PUBLICIDADE

O mangue beat terminou com a morte de Chico Science - e não deixou saudade

Marcelo Moreira

Foto do author Redação
Por Redação
Atualização:

Indignação barata contra qualquer coisa costuma ser bastante engraçada - e fica mais engraçada quando o indignado fica cada vez mais bravo se for alvo de piadas e gargalhadas por conta de sua "indignação". E isso vale para todos os pseudointelectuais que adoram fazer discurso de boteco com teses sobre o nada.

PUBLICIDADE

Um desses resolveu fazer um discursinho desprovido de nexo em uma reunião de amigos em São Paulo não muito tempo atrás. Os amigos, todos eles, são roqueiros de bom gosto, e muito bem informados sobre o gênero, desde o classic rock até o metal mais extremo.

Só que um amigo de um amigo, desses que acham que estudar na USP é passaporte imediato para a intelectualidade, resolveu que iria dar uma aula de música e cultura aos "pobres ignorantes" após saber - e ficar indinado - que eu era o autor de dois textos no Combate Rock criticando o grunge e os Mutantes.

O cidadão, um daqueles revoltadinhos de shopping, não conseguiu terminar o palavrório por conta das gargalhadas gerais que provocou ao bradar que Kurt Cobain (Nirvana) e Chico Science (Nação Zumbi) eram gênios e que o tal mangue beat pernambucano tinha a mesma importância para o Brasil que o movimento grunge.

Isso me faz lembrar que 2012 marcará os 15 anos da morte de Science em um acidente estúpido de carro perto da divisa entre Recife e Olinda, em Pernambuco. Com certeza, assim como no caso dos 20 anos do grunge, surgirão textos e mais textos exaltando o tal movimento e o artista.

Publicidade

Eu até concordo na comparação entre grunge e mangue beat, só que em relação à falta de qualidade. Músicas ruins, bandas ruins, músicos com talento insuficiente, ou que o usam para fazer coisas ruins - exceto pelo guitarrista Lúcio Maia, que mostrou saber tocar o seu instrumento de modo satisfatório. Igualzinho ao movimento de Seattle, tanto que o mangue beat não durou, para a sorte de nossos ouvidos.

Chico Science não era um moleque perdido e sem noção do que ocorria no mundo. Era jornalista por formação e um homem inteligente. Suas entrevistas sempre eram interessantes e rendiam por horas e horas.

Ao mesmo tempo, era um cara simples, de hábitos comuns e desprovido de qualquer estrelismo asqueroso. Só que, diante de sua inquietude intelectual, achava que era realmente um revolucionário - embora nunca tenha reivindicado só para si os louros do sucesso momentâneo obtido pela Nação Zumbi.

O fato é que o mangue beat até foi novidade em um cenário de pobreza extrema na música pop nacional em meados dos anos 90, quando apenas os Raimundos mostravam um sopro de qualidade e inovação.

Só que ser uma novidade nem sempre basta. É preciso fazer música boa, e não apenas misturar um monte de coisas com barulhinhos eletrônicos irritantes em cima de letras sem pé nem cabeça.

Publicidade

PUBLICIDADE

O caráter supostamente revolucionário e a aura de suposta intelectualidade que envolvia Science, a Nação Zumbi e outras bandas semelhantes atraiu a atenção de grupelhos de pseudointelectuais em várias partes do Brasil, geralmente de esquerda, que abraçaram esses artistas como se fossem o máximo da contestação e o farol que iluminava o futuro da música pop brasileira.

A morte de Science antecipou o desmoronamento de um "movimento" que na verdade nunca existiu de fato. Foi soterrado por uma atração pré-fabricada, como os Mamonas Assassinas, e pela honestidade e simplicidade do rock pauleira dos Raimundos.

Assim como o grunge, o mabgue beat não passou de um suposto movimento passageiro, que não deixou saudades, a não ser em gente que se contenta com pouco.

Chico Science e o mangue beat tiveram alguma repercussão em meados dos anos 90, e talvez até mereçam alguma menção em enciclopédias musicais - provavelmente no rodapé de uma página, não mais do que isso.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.