A discrição com que se retira do palco a pessoa que virou as páginas à pianista Martha Argerich é a atitude de quem parece fugir de aplausos. Mais do que isso, é atitude de quem não precisa desses aplausos. Enquanto isso, maestros e solistas carregando ramalhetes de flores, entre idas e vindas ao palco, inadvertidamente passam a impressão de serem a mente e o coração do espetáculo. Grande engano. Há, sim, um outro grupo escondido e silencioso de pessoas que são os verdadeiros responsáveis por toda a organização e produção do espetáculo. Neste grupo, aplauso e a tietagem não tem vez. Talvez muitos de nós desconheçamos quem são e o que fazem. Os anúncios de jornais e revistas especializadas, a título de exemplo, nem lhes fazem referência. Mas são eles os alicerces que dão solidez à obra.O catavento dourado, no topo de um grande edifício, por muito que brilhe e por mais alto que esteja, não conta para a estabilidade da edificação. O alicerce sim. Sem alicerce não há catavento.
Movido por esta curiosidade - e dever de justiça - iniciarei uma série de entrevistas com alguns destes profissionais. Falarei sobre o afinador de piano (vocês já imaginaram o que seria do meu trabalho se esse profissional não existisse?), falarei sobre aquele senhor(a) que trabalha na bilheteria do teatro, sobre o profissional que escolhe as obras que serão interpretadas (direção artística) em um concerto, falarei sobre os seguranças, sobre chefes de palco, entre muitos outros profissionais. Verdadeiras músicas escondidas.
Certa vez alguém afirmou que uma das qualidades da pessoa amadurecida e bem formada é o não querer chamar a atenção sobre si, sobre o trabalho realizado. A pessoa madura, intimamente ajustada, não "valoriza" (assim mesmo, como intransitivo), não cacareja o próprio ovo. A satisfação de seu trabalho é transcendente.A partir do dia 02 de outubro, iniciarei a postar algo sobre quem são esses profissionais.
Como se faz impossível entrevistar todos e cada um dos que compõe esta música escondida, desejo que esta justa homenagem seja entendida como a ponta de um iceberg que representa dezenas/centenas de seres humanos que, ocultos, fazem o espetáculo acontecer!