Maria Fernanda Rodrigues
16 de junho de 2014 | 19h07
Muitos livros sobre futebol – sobretudo de não ficção, como crônicas, biografias de jogadores e os bastidores dos negócios milionários que envolvem o esporte -, chegaram às livrarias (e alguns à minha mesa) momentos antes da abertura da Copa do Mundo.
Destaco aqui a iniciativa da editora mineira Scriptum que lança, pelo quarto ano, o volume Pelada Poética (75 págs., R$ 35). Os 26 autores convidados puderam escrever poemas, crônicas, contos ou reflexões, desde que não saíssem do tema futebol.
Publico abaixo Peleja, de Carlos de Brito e Mello, e Temores, de Francisco Alvim. Há ainda, na edição, textos de Armando Freitas Filho, Ana Elisa Ribeiro, Fabrício Marques, Zuca Sardan, entre outros.
Peleja
Carlos de Brito e Mello
Perdi tantas vezes que pareço ter me afeiçoado à perda
tanto quanto você à conveniência de vencer. E é bem possível, dadas as circunstâncias que se apresentam para a nossa próxima disputa, que eu venha a perder novamente, e testemunhe, envergonhado e triste, a sua vitória
que costuma ser celebrada, com frequência, com a nobreza e a altivez que tem a mosca ao pousar ao redor de um açucareiro esquecido sobre a mesa do café.
Pois aproveite cada grão doce que na mesa tiver se espalhado!
Esfregue demoradamente
as perninhas sobre o troféu conquistado enquanto eu me retiro, mancando por um caminho que já conheço na direção do velho vestiário. Lá encontram-se dependurados todos os uniformes que já vesti nas partidas em que fui derrotado
(contam-se muitos, como você bem sabe) desde a infância até este dia.
Mas hoje, terminado o nosso jogo, terminará também minha coleção de calções e camisas, meiões e chuteiras. Não porque não vá mais perder nesta vida (logo eu, que tanto aprendi a perder), mas
porque não jogaremos mais. Você gosta das vitórias, e eu gosto do que é justo. E a justiça não é algo
que se deva pesar após o apito final e a verificação de um placar. A justiça é algo pelo qual deveríamos pelejar.
Temores
Francisco Alvim
Não é desconfiança
É falta de certeza
Como vai ser?
Não sei. Talvez, se o Papa viesse…
Só em 2017, para o tricentenário da imagem da Padroeira
Bom mesmo se viesse agora, em junho
Se fosse êle, viria
Por onde vai o Brasil
caminha a Igreja (e a Argentina)
Quem diria, como tem gente que não gosta de bola
É, e da gente
Você viu a do Temer?
Na mosca
De fato, a crise ao contrário das anteriores (30, 32, 45, 64, 68)
[não é institucional
E daí? Por enquanto?
E essa agora de acenar com o exército nas ruas
Me lembro do Negrão, que governava a Guanabara
Na televisão em 68
Fiquem em casa, exército não é polícia. Atira
Outra iniciativa bacana é o blog Pelé Calado, dos escritores Flavio Izhaki e André de Leones, do editor de quadrinhos Lielson Zeni e do jornalista Túlio Pires Bragança. Nele, os quatro comentam os jogos e relembram outras copas (vale uma passada pelos posts da seção Educação Sentimental).
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