Novo CD de David Bowie, para degustar aos poucos

EMANUEL BOMFIM - O Estado de S.Paulo

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Por Redação
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O despertar do silêncio profundo colocou outro ponto de interrogação na cabeça de todos: o que David Bowie teria a dizer? A carência de ídolos em nossos tempos relegou uma pressão inevitável ao astro britânico. No inconsciente coletivo, o novo álbum passou a representar uma espécie de salvação para um rock que hoje mingua perto do hip hop e da eletrônica. Deflagrado junto ao seu aniversário de 66 anos, no dia 8 de janeiro, o primeiro single We Are we Now? só aumentou a angústia, mas já dava pistas de um Bowie disposto a negociar com o passado vanguardista da época em que morou em Berlim, na Alemanha, e de onde fez nascer os clássicos Low (1977), Heroes (1977) e Lodger (1979). A capa trazia evidências ainda mais explícitas, ao estampar um quadrado branco sobre a imagem da arte de Heroes.   Anunciado para 11 de março, The Next Day logo virou obsessão. A pré-venda no iTunes disparou. Todos queriam David Bowie, mesmo sob o enigma de novas canções trabalhadas às escondidas por dois anos e meio, em um estúdio caseiro. Neste hiato, encerrado anteontem, quando o streaming do disco foi disponibilizado no iTunes, deu tempo para os fãs realimentarem a empolgação contida desde o começo do ano. No dia 26 de fevereiro, o músico divulgou o segundo single, The Stars (Are Out Tonight), acompanhado de um clipe não menos sensacional - que traz a participação da atriz Tilda Swinton. Enfim, o mistério acabou. Antes na vitrine, agora as 14 faixas inéditas estão na mesa para ampla degustação. Como num raro banquete, é bom ir com calma. The Next Day certamente é um conjunto de sabores distintos, que merecem ser apreciados com a fome de quem já está cansado do trivial. Ao tocar o paladar pela primeira vez, o diagnóstico corresponde ao frisson inicial: David Bowie está em grande forma. Ainda é cedo para aplicar juízos definitivos, como se clássicos virassem clássicos ainda no berço. Há de se respeitar o tempo de dispersão, deixar o som dialogar com o interlocutor e, a partir daí, assumir seus significados múltiplos e encontrar seus pares. A cautela não impede de afirmar que o álbum está entre os seus grandes. Produzido pelo parceiro de longa data, Tony Visconti, The Next Day é, essencialmente, um disco de rock. Guitarras musculosas são sentidas a todo momento e sustentam um trabalho vigoroso, de arranjos épicos, sonoridade metálica e lirismo contundente. Será uma pena se Bowie não fizer um par de shows a bordo dessas novas músicas. Na abstração desempenhada com exuberância pelo cantor, existe um diálogo com facetas de sua produção setentista, breves revelações de teor autobiográfico e um amplo comentário sobre um mundo doente. Ao se conectar com o passado, Bowie atira para o presente: I'd Rather Be High e How Does the Grass Grow falam com sarcasmo peculiar sobre a guerra e o ofício de matar. Já The Stars (Are Out Tonight) reflete sobre o lado obscuro das celebridades.

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