Estadão
09 de abril de 2010 | 18h35
Os documentários de Silvio Tendler, como Jango e Os Anos JK, estão entre os de maiores bilheterias do cinema brasileiro
“Este é, basicamente, um filme de montagem”, advertiu o diretor Silvio Tendler, pouco antes de começar a sessão de seu novo longa Utopia e Barbárie. O cineasta carioca passou os últimos 20 anos debruçado sobre as utopias geradas pelo Maio de 68 ao redor do mundo – e várias das barbáries que ocasionaram o “mês mais orgástico de todos os tempos”, além das que se antecederam a ele.
A primeira versão da obra tinha seis horas. Depois de muita edição, restou a metade. O momento mais sofrido para Tendler foi cortar a última hora que faltava para deixar o filme mais palatável aos espectadores. “Muita coisa ficou de fora, não pude dar a devida atenção aos movimentos culturais que se seguiram às efervecências daquele momento. Me detive na luta política”, explicou o diretor para uma plateia de estudantes universitários ontem (8). O público assistiu a seu filme em primeira mão.
A equipe de produção percorreu, ao todo, 15 países. A intenção era formar um cenário que fosse capaz de transmitir a quem assiste ao filme hoje tudo o que aquela época significou para seus protagonistas. Entre os entrevistados, há gente que participou de vários tipos de calamidades: sobreviventes da bomba de Hiroshima, vítimas de tortura em ditaduras fascistas, filhos de desaparecidos políticos, fotógrafos que trabalharam durante a guerra do Vietnã, além de artistas exilados.
Dilma Rousseff, Zé Celso Martinez Corrêa, Augusto Boal, Cacá Diegues, Franklin Martins e Carlos Chagas estão entre os revolucionários brasileiros a prestarem seus depoimentos a Tendler. Para costurar a história com visões culturalmente distintas, cineastas como o canadense Denys Arcand, o argentino Fernando Solanas, o palestino Mohamed Alatar e o italiano Gillo Pontecorvo também se sentaram diante das câmeras.
Silvio Tendler posa ao lado do estrategista do exército vietnamita, General Giap
“O Filme não tem fim. Quando eu achava que tinha terminado, aconteceu o atentado às Torres Gêmeas. Depois do turbilhão deste episódio, Obama é eleito o primeiro presidente negro da história dos EUA. Se eu fosse esperar o mundo se acalmar, nunca terminaria as filmagens”, explicou o diretor.
Em determinado momento, o espectador mais jovem pode ser atingido por uma sensação de vazio. A gente costuma ouvir de grandes ativistas de gerações passadas o quanto as pessoas da nossa idade (na faixa dos vinte e poucos anos – eu tenho 25) não têm grandes ideais que as movam para a luta contra uma grande causa. Mas as causas atuais são tantas que fica difícil uma comoção massiva em torno de uma delas – minha opinião.
A preservação ambiental, o direito à diversidade sexual, o aquecimento global, a dicotômica batalha contra o terrorismo, a insolúvel questão da paz no Oriente Médio… enfim, é tanta coisa que a gente pode se perder. Mas isso não é necessariamente negativo: “O sentido do meu filme é alertar para o que está acontecendo no mundo, para os sinais que já recebemos antes e continuamos a receber diariamente”, diz Tendler.
Tratam-se de recortes. Uma grande compilação de várias opiniões sobre fatos já amplamente discutidos – e que todo mundo estudou nos livros de História. O que pode ou não afetar quem se senta nas poltronas a partir do próximo dia 23 é o despertar à mobilização que o filme propõe. Alguém com um espírito mais inconformista pode sentir esse “chamado à aventura” – como já diria Joseph Campbell no livro A Jornada do Herói – enquanto uma pessoa mais cética pode sair da sala com a sensação de mais do mesmo. Mas vale a aposta. Afinal, reviver a História é sempre uma boa forma de torná-la mais próxima de nós. Ao menos, uma tentativa.
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