Adriana Plut
14 de outubro de 2013 | 12h05
Desde que o samba é samba, a presença feminina tem importância fundamental para este gênero musical. Criado às escondidas, na casa da tia Ciata – uma mãe de santo que cedia espaço para as cantorias – o samba não teria sobrevivido (ou pelo menos não seria o que é hoje) sem suas musas, pastoras, tias, compositoras, passistas, madrinhas, carnavalescas, mulatas e intérpretes. No documentário “Damas do Samba”, a diretora Susanna Lira presta uma homenagem a essas mulheres que movimentam e dão força ao samba. “Quis mostrar que a figura da mulher no samba não está restrita ao papel da mulata”, diz. O filme foi lançado no Festival do Rio e recebeu Menção Honrosa do Júri na categoria documentário. Agora segue a trajetória dos Festivais Internacionais e, no ano que vem, será transformado em série para a TV.
.DOC – O filme retrata mulheres que trabalham com samba em diferentes funções. Como foi a escolha das personagens?
Susanna Lira – A escolha das personagens foi feita a partir de uma extensa pesquisa no tema. Eu mergulhei em livros e documentários que pudessem me dar referências, principalmente das primeiras mulheres envolvidas no samba, as famosas tias baianas. Eu também tive a consultoria da especialista Helena Theodoro, que pôde me apontar caminhos para encontrar personagens interessantes. Esse filme começou a ser feito em 2010 e entrevistamos aproximadamente 50 mulheres. E a escolha dessas personagens foi feita por esses dois caminhos, o da pesquisa, que nos apontou mulheres fundamentais no tema, como Beth Carvalho e Ivone Lara; e o acaso, que nos revelou grandes personagens durante as gravações, como a passista mirim Luany dos Santos. Numa visita à cidade do samba, por exemplo, conhecemos a Glória, chefe de barracão que todos chamavam de “cherifona” e isso foi o suficiente para despertar meu interesse por ela.
.DOC – Por que escolheu esse recorte? Você se interessa pelo papel da mulher de maneira geral ou teve algum outro motivo?
Susanna Lira – Todo meu trabalho é pautado pela luta dos direitos humanos. Mas, pela minha trajetória de vida, as mulheres ganham peso nos meus filmes. Eu tive duas mulheres muito importantes na minha criação: minha avó materna e minha mãe. Então acho que cada vez que eu filmo mulheres eu estou, no fundo, buscando parte da história da minha mãe. Essa força feminina que é capaz de mover tantas coisas, de superar dificuldades, de criar os filhos sozinha, e tudo isso sem perder a generosidade com o mundo.
.DOC – Por que escolheu mostrar rapidamente a história de cada mulher e não ir mais fundo na vida de cada uma?
Susanna Lira – Com esse filme, eu quis mostrar que a figura da mulher no samba não está restrita ao papel da mulata. A ideia era realmente mostrar como essas mulheres movimentam e dão força ao samba. Então eu escolhi fazer “um passeio” pela história do ritmo e mostrar que as mulheres estão presentes em diversos setores, sejam elas famosas ou anônimas.
.DOC – Alguma das entrevistas é mais especial para você? Tem alguma que destacaria?
Susanna Lira – É difícil escolher uma porque as 30 mulheres que estão no filme me doaram depoimentos preciosos. Mas eu poderia destacar, por exemplo, a Beth Carvalho. Por conta da longa internação no hospital, esperamos mais de um ano para realizar a entrevista. Quando ela finalmente teve alta, o filme já estava pronto e tivemos que voltar à ilha de edição para incluir esse material. Mesmo assim valeu a pena, porque o depoimento dela sobre a Clementina de Jesus é um dos momentos mais interessantes do documentário. Eu também destacaria a entrevista com Dona Ivone Lara, que do alto dos seus 93 anos protagoniza, na minha opinião, o momento mais emocionante do filme, cantando “Sonho Meu” à capela.
.DOC – Como o filme foi recebido no Festival do Rio? Quais os próximos passos de “Damas do Samba”?
Susanna Lira – A partir de agora, o filme segue a trajetória dos Festivais Internacionais e, para o ano que vem será transformado em série para TV.“Damas do Samba” foi muito bem recebido no Festival do Rio (recebeu Menção Honrosa do Júri na categoria documentário). Para a sessão de estreia, no dia 4 de outubro, convidamos todas as mulheres que aparecem no documentário, mesmo as que não deram entrevista. A Mocidade Independente de Padre Miguel e a Portela disponibilizaram ônibus para levar os componentes da escola. Essa presença de peso deixou a sessão ainda mais emocionante porque, como elas relataram depois, foi a primeira vez que tiveram a oportunidade de se ver num filme, numa sala de cinema. Nesse momento, eu tive a sensação de “dever cumprido”, porque eu fiz esse filme para dar visibilidade a essas mulheres. Ver a reação positiva delas na sala do cinema foi a maior recompensa que eu poderia ter.
Susanna Lira é formada em Publicidade e Jornalismo, com especialização em direção de documentários e pós-graduada em Direito Internacional e Direitos Humanos. Em 14 anos de carreira trabalhou nos principais veículos de comunicação entre eles: TV Globo, TV Cultura, TV Brasil, Canal Futura, GNT e Multishow. É sócia da Modo Operante Produções onde coordena os projetos de produção de filmes e faz curadoria de mostras cinematográficas. Em 2012 dirigiu as séries “Em Busca do Pai” e “Mulheres de Aço” para o canal GNT/Globosat. Em 2013 dirigiu o documentário “Rio’s Red Card” para o canal Al Jazeera English. Atualmente finaliza o documentário “Nada Sobre Meu Pai”. Para o mercado cinematográfico, dirigiu os documentários: “Damas do Samba” (2013), “Uma Visita Para Elizabeth Teixeira” (2011), “Positivas” (2010), “Contracena” (2009), “Mãos de Vento e Olhos de Dentro” (ficção, 14’, 2009), “Câmera, Close!” (2005), “Em Direção a Ithaka” (documentário, 15’, 2008).
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