A mais improvável das parcerias começou ano passado em concertos na Polônia e em Londres e rende agora um CD, lançado no mercado internacional pelo selo norte-americano Nonesuch: juntaram-se no mesmo palco o polonês Krzysztof Penderecki, de 79 anos, um dos mais respeitados compositores contemporâneos da atualidade, e o guitarrista Jonny Greenwood, de 40, integrante do Radiohead, o mais influente grupo pop da cena mundial.
Estamos diante de uma refinada conversa estruturalmente musical, uma situação de pai e filho artísticos. Algo na linha Karatê Kid, mestre adestrando aluno talentosíssimo. São dois pares de obras mestre-discípulo: Trenodia para as Vítimas de Hiroshima e a resposta de Jonny Popcorn Superhet Receiver em quatro partes; Polymorphia e 48 Respostas para Polymorphia.
Como isso aconteceu? O que teria levado o astro pop a apaixonar-se justamente pela música mais radical do compositor erudito que atualmente compõe música bem mais macia e 'friendly' para os ouvidos?
A história começa com a formação clássica de Greenwood e suas atividades paralelas às do Radiohead, assinando bem-sucedidas trilhas de cinema para Sangue Negro e Precisamos Falar Sobre o Kevin, entre outros filmes.
Continua com sua inesperada paixão pela orquestra, que qualifica como o maior instrumento musical da história da música (ele repetiu isso em entrevistas recentes, chegando a dizer que é preciso estar na sala de concertos para se dar conta da grandiosidade e do impacto de uma orquestra em ação).
Ele não diz, mas, cá entre nós, além da radicalidade das duas peças que o encantaram está também a história delas, que sem dúvida atiçou a imaginação do guitarrista.
Em seu momento mais radical, na década de 60 do século passado, o compositor polonês Krzysztof Penderecki escreveu uma peça para uma orquestra de 52 instrumentos de cordas e intitulou-a abstratamente 8'37, referindo-se ao tempo que dura sua execução.
Na estreia em concerto, Penderecki teve a mesma reação de um espectador que assistiu ao vídeo há dois meses no YouTube: "Dá medo." E por isso, decidiu colocar-lhe um título que a tornou quase imediatamente célebre: Trenodia para as Vítimas de Hiroshima. Trenodia quer dizer "canto fúnebre". Pegou bem demais.
Este episódio é hoje pouco lembrado. Nem Penderecki deve gostar de falar sobre isso, porque é inevitável a sensação de uma atitude oportunista visando a chamar a atenção para a obra que só nasceu motiva pela pesquisa de sons. Ele repetiu a dose, radicalizou ainda mais na chamada maquiagem.
No ano seguinte, colocou eletrodos em pacientes de numa clínica psiquiátrica para registrar graficamente as ondas cerebrais dando conta das reações deles à audição de sua Trenodia. O passo seguinte era óbvio: levou a movimentação dessas ondas cerebrais para o papel pautado de música - e isso resultou em Polymorphia, também para orquestra de cordas.
"Gafanhoto" Jonny segue à risca os lances do grão-mestre polonês. Estimulado pelo lance das ondas cerebrais e sabedor que Penderecki é um apaixonado pelas árvores (possui mais de 9 mil espécies diferentes em sua propriedade rural na Polônia), ele escaneou uma folha de carvalho de seu jardim e reproduziu os contornos das nervuras em material musical.
Villa-Lobos foi o primeiro a usar o truque em 1939, com sua New York Skyline, em que a linha melódica reproduz o contorno dos arranha-céus da Big Apple.
Só que a música de Penderecki tem voltagem muito maior, qualidade de invenção superior, enquanto a de Greenwood fica muito devedora do próprio ídolo e também dos lances zen do estoniano Arvo Pärt.
Um exemplo dá a medida desta dependência: num lance magnífico, Penderecki conclui Polymorphia com um abrupto e inesperadíssimo acorde luminoso em dó maior empolgante. Isso depois de ter viajado pelo atonalismo, técnicas expandidas e incessante exploração de timbres nas cordas.
Pois Greenwood abre suas 9 respostas a Polymorphia com este poderoso (e convencionalíssimo) acorde de dó maior. O que era uma surpresa se transforma numa repetição enfadonha. Um crítico inglês lembrou até que este impressionante acorde perfeito final é igualzinho ao do final de A Day in the Life dos Beatles (composta cinco anos depois).
Alternam-se na regência da excelente Aukso Orchestra o próprio Penderecki em suas obras e Marek Mos nas peças de Greenwood. Mas atenção: a música de Greenwood está milhões de anos-luz à frente dos astros pop que em 99% dos casos tentam ridiculamente fazer música sinfônica. É música de respeito, de surpreendente qualidade de invenção.
Perde, é lógico, para estes dois clássicos contemporâneos de Penderecki. Mas joga este dificílimo jogo de invenção de igual para igual.