Maestro e gênio do teclado, Jon Lord trouxe novos sons ao rock

Marcelo Moreira

PUBLICIDADE

Foto do author Redação
Por Redação
Atualização:

O tecladista Jon Lord sempre foi um músico ambicioso. Homem inteligente e culto, amante de música erudita e de concertos para piano de compositores como Beethoven e Bach, imaginava que conseguiria fazer sucesso indo além do rock que se fazia no mundo nos anos 60. Quarenta anos depois, ele reeditou sozinho, sem a banda que criou e o ajudou, o Deep Purple, o que ele considera o grande trabalho de sua carreira, o "Concerto for Group and Orchestra".

PUBLICIDADE

Prevista para ser lançado em setembro, a reedição terá a participação também da Royal Liverpool Philarmonic Orchestra, desta vez conduzida por Paul Mann, o mesmo que foi responsável pelos shows de 1999-2000. Infelizmente, o tecladista e maestro não estará pesente para esta ceclebração.

Sua morte aos 71 anos, de embolia pulmonar em consequência de um câncer no pâncreas, deixa em aberto uma obra de qualidade inigualável dentro do rock e dentro da música erudita contemporânea.

 Desde que descobriu a doença, há dois anos, parecia que tinha uma urgência em terminar seus projetos em andamento, tanto que nos dois últimos anos lançou dois álbuns ao vivo com orquestra, com uma banda de amigos e com o fantático grupo de blues Hoochie Coochie Man. A nova versão de  "Concerto for Group and Orchestra" seria a cereja o bolo de uma fase extremamente prolífica - e que, ao que parece, Lord imaginava que seria curta por conta da doença

Aposentado do Deep Purple desde 2001 e em meio ao tratamento, chamou amigos como Bruce Dickinson (Iron Maiden), Steve Morse (Deep Purple) e o blueseiro Joe Bonamassa, além de músicos eruditos russos e búlgaros que o acompanham em seus shows solo para a nova versão do clássico de Deep Purple de 1969.

Publicidade

 Quem acompanhou os trabalhos afirma que nunca vira o tecladista tão exausto, embora estivesse muito feliz e satisfeito. "O tempo me foi generoso. Nunca estive tão ocupado comonos últimos três anos, só que agora me sinto realmente produtivo, é estimulante. Gostava de tocar e excursionar com o Deep Purple, mas com o tempo se tornou cansativo demais", disse em uma entrevista à BBC londrina em dezembro do ano passado. 

 Foto: Estadão

Ambição

Embora meio fora da turma naquela década de 60 por ser um músico erudito e mais velho, Jon Lord admirava a garra e a disposição dos garotos como Rolling Stones e Who, bem como a audácia do Pink Floyd e do Moody Blues, e reverenciava a reviravolta que os Beatles deram na carreira com os álbuns "Revolver" e "Sgt. Peppers Lonely Hearts Club Band", que achava excelentes.

Entretanto, quase chegando aos 30 anos de idade e praticamente sendo um maestro, imaginava-se fazendo algo novo e mais "avançado" no rock e na música popular, bem diferente do que se fazia na Inglaterra pelos meninos - era mais velho do que todos, até mesmo do que John Lennon, embora mais jovem do que Bill Wyman (Stones) e John Mayall.

E foi na companhia de um gênio inquieto e irascível, o monstro Ritchie Blackmore, que Lord montou o Deep Purple em 1967 áós uma rápida excursão à Alemanha para traduzir as suas peças que misturavam diversas influências pop e eruditas.

Publicidade

Os três primeiros álbuns da banda tiveram desempenhos apenas razoáveis nas paradas e nas vendas, mesclando música de vanguarda, um pé no pop norte-americano e um rock progressivo dominado pelas linhas intrincadas de teclado de Lord e pelas melodias etéreas e criativas.

PUBLICIDADE

A grande chance

Quando Blackmore deu um ultimato para que houvesse uma mudança de rumo, incluindo a troca de vocalista e baixista (Rod Evans e Nick Simper, respectivamente), Lord achou que era a hora de dar a tacada final em seu projeto grandioso de elevar o rock à categoria de arte e misturar música erudita com o pop, indo além do que o rival Keith Emerson estava fazendo com sucesso no The Nice.

Blackmore topou dar mais uma chance e o maestro comandou as gravações do magnífico - e incompreendido - "Concerto for Group and Orchestra", lançado em 1969 já com as presenças, ainda que tímidas, de Ian Gillan (vocais) e Roger Glover (baixo), ambos vindos do Episode Six.

 

Publicidade

 Foto: Estadão

A Royal Philarmonic Orchestra de Londres, que acompanhou o grupo, foi regida pelo maestro Malcolm Arnold, sob as orientações de Lord, autor da parte final do álbum, gravado no Royal Albert Hall, que constava de trës movimentos - "First Movement: Moderato-Allegro", "Second Movement: Andante" e "Third Movement: Vivace-Presto", com letras de Gillan.

O álbum duplo ainda continha uma obra de autoria de Arnold, a "Symphony nº 6", e ainda os três primeiros rocks gravados por Ian Gillan com o Deep Purple, "Hush", uma versão para um clássico de Joe South, "Wring that Neck", um instrumental da época que Simper ainda tocava, e o mega-clássico "Child in Time" ao vivo, com 12 minutos, que também estaria no álbum "In Rock", de 1970.

A crítica especializada em música erudita espancou o álbum, apontado suposta "falta de qualidade e ausência de senso estético". Os roqueiros apontaram o que chamaram de "arrogância, prepotência e ambição desmedida" para desqualificar a obra.

Foi a deixa para que Ritchie Blackmore tomasse as rédeas do Deep Purple e o transformasse no gigante do hard rock dos anos 70, com a sua guitarra assumindo a condução dos trabalhos e das composições. Resignado, Lord aceitou a nova situação e contribuiu brilhantemente para alguns dos hinos do rock.

Com o final da banda, 1976, tentou montar um grupo de rock progressivo com o companheiro de Purple Ian Paice, o baterista mágico e polirrítmico. O baixista e guitarrista Tony Ashton se juntou ao grupo, que virou Paice, Ashton and Lord. O trio gravou um único LP e logo se separou. Contra a vontade, Lord ainda passou alguns anos no Whitesnake, a convite de David Coverdale, antes de ajudar a organizar a volta da formação clássicoa do Deep Purple, em 1984.

Publicidade

Celebração

Quando a obra completou 30 anos de lançamento, o Deep Purple, já sem Blackmore, decidiu voltar ao Royal Albert Hall e reunir-se novamente com a Royal Philarmonic Orchestra para celebrar a menosprezada e subestimada obra de 1969.

Gravado ao vivo, com público lotando o local e vários convidados, entre eles Ronnie James Dio e o cantor inglês Miller Anderson, rendeu um álbum ao vivo de sucesso e uma turnê mundial em 2000, que passou pelo Brasil. Em cada local uma orquestra foi especialmente preparada para acompanhar a banda.

Durante entrevista a uma emissora de TV brasileira, Lord declarou que aquela turnê era a melhor homenagem que ele, como músico, poderia receber.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.