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A balada de Patti e Robert - entrevista com Patti Smith

Jotabê Medeiros - O Estado de S.Paulo

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Por Redação
Atualização:

 Seu livro engloba uma grande discussão sobre a natureza da arte e do artista. E, muitas vezes, essa questão se resume num tipo de luta entre instinto e intelecto. Há um momento em que você diz a Robert: "Onde você estava com a cabeça?" E ele responde: "Eu não penso, eu sinto."

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Você tem razão. Robert foi um artista muito intuitivo, talentoso. Tinha uma visão particular que impulsionava suas habilidades técnicas. Não era tão verbal ou analítico, mas entendia tudo imediatamente, era um grande improvisador. Acho que isso tinha a ver com o fato de que tinha um senso hipervisual, compreendia tudo muito rapidamente. Eu sempre ficava maravilhada com ele - não se preocupava em falar, mas em articular.

Você acha que ele, caso vivesse hoje, trabalharia bem com computadores?

Sim, ele abraçaria a tecnologia. Sempre foi mais atento às mudanças tecnológicas, muito mais do que eu. Mas não seria um escravo da tecnologia, ele acharia um jeito de usá-la, de fazer com que funcionasse para o que pretendia, mas sem se tornar refém. Pouco antes de ele morrer, nós conversamos sobre Marcel Duchamp, sobre as proposições que Duchamp fazia acerca dos novos meios. Robert era muito moderno e muito clássico ao mesmo tempo, seus interesses iam de Michelangelo a Duchamp. E Andy Warhol, que ele adorava. A diferença entre Robert e Andy é que Andy colocava as coisas em seus trabalhos, era simbólico com viciados e junkies, e Robert estetizava a autodestruição. Coisas novas sempre o interessaram.

Você participa do mais recente filme de Jean-Luc Godard, Film Socialisme. É curioso: você é consagrada como cantora, como escritora, é uma lenda da música, e ainda assim nunca rejeita uma experiência. Por que faz isso?

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É parte da alegria da vida. Fiz coisas pequenas para Godard, nada ambicioso. Aprendi muito nos filmes dele quando era adolescente, o jeito como ele pensa me influenciou. Essa experiência foi grande. Ficamos naquele navio de cruzeiros para 3 mil italianos, fomos à Turquia, Alexandria, Grécia. A viagem é a coisa, não o filme. Durante a jornada, eu o fotografei, caminhei com ele em Alexandria, conversei com pessoas. É o saldo: a aventura. Tem uma frase do Godard no filme: "Os bastardos hoje são sinceros." Você trata justamente da honestidade e da sinceridade no seu filme. Acha, como Godard, que os bastardos venceram?

Parece que sim, momentaneamente. A direita está fortalecida, pequenos pensadores criminosos. O mal demonstra mais solidariedade que o bem, e as boas pessoas assistem sem reação a essa virada. A direita argumenta mais, fala mais. Às vezes é frustrante, para quem é humanista. Mas o que penso disso tudo é que temos de achar um jeito de atravessar esses conceitos, de direita e esquerda. O problema maior é a insinceridade, e a espécie humana está ameaçada. Um dia, todo esse nosso meio ambiente vai entrar em colapso, e não vai adiantar debater conceitos. Nós, como seres humanos, temos a responsabilidade de passar por cima de tudo isso, pela sobrevivência do planeta. Eu sou, apesar de tudo, otimista. Outra frase sua no livro sobre Mapplethorpe diz: "Enquanto eu lia Genet, ele se tornava Genet." Ou seja: você parece admitir dois tipos de artistas no mundo, os que tornam indistintas sua arte e sua vida e os que veem essas categorias separadamente.

Exato. É engraçado você mencionar esse trecho, porque acabei de participar, no MoMA, de uma celebração do centenário de Genet. Eu absorvi Genet, como poeta, por causa da qualidade de sua imaginação e do meu amor pela língua. Robert entendia Genet com seu próprio corpo.

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