Sérgio SantAnna: Se você ficar tímido, não sai livro nenhum

[Publicado no Sabático de 28/5]

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Por Redação
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Prestes a completar 70 anos, Sérgio Sant'Anna, um dos ficcionistas mais inventivos em atividade no País, lança romance centrado no sexo e diz que um escritor precisa ter coragem

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Raquel Cozer - O Estado de S.Paulo

Foi o filho quem deu o aval. "Nihil obstat", decretou o também escritor André Sant"Anna por e-mail ao pai, Sérgio Sant"Anna, após ler os originais de O Livro de Praga - Narrativas de Amor e Arte. O termo em latim para "nada impede", empregado pela Igreja Católica para aprovar pelo aspecto moral obras em via de publicação, acalmou o veterano. Ele andava inquieto, ciente que estava da abordagem, por assim dizer, pouco canônica de seu novo trabalho. "É um livro sui generis... Não é muito dentro dos padrões. talvez pelo excesso de sexualidade", ponderou Sérgio Sant"Anna na última terça, ao receber o Sabático em seu apartamento em Laranjeiras, no Rio. "Ou talvez porque se esperava de mim um romance, e eu fiz na forma de narrativas interligadas. A intranquilidade bateu."

Entre os mais inventivos ficcionistas em atividade no País, Sérgio foi um dos primeiros nomes em que o produtor Rodrigo Teixeira pensou ao elaborar o projeto Amores Expressos, que financiou a viagem de 20 autores brasileiros a várias partes do mundo em 2007, para que a partir disso escrevessem histórias de amor. É também o mais experiente da turma - completa, em outubro, 70 anos -, mas sua criação a partir da estada de um mês na capital da República Checa respira um certo ar de molecagem: o personagem central, Antônio Fernandes, é um escritor enviado a Praga por um produtor chamado Roberto Martins, dentro de um projeto que mandou autores a várias partes do mundo. "Admiro Bernardo Carvalho, que conseguiu elaborar um protagonista russo (para o romance "O Filho da Mãe", também integrante do "Amores Expressos"). Não me senti em condição de criar um checo", diz o autor, que fala hoje sobre o livro no Festival da Mantiqueira, em São Francisco Xavier (SP).

O que se seguiu foi uma mistura de busca por verossimilhança e interesse em correr riscos. Como seu personagem era um escritor brasileiro vivendo por apenas um mês no exterior, uma experiência relatada em episódios levemente interligados, o autor avaliou que uma história de amor romântico soaria descabida. Já uma trama de experiências sexuais, imaginou, faria sentido. Ainda que se tratasse de experiências um tanto fora do padrão, como um êxtase transcendental com a estátua de uma santa na rua (a santa, chamada Francisca, ele inventou, para ninguém em Praga ficar ofendido) ou a dança de uma mulher nua com suspeitos textos pornográficos atribuídos a Kafka (também devidamente imaginados pelo autor) espalhados em tatuagens fluorescentes pelo corpo.

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O erotismo não é novidade na prosa de Sérgio Sant"Anna, mas ele mesmo se surpreendeu, conforme diz, com a forma "bastante espontânea" como o sexo se tornou central em O Livro de Praga - a ponto de imaginar que seria mais honesto se o subtítulo fosse Narrativas de Sexo e Arte, em vez de Narrativas de Amor e Arte. "De certa forma, eu chutei o balde, mesmo. Quando vi que o livro tinha uma sexualidade muito grande, pensei: "Vou em frente, não quero nem saber"", diz. Trata-se da mesma atitude que orienta sua literatura desde a juventude - mais precisamente, desde as temporadas que passou, de 1968 a 1971, na França e nos Estados Unidos, e que, na opinião dele, foram as responsáveis por revolucionar sua escrita: "Tem que ter coragem. Uma das coisas que acho que tem que existir no escritor é coragem. Se der errado, deu, mas, se ficar tímido demais, não sai livro nenhum."

Cinema. O autor tem consciência de que a disposição para a coragem exige preparo para reações das mais diversas. Em geral muito bem recebido pela crítica especializada, diz ter se assustado, desta vez, com "um silêncio" por parte da editora. Dentro da Companhia das Letras, extraoficialmente, as opiniões se dividem - há quem seja fã e ache que o livro dará o que falar, há quem não tenha grande expectativa. "O livro é polêmico, e isso é ótimo. Existe uma curiosidade muito grande em relação a ele", diz Rodrigo Teixeira. O produtor tem os direitos para o cinema de todos os livros do Amores Expressos e admite que o de Sérgio Sant"Anna parece dos mais difíceis de filmar. "É uma história que, se alguém conseguir adaptar e fizer bem feito, renderá algo sensacional. Se alguém quiser me procurar com sugestões, estou disponível."

Enquanto essa pessoa não aparece, Teixeira trabalha na pré-produção de um longa baseado na novela O Gorila, de Sant"Anna. As filmagens começam em outubro, com José Eduardo Belmonte na direção e Otávio Muller, Mariana Ximenes e Maria Manoella no elenco. Ronaldo D"Oxum e André Sirangelo são os responsáveis por roteirizar a história do homem que desenvolve estranha relação com as mulheres para quem passa trotes, em diálogos que ficam em algum lugar entre a indecência e a autoajuda.

Sérgio Sant'Anna tem tantas narrativas com direitos comprados para o cinema que nem sabe enumerar direito. "No Brasil, todo mundo assina contrato, mas os filmes só saem se rola incentivo pela lei", diz. Ele costuma acompanhar apenas de longe as adaptações, para nem correr o risco de querer dar ideias. Gostou de Um Crime Delicado (2005), de Beto Brant, e Um Romance de Geração (2008), de David França Mendes. Não esconde que achou Bossa Nova (2000), filme de Bruno Barreto feito a partir do conto A Senhorita Simpson, um bocado esquisito. "A questão é só que não tem nada a ver comigo. O Bruno usou os nomes dos personagens, mas fez um filme de Bruno Barreto. Não sei o que vai na cabeça dele, de comprar os direitos de uma história e fazer outra."

Prêmios. No teatro, o escritor ficou encantado com a recente adaptação de Felipe Rocha para Um Conto Nefando?, em cartaz no Teatro Sérgio Porto, no Rio. Assim como O Gorila, esse conto faz parte de O Voo da Madrugada (2003), o livro anterior de Sant"Anna, que arrebatou elogios da crítica e lhe rendeu um segundo lugar no Prêmio Portugal Telecom e o quarto Jabuti, "esse prêmio que todo mundo já ganhou", para sua coleção. O intervalo de oito anos entre um lançamento e outro, sobre o qual parece nem ter se dado conta ("É de 2003? Faz tanto tempo assim?"), resultou em parte do convite para o Amores Expressos. Ao focar na viagem para Praga, deixou para trás um volume quase pronto de contos, que agora já lhe parecem defasados.

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O fato é que Sérgio Sant"Anna já não se cobra escrever com tanta regularidade. Diz andar sempre com um caderninho, anotando ideias que lhe ocorrem para depois passar para o computador, mas sem a ânsia para publicar que viveu em outros tempos. Ele nunca foi um best-seller como o irmão, Ivan Sant"Anna, nem tem interesse nisso. "O Ivan é muito bom no que se propõe a fazer, que é bem distante do que eu faço", resume. O livro mais vendido de Sérgio, O Monstro, de 1994, está na casa dos 15 mil exemplares, acompanhado de perto por A Senhorita Simpson, de 1989 (os de Ivan chegam às centenas de milhares), mas o conjunto da obra lhe garante segurança - e nessa conta entram prêmios polpudos, como o Prêmio Governo de Minas Gerais de Literatura, que lhe agraciou com R$ 120 mil em 2008.

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O carioca só não aceita bem a ideia de estar beirando os 70 anos. "Acho inacreditável. Acho um absurdo", diz, num tom entre o indignado e o divertido, e o humor parece lhe roubar uns bons anos da aparência. "Ninguém acha que vai chegar a uma idade dessas. Você sabe disso. Quando a gente tem 15 anos, não acha que vai chegar aos 30, acha que 30 é velho pra burro. Isso me chateia." Há anos morando no mesmo apartamento na zona sul do Rio, lamenta também a distância dos filhos - André mora em São Paulo, e Paula, em Ubatuba - e, em especial, da filha de Paula, Maria, de 6 anos, que aparece em tantas fotos quanto pode em porta-retratos pela sala.

A literatura feita hoje no Brasil, inclusive por muitos admiradores dele, Sérgio acompanha de perto. E acha que não passam de fofocas os debates literários acerca da qualidade da produção das gerações posteriores à sua: "É como sempre foi. Uns escrevem bem, outros nem tanto." Entre as suas prioridades de leitura está Pornopopeia, de Reinaldo Moraes. Já teria lido o romance, não fosse uma recente arrumação em casa. "Minha namorada resolveu organizar meus livros e agora não encontro de jeito nenhum. Acho que vou ter de comprar outro...", conforma-se.

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