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O vazio pleno de Patti Smith

Jotabê Medeiros

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Por Redação
Atualização:

"Banga", primeiro disco de canções originais de Patti Smith em 8 anos (desde Trampin', de 2004), tem canções dedicadas a Amy Winehouse e Johnny Depp. A capa é uma citação de um disco seminal de Neil Young, After the Gold Rush. Há referências intelectuais ao cineasta Tarkovsky e aos escritores Gogol e Bulgakov. Também tem como convidados o lendário guitarrista do Television, Tom Verlaine, e mais Jack Petruzzelli e os filhos de Patti, Jackson e Jesse Paris.

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Quem não conhecesse Patti Smith, pensaria que ela está em busca de turbinar sua música com alguns nomes hypados, mas é uma doce ilusão. É na canção-título, Banga, pontuada por uivos caninos, que está a chave da coisa.

Ela conta que se viu frente à canção-título após ler The Master and Margarita, romance do russo Mikhail Bulgakov. No livro, um cão senta-se junto a Pôncio Pilatos e dialoga com ele. Ela então desenvolveu seu tributo "ao cachorro mítico que esperou 2 mil anos para merecer uma canção".

Banga se converteu numa visionária junção de sua condição atual (de mulher cujos amores e cujas batalhas todas foram vividos e vencidas), artista em busca do equilíbrio entre o caos de suas memórias e a elevação espiritual de sua vitória. Johnny Depp toca guitarra na faixa. O disco é um emaranhado de referências, especialmente literárias. "As duas coisas que constantemente me inspiram são livros e viagens", conta a cantora.

Poeta, memorialista premiada, fotógrafa, compositora, cantora, ativista, Patti Smith ao mesmo tempo dispensa aditivos em sua arte. Já foi homeless em Nova York, conforme contou no livro Só Garotos.

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 Já se recusou aos principais rituais do comércio e da segurança artística. Ela transforma o excesso em essência. Gravado com sua banda de costume (o guitarrista Lenny Kaye, o baterista Jay Dee Daugherty e o baixista Tony Shanahan), no estúdio Electric Lady Studios (o mesmo onde ela gravou sua obra chave, Horses, o disco de estreia, de 1975), Banga parece um portal do tempo, entre passado e futuro de Patti.

 Foto: Estadão

O álbum surgiu durante uma viagem de Patti Smith à Itália (ela aparece no último trabalho de Jean-Luc Godard como ela mesma, no navio, na produção Filme Socialismo). Ela e seu guitarrista, Lenny Kaye, tiraram alguns fotos da viagem, e essas fotos são o ponto de partida do disco. "Ficamos naquele navio de cruzeiros para 3 mil italianos, fomos à Turquia, Alexandria, Grécia. A viagem é a coisa, não o filme de Godard", ela ponderou.

A viagem é a coisa. Por isso incluir no novo álbum uma reflexão sobre a viagem de Américo Vespúcio ao Novo Mundo em 1497 (Amerigo), um rock para o povo do Japão após os terremotos do ano passado (Fuji-San), uma balada em memória da cantora Amy Winehouse (This Is the Girl) e um acalanto meditativo sobre arte e natureza (Constantine's Dream), assim como uma canção de aniversário para seu amigo Johnny Depp (Nine).

Os japoneses experimentaram não somente um terremoto, mas um desastre nuclear", justifica Patti, sobre Fuji-San, que funciona como uma moderna canção de protesto, menos exacerbada no discurso, mais ponderada no formato, uma quase balada.

"Essa é a garota que berrou para ser ouvida", canta Patti Smith, no tributo a Amy Winehouse, solene homenagem de fundo pianístico para as belas garotas que pintaram os olhos apenas com um rastro de lápis negro, e que tornaram seu o vinho da casa.

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Há outra musa trágica sendo homenageada, a atriz de O Último Tango em Paris, Maria Schneider, na canção Maria. E a música Constantine foi inspirada num cartão-postal que continha uma figura de um conquistador de Dimitri Levas. Patti se alimenta de um universo que, assim como a projeta adiante, está fundado em estruturas sólidas de sua própria marca criativa. É um dos seus melhores discos.

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Mosaic ela define como "uma canção de amor universal", cantada com um lamento de Patti ao fundo, criando uma sensação de abstração que ela sugere equiparar a uma incursão da deusa Diana pela floresta, em busca de sua caça.

"O problema maior hoje é a insinceridade, e a espécie humana está ameaçada. Um dia, todo esse nosso meio ambiente vai entrar em colapso, e não vai adiantar debater conceitos. Nós, como seres humanos, temos a responsabilidade de passar por cima de tudo isso, pela sobrevivência do planeta. Eu sou, apesar de tudo, otimista", diz Patti.

April Fool (referência ao dia 1.º de abril, o Dia da Mentira), com a guitarra minimalista de Verlaine, o tom crepuscular, parece uma conversa circular de Patti com sua própria produção. Lembra um dos grandes poemas de Patti, no livro Witt, de 1973, que dizia: "Abril é o mais cruel dos meses, etc.

O que resta? Os ossos de Brian Jones, os amigos de Jim Morrison, a bandana de Jimi Hendrix". Sobrou ainda Patti Smith, que é um exército inteiro sozinha.

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