Arnaldo Antunes e suas reflexões existenciais

Lauro Lisboa Garcia - ESPECIAL PARA O ESTADO /RIO

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Por Redação
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Misto de rock com guitarrada do Pará, Ela É Tarja Preta (Arnaldo Antunes, Betão Aguiar, Felipe Cordeiro, Luê e Manoel Cordeiro) despontou com cara de hit, tocada duas vezes na virada de sábado para domingo no Circo Voador, onde Arnaldo Antunes fez o show de lançamento do álbum Disco, que chega ao Sesc Belenzinho na quinta e na sexta, depois de ter baixado em Salvador e Porto Alegre.

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Acompanhado de Edgar Scandurra (guitarra), Curumin (bateria), Betão Aguiar (baixo), além de André Lima (teclados e sanfona) e Estevan Sinkovitz (guitarra e violão), Arnaldo mesclou canções do novo disco com hits de diversas fases da carreira solo que resultaram em momentos de grande impacto sobre a plateia, participante em coro animado, como em Socorro, Saiba, Contato Imediato, Consumado, Fora de Si, quatro do ótimo álbum Iê Iê Iê (A Casa É Sua, Coração, Invejoso e Envelhecer), e, no segundo bis, canções do CD dos Tribalistas (Passe em Casa) e um clássico dos Titãs (O Pulso).

Desde os primórdios de seu grupo mais bem-sucedido - que ainda pulsa comemorando 30 anos de carreira com sangue renovado - o poeta Arnaldo provoca "estranhamento" ao senso comum, seja nas atitudes, na performance no palco ou na temática das canções.

No novo show, ele entra no escuro, iluminado apenas por uma lanterna que traz na mão direita, dizendo versos de um poema - Agora (Já Passou) -, que às vezes se repetem em fragmentos como se fossem de uma agulha enroscando nos sulcos de um disco e sob efeitos de ruídos eletrônicos.

Disco é um trabalho despretensioso do ponto de vista do mercado, porque foi surgindo aos poucos, com canções liberadas por ele no site oficial e sem o "conceito" de um álbum. O processo de criação e divulgação é inédito no trabalho do compositor. O show também, como ele próprio disse em entrevista, aconteceu de forma casual. Obviamente, isso não significa que haja qualquer resquício de desleixo. A produção é de primeira, com iluminação e videocenários de grande efeito e beleza.

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E mesmo que as canções "avulsas" atendam à demanda da geração MP3 de ouvir música aleatoriamente, há uma boa liga, especialmente no show, não só pela sonoridade e a personalidade do "cantautor", como pelos temas pertinentes abordados, como em Muito Muito Pouco (só dele) e Dizem (Quem Me Dera), parceria com Marisa Monte e Dadi Carvalho, ambas sobre questões existenciais contemporâneas.

Canções como essas, Trato (parceria com Céu e Hyldon), Sou Volúvel (também dele, Marisa e Dadi) e Vá Trabalhar crescem ao vivo. Já a singela Azul Vazio, inserida em momento quase acústico com uma reinterpretação grave de Até Quem Sabe (João Donato/Lysias Ênio), provocou dispersão em parte do público, que estava ali mais em "contexto de balada", como se diz no Rio. Qualquer convite à introspecção em lugares com o Circo Voador é praticamente ignorado, ainda mais se forem canções lentas e desconhecidas da maioria.

A maior surpresa foi a inclusão de Grávida, conhecida pelo registro de Marina Lima em um de seus melhores álbuns, que ele não gravou nem nunca tinha cantado ao vivo. A maior aproximação de Arnaldo da música chamada pejorativamente de "brega" se deu no álbum Iê Iê Iê, ponto alto de sua carreira, que se tornou referência até para quem desgosta de Disco, esperando dele uma sequência daquele.

De qualquer forma, Ela É Tarja Preta é representativa dessa estética, somando afinidades ao mesmo tempo que demarca a personalidade de seus autores-parceiros. Felipe e Arnaldo acabam de lançar seus CDs contemplados pelo programa Natura Musical e já "conversam" musicalmente há algum tempo. Alguns felizes resultados ficaram evidentes nesse bom programa duplo.

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