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Música clássica decodificada

A Inveja: Tema e Variações

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Por Alvaro Siviero
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Há poucos meses, em café com um maestro, profissional extraordinário com quem já tive o prazer de trabalhar, escutei: "Minhas maiores dificuldades na gestão do teatro não surgem por falta de competência técnica ou musical do staff, mas por falta de competência humana. Diante de fofocas, mexericos e rivalidades, sinto-me impotente. Há muita inveja aqui". O desabafo deixou-me pensativo. Lembrei-me de Salieri, caricaturado no célebre e premiado filme Amadeus que, de uma forma ou de outra, sobrevive sem caricatura alguma na vida real de alguns profissionais do citado staff.

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Há uma definição de inveja que é clássica: A inveja é a tristeza sentida diante do bem do outro. Embora nossas tristezas sejam causadas por um mal - um acidente, um fracasso, uma doença, uma perda - a inveja, pelo contrário, é causada por um bem, um bem alheio, que nós consideramos como um mal, simplesmente porque não o temos. Podemos ficar tristes pelo que os outros são: alegres, simpáticos, inteligentes, fortes. Podemos ficar tristes pelo que os outros têm: dinheiro, prestígio, cargos, carros, viagens, diversões. Podemos ficar tristes quando verificamos que os outros são mais queridos: é o grande capítulo dos ciúmes. E ficamos tristes porque esse bem alheio nos diminui.

Aristóteles afirma que a inveja procede da vanglória (Retórica, 2, c.9, n.5). A glória vã é o vício daqueles que desejam brilhar, destacar-se, salientar-se, ser mais do que os outros. Gente que não procura o bem, mas o brilho. E não é raro que dediquem antipatia, e até mesmo aversão, com aqueles que legitimamente provocam sombra. Uma forma incompetente de admirar.

 Os filósofos apontam como fruto da inveja a maledicência: a tentativa de destruir com a língua e, se pode, com atos, aqueles que fazem sombra. As técnicas? Falar mal, lançar suspeita, semear insinuações, espalhar acusações falsas, desprezar com comentários o que merece louvor, podendo vir disfarçadas de sorrisos e palavras amáveis, como brasa na cinza, para prejudicarem a quem fingem estimar e até proteger.

 Recentemente, um importante violinista de uma orquestra brasileira comentava que havia sido "afetuosamente" desencorajado por outro amigo, também violinista, a aceitar uma proposta - vantajosa em todos os sentidos - pois os horários do novo trabalho seriam demasiadamente estafantes, e lhe impediriam dedicar mais tempo à prática do instrumento, fundamental para seu crescimento. O importante violinista fez ouvidos surdos ao "amigo": o convite foi aceito. Ao lado da maledicência, de mãos dadas, vem a má competição. A inveja pode transformar um ambiente de trabalho em ringue de boxe, ou melhor, de artes marciais com a regra do vale-tudo. Moacyr Castellani, psicólogo, atreve-se a fazer um diagnóstico: "Em vez de competir como forma de desenvolvimento, as pessoas se tornam rivais. Em vez de realizarem o melhor de si, desejam ser as melhores. Em vez de superarem seus limites, enfatizam suas próprias qualidades".

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Aquele que pensa muito nas coisas que não tem, acaba se esquecendo das muitas coisas boas que tem. Food for thought!

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