'Orgulho e Paixão' traz figurino de época na era da alta definição

Guarda-roupa da novela celebra o artesanal analógico

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Por Sergio Amaral 
Atualização:

Com peças garimpadas em acervos de colecionadores pelo País, reciclagem de materiais de produções fora do ar e um trabalho de pesquisa vasculhando bibliotecas, arquivos e memórias, Orgulho e Paixão e seu figurino celebram, em plena era da TV de alta definição, um tipo de trabalho analógico que nem Google nem as redes sociais ou impressoras 3D (ao menos por hora) são capazes de realizar.

A produção inspirada nas personagens da escritora inglesa Jane Austen, se passa no início do século 20, período em que o vestir, ainda que rebuscado, dava os primeiros passos rumo ao estilo descomplicado e prático.

Vintage. Os figurinos do baile, que reciclou peças da produção de 'Tapas e Beijos' Foto: ESTEVAM AVELLAR/GLOBO

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Livres de espartilhos, entram em cena vestidos românticos cheios de movimento, feitos com tecidos leves e esvoaçantes, babados, bordados e rendas decorativas, além de chapéus, bolsinhas e sombrinhas supertrabalhadas, especialmente no núcleo mais abastado da novela das seis. “A época é um presente, um trabalho mais autoral e mais apaixonante”, resume Beth Filipecki, a figurinista responsável pelo guarda-roupa de cerca de 2.700 peças usadas na composição de 450 looks.

Um presente e um desafio, já que o tempo disponível para pesquisa, desenvolvimento e produção é cada vez mais curto. “Vamos aproveitando memórias de outros trabalhos”, conta ela, que tem no currículo outras 40 produções só na Globo, entre elas Armação Ilimitada e O Tempo e o Vento (1985), Os Maias (2001), Senhora do Destino (2004) e Lado a Lado (2012).

Às memórias da profissional, somam-se registros textuais e iconográficos apresentados por sua equipe e pela direção de arte, roupas de colecionadores particulares, catálogos de tecidos antigos, amostras de bordados, e referências das artes plásticas, neste caso, o trabalho de pintores impressionistas como Renoir, cuja obra ajudou a compor a paleta luminosa de cores (antes de ser figurinista, Beth trabalhou com iluminação). 

É uma tarefa que tem paralelo com a de uma tecelã. “Um fala um pouquinho, outro fala mais e assim se forma essa trama. É um trabalho denso, mas bem gostoso e que acaba ficando leve”, explica.

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Apesar do imaginário vintage da produção, a realidade presente se impõe em questões, como as imagens de definição cada vez maior e a reciclagem de figurinos e materiais, uma preocupação cada vez mais comum ali, na moda e no mundo. “A gente acaba reaproveitando por questões éticas até. Cada vez que começamos do zero, já pensamos: ‘O que fazer com isso tudo depois?’. Temos um acervo grande, tem horas que temos peças interessantes e momentos em que elas estão ocupadas em outras produções.”

Em Orgulho e Paixão, esse uso responsável esteve em evidência numa das cenas mais importantes do começo da novela: o baile à fantasia com roupas típicas do Segundo Império, em que os personagens da trama engatam seus primeiros flertes, romances e disputas. Com algumas exceções, peças vindas do acervo de colecionadores do interior do País, a maior parte das roupas ali surgiu dos vestidos da loja Djalma Noivas, de Tapas e Beijos. Para atingir o efeito desejado, incluindo acabamentos de qualidade para versões HD 4K, essas peças tiveram que ser desmontadas, tingidas, recosturadas com novos adereços. “Foi um trabalho grande para valorizar esse reaproveitamento. Era um material complexo, com tecidos sintéticos que não têm a delicadeza do século 19”, conta Filipecki.  E foi um momento fashion da novela, o baile. Especialmente quando a protagonista Elisabeta (Nathalia Dill), moça independente, precursora de ideais feministas, surge de calça e casaca – chocando os convidados e levando a mãe Ofélia (Vera Holtz) ao desmaio. “A roupa da Elisabeta é simples, com poucos adereços, que faz sentido com a sua personalidade prática. Uma mulher que monta a cavalo, por exemplo, precisa ter movimento e mobilidade”, fala.

Outro figurino interessante é o de Ema (Agatha Moreira), a fazendeira rica, “quase um bibelô” e melhor amiga de Elisabeta. “Ela usa muito branco, cores claras, adereços como sombrinhas e luvas trabalhadas, coisa de quem tem muita gente para servir, para lavar e engomar”, descreve Beth. Assim como na vida real, entretanto, o guarda-roupa da personagem deve mudar muito em breve, logo que ela deixar os tempos de estabilidade financeira. “Pobre, não terá mais dinheiro para o mundo das aparências – e até então ela não fez nada na vida a não ser escolher roupa”, finaliza.

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