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Literatura e mercado editorial

Olhar (quase) estrangeiro sobre o mundo árabe

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Atualização:
Dapieve, Hatoum, Jarouche e Safatle ( Foto: Felip Rau/Estadão)

 

Maria Fernanda Rodrigues ENVIADA ESPECIAL / PARATY

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O poeta palestino Tamim Al-Barghout, uma das presenças mais incertas da 11.ª Festa Literária Internacional de Paraty, que terminou ontem, mandou carta à organização lamentando não ter conseguido vir ao País. Depois de uma saída conturbada do Cairo, ele chegou a Londres, onde perdeu o passaporte - ou foi roubado, não sabe. "Vocês me ofereceram o presente precioso da distância, a possibilidade de olhar de fora essa complexa e surreal pintura. Mas ninguém pode fugir quando as manifestações, os tiros e a guerra estão dentro da sua cabeça", escreveu. Na carta, comenta ainda que o corpo diplomático brasileiro em Londres ligou e se ofereceu a ir até o aeroporto caso ele precisasse de assistência.

O mediador Arthur Dapieve disse que não foi difícil encontrar substitutos de origem árabe entre os convidados da Flip. Afinal, há entre 12 milhões e 15 milhões de descendentes no Brasil. O escritor e cronista do Caderno 2 Milton Hatoum e o filósofo Vladimir Safatle foram escalados. Professor da USP e tradutor, Mamede Jarouche estava na formação inicial da mesa e também participou da conversa que abordou, entre outros temas, as passagens de Jarouche e Safatle na Primavera Árabe e ainda o papel da literatura e a produção artística em tempos revoltosos. Antes de começarem, porém, Jarouche leu, em árabe, o poema Em Jerusalém, de Barghouti.

O professor não conhece o poeta que teve seus textos cantados na Praça Tahir durante os protestos que derrubaram o ditador Mubarak, mas por acaso estava no Cairo quando tudo começou, em janeiro de 2011. Viajou para fazer pesquisas - ele trabalha com textos escritos até o século 12 -, e para visitar a feira do livro. "Estava lá com a minha alienação, pensando no Cairo mameluco, e o Cairo atual, moderno, se impôs. Foi uma coisa apavorante, mas talvez a mais tocante que eu já vi", comentou. Bibliotecas fecharam, a circulação ficou restrita, e ele assistiu aos protestos. Já Saflatle visitou o Egito, a Tunísia e a Palestina no ano passado. Sua ideia era ver o "movimento político a posteriori".

O tema da mesa era Literatura e Revolução. Sobre a relação entre as duas, Jarouche disse: "Muitos autores do mundo árabe se dizem revolucionários porque escrevem sobre a revolução, mas não vejo nisso uma literatura revolucionária." Para Milton Hatoum, a literatura não deve ter um caráter doutrinário ou explicativo: "Se tentar fazer isso, ela se enfraquece". A ausência de produções culturais que reflitam sobre o clima dos protestos brasileiros foi levantada. Safatle argumentou que a criação anda atrelada a financiamento e, portanto, são dirigidas pelo interesse do patrocinador.

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Hatoum não testemunhou as manifestações do mundo árabe, mas previu as que têm mobilizado brasileiro. Na crônica Estádios Novos, Misérias Antigas, publicada em 26/06/12 no Caderno 2 e lida no encerramento da mesa, escreveu: "E quando a multidão enfurecida cobrar a dignidade que lhe foi roubada, digam com um cinismo vil que se trata de uma massa de baderneiros e terroristas. Digam qualquer mentira, mas aí talvez seja tarde. Ou tarde demais."

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