abordar aqui. Nudez, drogas (pó aspirado no canudinho da caneta, pedra no cachimbo, tudo sem filtro), aborto, bissexualidade, prostituição e, para finalizar, suicídio.

Verdades Secretas esteve mais para Verdades que Doem, Verdades Indiscretas, mas Secretas, sim, porque Proibidas, não só na TV, ao alcance da massa, mas Proibidas à medida que estão longe do repertório que abastece a conversa na mesa do almoço de domingo.

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Ninguém, além de quem já conhecia o envolvimento da enteada com o padrasto, comenta ou fica sabendo o que se passou com a doce Carolina (Drica Moraes). Matou-se. Não se toca no assunto. Não há causa de morte mais secreta que o suicídio. Fulano morre de acidente, de câncer, de AVC, do coração, de mal súbito, mas simplesmente morre, sem causa anunciada, quando tira a própria vida. A causa do suicídio é algo ainda mais secreto.

 Foto: Estadão

Apesar de o suicídio de Carolina ter sido amplamente divulgado por sites e jornais, antes do capítulo ir ao ar (odeio spoilers!), o público se surpreendeu com o homicídio praticado pela delicada Letinha/Angel (Camila Queiroz), cuja crise de choro diante da polícia nem despertou nos agentes os instintos de C.S.I. para uma breve investigação que, de cara, já detectaria a presença de sangue no piso do iate.Teve mais sorte que os Nardoni. E encerra a história com carinha de anjo, vestida de branco, feliz para sempre com herdeiro igualmente rico, mais jovem e mais bacana que o padrasto escroto, Alex (Rodrigo Lombardi), um "fdp" - sigla que Carolina nos fez o favor de pronunciar por extenso, pouco antes do tiro fatal.

A direção só melhorou o enredo. O corpo de Carolina estendido no chão foi visto do alto do vantajoso pé direito do apartamento de Alex, a filha agarrada à mãe, os longos cabelos sujos de sangue. O desespero. A dor.

Para compensar a tragédia, Visky (Rainer Cadete) e Lourdoca (Dida Camero) se jogam na noite, em grande estilo, num vale tudo de meninos e meninas, sem distinção de sexo para se divertir. As lágrimas de luto de Fanny (Marieta Severo) pelo michê Antony (Reynaldo Giannechini) logo são enxutas por um substituto do gênero, presente do fiel escudeiro Visky.

Antony, Maurice (que delícia, a interpretação de Fernando Eiras) e Giovanna (Agatha Moreira) foram os 'maus exemplos' que se deram bem, como na vida real. Foram todos para Paris, felizes, depois de desmontar o castelinho de Fanny, Alex/Carolina/Angel. Peso na consciência, afinal, é exclusividade para quem a tem.

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Verdades Secretas se encerra com a certeza de que é possível transgredir, ultrapassar limites e colocar controvérsias na mesa, sim, sem escamotear assuntos indigestos, porém necessários. A conjunção de fatores felizes, no entanto, da boa história contada, do texto à direção, passando pela performance do elenco, duração e horário de exibição, é quase um bilhete premiado, difícil de alcançar. Verdades ousou. E acertou.

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