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'Verdades Secretas': Nem toda nudez será castigada

Por Cristina Padiglione
Atualização:

foto: Alex Carvalho/Divulgação

 

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Transas sem caretas, sob iluminação quase artesanal, com fotografia muito além do padrão alcançado pela indústria televisiva, movimentaram as redes sociais durante a estreia de Verdades Secretas, a nova novela das onze da Globo, na noite dessa segunda-feira.

Mas não é o desfile de corpos nus protagonizado por Rodrigo Lombardi e Alessandra Ambrósio que há de cativar a plateia para a história ali contada. Antes mesmo que aquelas belas curvas se desenhassem na tela, Walcyr Carrasco já havia dado início à narrativa da história de Arlete/Camila Queiroz, a ninfeta que termina o capítulo sob o codinome adotado para o mundo a moda: Angel. O autor prepara o público para absolver o "pecado" que aguarda por Angel. Com pai que engana a mãe há oito anos, inclusive com outra família, a menina se muda com a mãe para São Paulo e, sem dinheiro, consegue bolsa de estudos em escola de riquinhos, graças à avó professora/Ana Lúcia Torre. Sofre bullying entre os novos colegas, pelo nome, pelo figurino, pelo cabelo e pelo R do interiorrr de São Carlos, quando vê sua expectativa de virar modelo se aproximar da realidade, nas previsões dos profissionais de uma grande agência de moda.

Ao contrário do que Walcyr Carrasco defendeu outro dia, há um grande público conservador sentado do outro lado da tela. O caso é que o autor tem sabido agradar esse nicho, sempre preparando o terreno para o choque a seguir. Essa doce menina, em poucos capítulos, será corrompida pelo tal Book Rosa e há de ceder à pressão financeira para fazer programas e ganhar bons cachês como "acompanhante", papel que em nada remete à tão invejada trajetória da musa de todas elas, Gisele Bündchen.

Enquanto atrai a torcida da plateia por essa garota, o diretor Mauro Mendonça Filho se esbalda nas arestas do horário para dizer a que essa gente bonita veio. A estreia de Verdades Secretas foi quase uma vingança da Globo aos limites impostos pela Classificação Indicativa à novela das 9, Babilônia.

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Não que a gente nunca tenha visto cenas de nudez na TV aberta, longe disso. Quando a novela das 9 ainda era chamada "das 8", veja só, muitos glúteos e seios foram trazidos para fora dos edredons e flagrados pelas câmeras. Mas faz alguns anos que o público cioso da presença de crianças na sala até horários cada vez mais tardios se incomoda com a exposição de sexo, drogas e maus hábitos na TV.

 Foto: Estadão

Agora, temos o histriônico mundo fashion personificado em Viscky, personagem de Rainer Cadete, que rodopia em coreografias felizes demais no meio do expediente, típico comportamento de quem vai da euforia à depressão profunda em questão de segundos. Sua gargalhada remete à de Tom Hulce, o Mozart no filme Amadeus. E, como o músico, guardadas as proporções, evidentemente, Vicky é tratado como um gênio do seu ramo. Tem feeling e olhar para descobrir talentos para a moda.

Walcyr Carrasco contestou que o público seja conservador porque ele, afinal, não só botou o beijo gay para quebrar, em plena novela das 9, como foi aplaudido pela massa. Foi muito hábil e é um mérito que ninguém há de lhe tirar. Antes do desfecho, soube preparar a plateia, como faz agora, com a concepção de uma família de comercial de margarina: o Anjinho/Thiago Fragoso (de novo, a imagem do anjo que agora é Angel, personagem capaz de aplacar os corações mais caretas) adotava uma criança, era traído pelo namorado/Marcello Anthony com a amiga/Danielle Winnits que eles escolheram como barriga de aluguel e revertia a maldade do divertido Félix/Mateus Solano, que no final se curva à falta de amor e compreensão do homofóbico pai/Antonio Fagundes, na sua velhice. Quem não torceria por um final feliz para esse par, com toda a cama preparada pelo autor?

É muito cômodo fazer análises depois que as coisas se mostram como se mostram, mas, comparando Amor à Vida a Babilônia, parece óbvio dizer que uma preparou seu universo para ser aceita no último capítulo, enquanto a outra botou, já na primeira semana, o pé na porta para escancarar questões que muita gente prefere trancar na gaveta a discutir em família.

Não se engane com os belos pelados da estreia. Eles são pura alegoria numa narrativa disposta a emocionar e a afastar o julgamento de Malafaias & cia. Embora chame atenção para as lindas cútis dos Gianecchinis, Ambrósios e Lombardis, o foco é a comoção em torno dos valores cultivados por aquela mãe/Drica Moraes junto à filha/Camila Queiroz, num mundo de falso glamour.

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O conservadorismo existe e está aí, organizado em boicotes sob todas as bandeiras, da novela ao comercial. É preciso habilidade para embalar conflitos em forma de entretenimento, de modo que nem toda a nudez seja castigada. Educar não é a função da novela, vá lá, mas, a aceitar o gosto médio como ele se apresenta hoje, sem disposição para ousar sobre temas mais espinhosos, só nos restarão produções bíblicas e infantis, quando não o pastelão da novela das 7. A variedade de temáticas e formatos é muito bem-vinda, daí algum esforço em não excluir outros horizontes.

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