Estadão
18 de novembro de 2012 | 07h06
Luiz Carlos Barata Cichetto – poeta e escritor
Ouço vozes, o tempo inteiro. E elas me ditam palavras e me dizem o que fazer… Então escrevo e preciso falar. Escrevo muito e falo demais. Preciso escrever e falar para que essas vozes me deixem em paz. É assim que me afasto de uma loucura bem maior, é assim que me afasto da angústia e do suicídio. São essas vozes que ouço que me fazem sonhar. E me fazem viver.
E foi assim, ouvindo essas vozes que decidi que seria o momento de criar meu próprio projeto de rádio, ao menos na internet, já que as ferramentas eu tinha dominado e os custos eram bem acessíveis. E assim nasceu, ainda naquele final de ano de 2010, um de meus maiores projetos. E um dos meus maiores fracassos.
Se você tem um sonho e o realiza, isso é um sucesso”. O “sucesso” financeiro e de glórias, seria apenas uma decorrência, ou não, da realização de um projeto.
E o fracasso também não significa necessariamente um prejuízo financeiro, mas sim, no meu conceito e talvez na contramão da própria definição de Trueba, não apenas não fazer, mas simplesmente ver esse sucesso se transformar em fracasso porque ele não foi bem projetado, foi projetado em bases fracas, ou simplesmente como foi o caso da KFK Webradio, estar no momento errado e ter contado com as pessoas erradas. E pior que isso, perceber que o sucesso foi o que causou o próprio fracasso.
E como eu sempre ouvi vozes, achei de usar essas vozes na construção de algo que ia exatamente na mão inversa daquilo que se fazia. As rádios web são na imensa maioria, vitrolões tecnológicos e mesmo tendo alguns programas personalizados, seguem o sistema de tocador de musica.
A maioria não tinha e ainda não tem personalidade, ou a tem demais, sendo apenas veículos pessoais de seus “proprietários”. Em tempo: o conceito de dono de uma rádio não se aplica a uma rádio web, pois não existe nada, nem estúdios, nem profissionais nem equipamentos.
A propriedade quando muito se aplica ao computador onde o “dono” cria suas “playslists” ou ao domínio na Internet. E isso é bom e mal ao mesmo tempo, pois se por um lado, extingue de certa forma o conceito empresa do rádio, cria por outro um organismo acéfalo sem qualquer estrutura organizacional e sem o menor critério.
A conversa de “sonho que se sonha só…” é apenas um blá-bla-blá inútil que na pratica não existe. Ou existe desde que o sonhador “principal” o torne realidade e depois os outros sonhadores passivos dividam o sucesso (ainda o termo “sucesso” como realização). Em outras palavras, o sucesso é assumido, desde que não dê trabalho nenhum. Não existe mais o compromisso com o coletivo e “comunidade” é apenas um nome pomposo para favela…
Durante quatro meses preparei o terreno, defini o estilo musical predominante, embora um tanto aberto, com poucas exceções e primando pela qualidade musical. Criei o nome, vinhetas, com a locução profissional, criei e produzi dezenas de programas.
Mas o principal estavam nas intervenções, espécie de intervalos entre blocos de musicas e programas onde eram apresentados leituras de poesia, declarações de outros artistas e pensadores, história do rádio, áudio integral de filmes e desenhos animados e até hinos de clubes de futebol.
E assim nasceram intervenções como: Almanaque KFK (aberturas de séries e desenhos animados) ; Cópia Infiel, Katarze, KFK FC, Poesia é Merda!, PQP – Puta Que Pariu!, Quer Um Queijo?, Renitências, Sessão Desenho, com áudios de episódios de desenhos animados, Sombras Sonoras, Sub-Versões, Tem Cigarro Aí? E outros.
Quanto aos programas estavam, além do Rádio Barata que em determinado momento foi apresentado diariamente, Cinema Cego, que era o áudio integral de um longa metragem, Concertos Para a Juventude, Prisma, uma programação de um dia inteiro apenas dedicada a uma única banda, no caso o Pink Floyd, Rádio Liquida, Heróis do Brasil, Fusão Cinésica Essencial e outros.
Alguns programas foram criados e entregues a produção e apresentação de outras pessoas, como foi o caso do Faixa 7, que apresentava sempre as faixas de numero sete de determinados artistas ou bandas. Além disso, foi aberto espaço a todos aqueles que se dispusessem a produzir e apresentar programas, com liberdade total de produção, chegando a existir 18 programas produzidos e apresentados por outras pessoas.
E nesse ponto todos ouvíamos vozes. Vozes como a de Ricardo Alpendre, cantor e locutor profissional que gravara a maior parte das vinhetas, Anna Gonçalez, Agostinho Carvalho, Renato Pittas, Gisela Jardim, Marcelo Rocha, Raul e Ian Cichetto, Marcelo Diniz, Amyr Cantusio Junior, André Sachs, Antonio Canella, Renato Paiva, Caverna, Paulo Stekel, Bell Giraçol e Delma Mattos. Vozes… Vozes.
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