Alanis Morissette em fase maternal

Roberto Nascimento

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Por Redação
Atualização:

Uma resposta à pergunta que fazemos quando artistas chegam à meia idade artística e perdem a contundência é que nada parece ser mais antagônico à criatividade do que o equilíbrio. Justo ou não, a arquibancada do coliseu quer ver sangue, e quando nossos ídolos o estancam, e passam a respirar tranquilamente, o encanto se desfaz. Alanis Morissette encontra-se neste momento em seu novo disco, Havoc and Bright Lights, lançado no Brasil pela LAB 344. Casou-se, teve um filho, e fez canções sobre anjos da guarda e simpatia.

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O senso comum é que seus álbuns nunca chegaram aos pés do terceiro, o aclamado Jagged Little Pill, de 1995, responsável por mais de 30 milhões de cópias vendidas, e que sua relevância não passou dos anos 2000.

A set-list não discorda, reproduzindo o disco, em shows como o desta segunda-feira, no Credicard Hall, parte da turnê que Alanis faz pelo Brasil neste mês, quase na íntegra. Mas houve, sim, fagulhas de inspiração em sua obra nesta última década, por mais calcada em uma ideia noventista de rock mainstream que foram, principalmente no último disco, Flavors of Entanglement, feito após um traumático fim de namoro, em que viu o ator Ryan Reynolds, a trocou pela atriz Scarlett Johanson.

Canções como Tapes e Straitjacket, se descaradamente cândidas sobre o fim do relacionamento, a ponto de terem letras óbvias e pouco estimulantes, vinham com uma roupagem lúgubre que caía bem com a dor da cantora.

Em Havoc and Bright Lights, no entanto, o sol brilha e promete dias melhores. Guardian, faixa de abertura com arranjo puro alt-rock mainstream (pense em Foo Fighters) noventista, traz o refrão: "Eu serei sua guardiã, por toda sua vida. Serei sua guerreira, seu anjo da guarda. Quando você pedir, estarei lá", o que é impossível de ouvir sem pensar em um choro estridente surgindo na babá eletrônica de Alanis, e a cantora correndo para amamentar o neném.

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 Foto: Estadão

Alanis, no entanto, discorda que sua maternidade mude sua forma de fazer música. "A paixão está lá, seja ela focada em raiva, ativismo, ou desespero", respondeu a cantora ao Estado, na segunda-feira, em uma coletiva de imprensa realizada poucas horas antes do show.

 "A diferença é que o meu lado maternal deixou de aflorar em relacionamentos. Não sou mais a mamãe dos meus namorados. Sou a mãe do meu filho", completou, antes de contar que ela e seu marido, o MC Mario Souleye, têm um estúdio cada em sua casa, gravam discos ao mesmo tempo, e que Havoc and Bright Lights foi feito entre as amamentações do filho, Evre Imre.

A temática materna continua em faixas como Woman Down e Alanis faz o que parece ser uma homenagem ao marido em Win and Win, que narra felicidade conjugal. Assim, tudo segue pelo caminho ensolarado que Alanis busca desde sua viagem espiritual à Índia, em 97.

Seu show, parte da turnê que passa ainda por Curitiba (hoje), Rio (dias 7 e 8), Belo Horizonte (9), Recife (12), Belém (14) e Goiânia (16), é mais interessante, em grande parte pela força dos hits de Jagged Little Pill. Tratam-se de relíquias da época áurea do alternativo mainstream, nos anos 1990, quando Alanis reinava nos CD players da molecada.

Sexys e audaciosas, como You Ought a Know, em que pergunta ("Você pensa em mim quando transa com ela?"), são executadas com perfeição pela cantora, servindo a nostalgia buscada pelo público, desferindo melodias que oscilam como um yodel suíço, em grande forma. Mas não passam disso: ecos de quando Alanis cantava sem medo de ser feliz, e não era.

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