No início dos anos 70, uma praga egípcia parecia assombrar a então emergente classe de proletários do rock n´roll. Assim como a burguesia havia ascendido ao poder dois séculos antes, os então marginalizados herdeiros de CHUCK BERRY passaram da condição de uma casta endividada e malvista na sociedade para o status de novos milionários - em um negócio que conheceria naqueles anos os primeiros reflexos do gigantismo que dominaria o show bussiness posteriormente.
Entretanto, com o bônus vem o ônus: ao mesmo tempo em que adquiriam fazendas e carros esportivos, os novos ricos tiveram de encarar a tal da praga: uma carga tributária pesada, sobretudo na Inglaterra. JETHRO TULL, LED ZEPPELIN e outros afortunados, tiveram de pedir arrego em outros países, tornando-se a primeira leva de exilados fiscais daquela década.
Com os STONES não haveria de ser diferente: em 1971 a banda corria o risco iminente de confisco de bens em razão de impostos não pagos. Segundo consta, o então empresário da banda, ALLEN KLEIN, havia desviado uma boa parte dos lucros da banda para empresas fantasmas e, claro, deixou de pagar os impostos. Para piorar de vez a situação, os STONES respondiam por quebra indireta de contrato com sua ex- gravadora, e haviam perdido o direito de arrecadação autoral de todo o seu catálogo anterior. Resumo: estavam à beira da falência.
Sem opção, a banda deixou a Inglaterra e foi morar na França, se espalhando ao longo do sul daquele País. O quartel general da banda passou a ser a residência de RICHARDS e ANITA PALEMBERG em uma mansão a beira mar em Nellcote. A vida da banda e de seus agregados respeitava ipsi literis a cartilha daqueles tempos: drogas, sexo, drogas de novo e um pouco de rock n´roll. Próximos ao epicentro da loucura daqueles tempos - a cidade de Marselha - os STONES viveram um período de alta rotatividade química e muita criatividade.
No porão-estúdio da casa de RICHARDS foi gravado o embrião daquele que seria, anos depois reconhecido com uma das obras máximas do grupo: "Exile On Main Street". Fundindo blues, R&B, country, soul e gospel, o disco é fruto de um esforço hercúleo: gravado em doze horas por dia em meio aos surtos de heroína do dono da casa, sem direção musical, em local sem ventilação, e com o pau quebrando por várias vezes, poderia ter sido a síntese do fracasso - e foi o oposto.
Digam o que quiserem: em termos de sonoridade blues, a melhor dobradinha dos STONES foi a parceira TAYLOR/RICHARDS. "Ventilator Blues", "Cassino Boggie" e as covers de SLIM HARPO, "Shake Your Hips" e "Stop Breaking Down" de ROBERT JOHNSON são a soma correta do som pesado do primeiro com o tradicionalismo do segundo: é gritante a diversidade de informações dentro de um mesmo estilo, passeando pelo jump blues, o boggie tradicional e o blues britânico no melhor estilo de CLAPTON (que aliás havia sido chamado para entrar na banda e recusou). As variações de pegada vem da sensacional "Tumbling Dice", do caos de "All Down The Line" e da malemolência da profana "I Just Want To See His Face"
O sabor do hard setentista está lá: como negar que bandas como AEROSMITH, STARZ, FREEWAY e outras quinhentas, não foram uterinamente influenciadas por riffs como os de "Happy", "Rocks Off" ou "Rip This Joint" ? E as baladas? O calor country suave de "Sweet Virginia", a veia Harlem de " Shine A Light", a sangria de "Loving Cup"...
"Exile" é uma dessa obras que é cercada de histórias fantásticas, gente fanática por ela, detratores e toda espécie de situação que atiça nossa curiosidade - por isso recomendo o documentário "Stones In Exile". É mais do que um disco, é um tratado de sociologia musical.
Lista de músicas:
- "Rocks Off"
- "Rip This Joint"
- "Shake Your Hips" (Slim Harpo)
- "Casino Boogie"
- "Tumbling Dice"
- "Sweet Virginia"
- "Torn and Frayed"
- "Sweet Black Angel"
- "Loving Cup" -
- "Happy"
- "Turd on the Run"
- "Ventilator Blues"
- "I Just Want to See His Face"
- "Let It Loose"
- "All Down the Line"
- "Stop Breaking Down" (Robert Johnson)
- "Shine a Light"
- "Soul Survivor"