Chick Corea faz uma grande homenagem ao Return to Forever

João Marcos Coelho - ESPECIAL PARA O ESTADO

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Por Redação
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Nostalgia é palavra predominante num bate-papo entre três respeitáveis senhores músicos, todos com idade entre 60 e 70 anos. O clima retrô pode ficar ainda mais saliente se decidem relembrar os bons tempos. Afinal, nos idos de 1970, quando estavam entre os 20 e os 30 aninhos, eles aprontaram pra valer.

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 Dois deles - o pianista Chick Corea e o baterista Lenny White - participaram de gravações históricas com o trompetista Miles Davis. O terceiro, baixista Stanley Clarke, o caçula hoje com 60 anos, tocou com músicos notáveis, igualmente nas redondezas de Miles, como Joe Farrell, Art Blakey, Dexter Gordon e Gil Evans.

Habitualmente, estes reencontros redundam em pálidas clonagens. Não neste caso, felizmente. Quatro décadas atrás eles sacudiram o jazz com uma fórmula ao mesmo tempo inventiva e comercial. A ideia germinou na cabeça de Corea. Ele recém-saíra do trabalho com Miles Davis em In a Silent Way; e tocava no quarteto experimental Circle, ao lado de feras como Anthony Braxton, Barry Altschul e Dave Holland.

"Queria fazer algo vocal, fincar de novo o pé na terra", declarou Corea em recente entrevista. Tomava forma o grupo Return to Forever (RTF) em 1972, bem-sucedida e original mistura entre a eletrificação de Miles e a arte de dois pianistas de exceção: o swing do sumo-sacerdote do hard bop Horace Silver e as latinidades de Eddie Palmieri (seus ídolos de adolescência). Daí o uso extensivo que Corea fez do Fender Rhodes, tecladinho eletrônico que fez furor nos anos 70.

O baixo elétrico foi entregue a Stanley Clarke, companheiro no grupo de Miles, e o toque de classe quem deu foi a flauta de Joe Farrell; o vocal ficou com a brasileira Flora Purim, que trouxe a tiracolo seu marido percussionista Airto Moreira, mais um egresso do grupo de Miles.

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Bem, chega de história. Em 2009, Corea convocou Stanley Clarke e Lenny White. Chamaram o trio de Forever, em tributo ao grupo dos anos 70. Mais de quarenta shows depois, eles até gravaram um CD. Mas só agora o projeto Forever ganha forma definitiva no álbum duplo recém-lançado pela Concord no mercado internacional.

 Foto: Estadão

 No primeiro CD, o trio é acústico: Corea num Steinway de concerto, Clarke num contrabaixo convencional. É um daqueles momentos privilegiados na carreira deles. Plenamente amadurecidos, brilham em standards como On Green Dolphin Street, onde cada um realiza improvisos de alta voltagem.

Corea celebra seus ídolos de teclado, como Bill Evans (uma emocionante interpretação de Waltz for Debby, com direito a um solo de arrepiar de Clarke) e Thelonious Monk (Hackensack, com belo solo de White). De quebra, arrebentam ao evocar os anos 70, como Windows, No Mistery e Señor Mouse.

O segundo CD foi captado nos ensaios para um show em 2009 no Hollywood Bowl. Aqui o clima é outro. Corea pilota teclado eletrônico e Clarke o baixo elétrico em Captain Marvel. Alguns convidados completam o RTF sound. No vocal, Chaka Khan não faz sombra a Flora, mas não faz feio em High Wire - The Aerialist e I Loves You Porgy.

O guitarrista Bill Connors, que tocou no RTF, mostra que ainda é preciso, cortante (em Señor Mouse). Mas a estrela do segundo CD é o violinista francês Jean-Luc Ponty. Ele não integrou o RTF nos anos 70, mas estava próximo do grupo (gravou Armando's Rhumba no LP My Spanish Heart, de 1976).

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Hoje a caminho dos 70 anos, que completará ano que vem, Ponty nos põe no túnel do tempo. Aí todos encharcam-se de nostalgia, a partir da citada Armando's Rhumba. E o bailão retrô anos 70 continua com o violino eletrificado de Ponty reinando em Renaissance e no funkíssimo Space Circus.

Não deixa de ser curioso que o CD conclua com o trio nuclear retornando aos instrumentos acústicos para uma leitura ao mesmo tempo erudita e altamente carregada de emoção de um clássico de Corea, 500 Miles High. Ah, não é impossível escapar das raízes, deve ter refletido 'Don' Armando Chick Corea enquanto cofiava seus vastos bigodes atuais.

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