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Luzes da cidade

Sucessor de Letterman, Stephen Colbert aposta na ironia suprema

Engana-se quem espera por um novo clone de Letterman: sem deixar o entretenimento de lado, ele afia sua lâmina crítica

Por Lucia Guimarães
Atualização:

NOVA YORK - Há uma língua franca do humor? É sensato esperar que David Letterman, cujo show não só mudou o panorama do fim de noite como o humor na TV americana, seja imitado por seu sucessor?

Se os órfãos de David Letterman não quiserem um clone, há sinais de que vão ser recompensados. Na semana passada, seu sucessor, Stephen Colbert, apareceu como ele mesmo, não como o personagem que viveu durante nove anos no canal de cabo Comedy Central, para os anunciantes da CBS. A ocasião era a apresentação, no Carnegie Hall de Nova York, da temporada de programas de outono. Colbert parece ter desfeito a confusão sobre personagem a personalidade. Mas não o bastante para provocar complacência: “Vocês anunciantes querem globos oculares jovens. Mas não apenas os que Rupert Murdoch compra no mercado negro”, disparou, para riso geral e possivelmente nervoso da plateia.

Colbert. Ele une compaixão e indignação sarcástica Foto: REUTERS/Kevork Djansezian

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O Stephen Colbert do premiado Colbert Report era um âncora de direita encantado com si mesmo, mais ou menos baseado no boquirroto, troglodita e imensamente popular Bill O’Reilly, da Fox News. Se há tal coisa como uma explosão abafada, a estreia de Colbert, em dezembro de 2005, provocou exatamente isso. Os fãs de Jon Stewart, o dono do horário das 11 no Comedy Central, já conheciam Colbert como o falso correspondente, na vida real um católico praticante, que encenava, entre outros, o sketch “Esta semana em deus”, uma troça impiedosa de qualquer extremismo religioso.

Colbert estreou apostando na ironia suprema – a de viver um inimigo da ambiguidade desancando o elenco de comentaristas crassos que Rupert Murdoch introduziu na Fox News e que mudou a política americana para pior, com repercussões continentais. No começo, ele brilhava mais quando praticava esgrima com os desavisados que aceitavam ser entrevistados no Colbert Report, esperando em vão confirmação de seu extremismo. Sim, não se tratava de comédia acessível como os “Stupid Pet Tricks” de David Letterman, mas era material para gargalhada e reflexão. 

Até os supostamente sofisticados jornalistas que cobrem a presidência foram apanhados de surpresa, em abril de 2006, quando o ainda pouco conhecido Colbert foi convidado para ser o bobo da corte glorificado, o comediante que faz o presidente e a mídia rirem no jantar anual da Associação de Correspondentes da Casa Branca. Ninguém esperava o que aconteceu. “Falo das vísceras, sem o filtro do argumento racional”, disse Colbert na pele de seu personagem, fingindo homenagear o presidente, poucos metros à sua direita. “Acredito que o melhor governo é o que menos governa e estamos dando um grande exemplo no Iraque.” O monólogo que se seguiu foi um indiciamento devastador da aventura que, naquela noite, ainda não se sabia, custaria mais de 200 mil vidas e US$ 2 trilhões. Colbert foi criticado por jornalistas atordoados, os mesmos que não haviam questionado a falsa inteligência para invadir o Iraque.

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O Colbert que aceitou substituir Letterman, sem que o antecessor fosse consultado ou oferecesse seu endosso, é um brilhante graduado do Second City de Chicago, que já expeliu gente como Bill Murray, Julia Louis-Dreyfus, Mike Meyers, Steve Carell e Tina Fey.

Ele é o caçula de 11 irmãos criados na gentil e sulista Charleston, na Carolina do Sul. Sua religião e educação produzem uma mistura de compaixão e indignação sarcástica. Ele não quer tocar fogo no circo. Mas, com um intelecto superior aos Jims do fim de noite (Jimmy Kimmel, Jimmy Fallon e James Corden), Colbert deve rezar no altar do entretenimento sem abrir mão da lâmina crítica.

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